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Artigo: Pesquisadores escrevem novo capítulo da história da levedura Lager

Pesquisadores europeus conseguiram isolar Saccharomyces pastorianus, ancestral da levedura Lager

*Por Luciana Brandão

Um artigo recente publicado em novembro de 2022 na revista FEMS Yeast Research relata pela primeira vez a descoberta por cientistas europeus da espécie ancestral da levedura Lager, Saccharomyces pastorianus, responsável por mais de 90% da produção mundial de cerveja.

Mas antes de te contar sobre essa descoberta, vamos de histórias científicas para entender como tudo isso começou.

Um pouco de ciência um pouco de história
Desde 1980, sabe-se da natureza híbrida da levedura Lager, ao contrário da espécie S. cerevisiae, considerada pura. Um organismo híbrido é aquele formado pelo cruzamento de dois progenitores diferentes, ou seja, possui parte do DNA (genoma) de um e parte do DNA do outro. No caso da levedura cervejeira, embora um dos progenitores da linhagem Lager tenha sido identificado como uma S. cerevisiae, a levedura Ale, o outro progenitor, permaneceu por alguns anos indefinido.

Leia também – Artigo: Como leveduras cervejeiras sobreviveram 120 anos em um navio

Foi somente em 2011, que essa espécie perdida foi primeiramente descoberta pelos nossos hermanos argentinos (Libkind et al., 2011), isolada dos bosques preservados de Nothofagus da Patagônia Argentina. Na ocasião, os cientistas identificaram vários isolados de uma nova espécie de levedura, que foi taxonomicamente nomeada de Saccharomyces eubayanus. Na pesquisa, os genomas dessa espécie e o subgenoma não cerevisiae de S. pastorianus tiveram 99,56% de identidade, demonstrando que a espécie S. eubayanus era o progenitor perdido da levedura lager S. pastorianus.

Até aí tudo bem. Um dos mistérios havia sido resolvido. A descoberta de uma das espécies parentais da levedura Lager. Mas, ainda havia um outro mistério pairando no ar. Como uma levedura poderia ter viajado e atravessado mais de 10.000km de distância entre a Argentina e o local onde possivelmente ocorreu a formação do híbrido pastorianus e consequentemente a produção das cervejas Lagers da Europa?

Novas pesquisas, novas descobertas
A busca por novas linhagens de S. eubayanus e a relevância dessas descobertas para a fabricação de cerveja motivaram pesquisadores de várias partes do mundo a investigarem ainda mais a distribuição geográfica dessa levedura em diferentes localidades.

A partir de 2014, novas linhagens desta espécie foram encontradas na China, Tibete, América do Norte e Nova Zelândia. Os estudos da genômica completa desses isolados mostraram que apesar da linhagem encontrada na Patagônia Argentina ser a mais diversa e abundante do globo, ela não é a que possui maior identidade com a levedura Lager e sim a linhagem tibetana com 99,82% do seu genoma correspondente com o subgenoma não Ale de S. pastorianus.

Mas o mistério ainda permanecia, pois a linhagem tibetana estava a 7.000km de distância da região original da cerveja Lager.

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Enfim uma S. eubayanus europeia
Em 2022, mais um capítulo começa a ser escrito sobre a misteriosa história da levedura Lager no planeta. A ciência é algo incrível. E, enquanto mistérios não são desvendados, pesquisadores não se cansam de buscar respostas.

Embora os registros mostrem que o primeiro uso de S. pastorianus foi em cervejarias no sul da Alemanha, S. eubayanus nunca havia sido encontrado na Europa. Havia indícios, mas faltavam provas.

Foi então que pesquisadores da University College Dublin, na Irlanda, isolaram duas linhagens diferentes de S. eubayanus, dentre 100 outras espécies coletadas de amostras de solo provenientes do campus da universidade, como parte de seus projetos de pesquisa de graduação.

A descoberta de S. eubayanus na Irlanda mostra que esta levedura é nativa da Europa e parece provável que ainda existam mais isolados em outras partes do continente.

Ainda insatisfeitos, os cientistas decidiram aprofundar mais nas pesquisas e investigar um outro mistério. Qual das duas linhagens isoladas por eles seria o ancestral vivo mais próximo da levedura Lager? Mas infelizmente, pelo menos para os Irlandeses, e por obra da natureza, as pesquisas mostraram que, embora os isolados irlandeses estejam separados da Europa por apenas 1.300km de onde os isolados híbridos da levedura Lager ocorreram, as novas linhagens europeias não compartilham altos índices de ancestralidade, portanto não podem reivindicar ainda o posto de parentes mais próximos do subgenoma não cerevisiae de S. pastorianus.

Além disso, os isolados irlandeses crescem mal na presença de maltose e maltotriose, dois açúcares importantes na produção do mosto cervejeiro.

Sendo assim, o mistério ainda está para ser resolvido. Nenhuma das linhagens isoladas até o momento foi considerada o ancestral direto do progenitor da levedura Lager, muito provavelmente devido aos múltiplos eventos de hibridização ocorridos. E para concluir essa parte da história, a única coisa que podemos afirmar é que certamente os isolados que compartilham mais semelhança e ancestralidade com S. pastorianus ainda não foram encontrados na Europa, no Tibete e em lugar algum.

A busca pelo elo perdido continua. Só nos resta aguardar as cenas dos próximos capítulos do grande mistério da levedura Lager no planeta.


Referências bibliográficas:
Bergin et al., 2022. Identification of European isolates of the lager yeast parent Saccharomyces eubayanus. FEMS Yeast Research, Volume 22, Issue 1, https://doi.org/10.1093/femsyr/foac053

José Paulo Sampaio, 2022. Saccharomyces eubayanus—a tale of endless mysteries. FEMS Yeast Research, Volume 22, Issue 1, https://doi.org/10.1093/femsyr/foac058


Luciana Brandão é pós-doutorada em Microbiologia pela UFMG, cervejeira caseira, sommelière de cervejas, co-fundadora e CEO do Laboratório da Cerveja, empresa de biotecnologia e soluções em processos cervejeiros

Texto originalmente publicado no site do Laboratório da Cerveja

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