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Balcão Xirê Cervejeiro: Celebrando a resistência e a diversidade no mercado

Olá, seguidores/as e leitores/as do Guia da Cerveja! Estou de volta ao balcão Xirê Cervejeiro e, desta vez, nossa conversa será sobre a cerveja “Tereza de Benguela Cervejeiras”, uma Red Ale com adição de ameixa e baunilha Kalunga.

Antes de apresentar a cerveja, começo nosso diálogo com a seguinte frase: “A única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é oportunidade”. Essa fala emblemática foi dita pela grande atriz Viola Davis em um emocionante e pungente discurso durante o Emmy de 2015, e ela não estava errada.

Aproprio-me dessa fala de Viola para dizer o mesmo no que tange as mulheres negras no mercado cervejeiro. E não deveria ser assim, tendo em vista que foram as mulheres as responsáveis pela existência da cerveja.

Elas foram as primeiras a dominar a arte da fabricação de cerveja, sendo responsáveis por disseminá-la. Há relatos na literatura que a cerveja surgiu na região norte da África, e se as mulheres eram as responsáveis pelo manejo da agricultura e pela produção de alimentos, logo, também, foram as executoras dessa bebida tão milenar, numa África notadamente negra.

Foram inspiradas nessa ancestralidade que cinco mulheres negras engajadas no ecossistema cervejeiro se juntaram para criar uma cerveja e homenagear uma heroína brasileira, que foi/é símbolo de resistência, alteridade e insubmissão.

A escolha do nome que estampa o rótulo não foi à toa e nem aleatória.

Mulheres negras são fruto da diáspora africana, ou como nos ensinou Beatriz Nascimento, “atlânticas”, trazidas à força pelo Atlântico com um único e exclusivo objetivo, serem escravizadas para gerar riqueza à “elite” do atraso brasileiro.

É nesse contexto que Tereza de Benguela chega ao Brasil, uma mulher nascida livre e sequestrada, que não negociou sua liberdade. Em meados do século XVII, Tereza fugiu para o Quilombo do Piolho ou Quariterê, na região de Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia. Após a morte de seu marido, Zé do Piolho, ela assumiu a liderança do quilombo, tornando-se rainha. O reinado de Tereza termina em 1770, quando forças coloniais invadiram e destruíram o quilombo.

No Quilombo do Quariterê vigorava um parlamento, com deputados e conselheiros, e a liberdade era exercida ali.

Na contemporaneidade, muitas mulheres negras ainda vivem em busca de liberdade e equidade, principalmente econômica. E foi pautando esse lugar social que em 25 de julho de 1992, aconteceu em Santo Domingo, na República Dominicana, um encontro de mulheres negras latino-americanas e caribenhas, com o objetivo de discutir políticas públicas para essas mulheres negras, filhas da diáspora africana e tão invisibilizadas.

Neste mesmo ano, a ONU reconheceu essa data como um marco de luta pela vida dessas mulheres racializadas.

No Brasil, foi sancionada a Lei Federal 12.987/2014, uma justa homenagem a Tereza, uma mulher que nunca se rendeu e lutou até o fim pela emancipação de pessoas negras.

Inspiradas nessa grande líder, cinco mulheres negras do mercado cervejeiro se reuniram em 2022 para criar o primeiro Festival Tereza de Benguela Cervejeiras, cuja finalidade é dar visibilidade às mulheres negras no mercado cervejeiro e inspirar outras mulheres negras a fazerem parte desse ecossistema que nos rejeita o tempo todo.

Em 2023, o coletivo, junto com a Goose Island, criou uma cerveja para comemorar o dia 25 de julho, uma Red Ale com adição de ameixa e baunilha.

A escolha do estilo e dos adjuntos foram feitos pelas cincos cervejeiras, por essa subscritora e por Cinarah Gomes, Adriana Santos, Dani Lira e Dani Souza.

Vejam o que elas falam sobre o projeto:

O Tereza de Benguela Cervejeiras é um projeto de agradecimento e celebração aos ancestrais africanos. Um encontro lindo com quem respeita e valoriza as origens. Mas talvez o feito mais especial é o de poder expandir as relações e perpetuar os ensinamentos surgidos desde o Egito antigo. Não é somente sobre cerveja, mas tudo o que permeia, como gastronomia, cultura, arte e educação. O Tereza é muito mais que um evento. É uma vivência regada de aprendizado e principalmente alegria, marca registrada do povo africano

Adriana Santos, sommelière de cervejas e cervejeira caseira

O Tereza de Benguela foi criado a partir da perspectiva de sermos vistas e percebidas no mercado cervejeiro, que, até então, sempre foi machista e com ambiente altamente branco. A junção de 5 mulheres negras potentes, empoderadas, fortes, cada uma com seu potencial, com foco e com a mesma força e perspectiva de coexistir nesse ramo, nos fez. E desde o ano passado, passamos a trocar, idealizar e a trazer esse sonho, esse conhecimento, essa força para a sociedade. Através do projeto, nos fortalecemos e crescemos como mulheres negras ocupando espaço e identidade cervejeira. Criamos o Tereza de Benguela para fortalecer todas mulheres que, assim como nós, querem ser reconhecidas por seus verdadeiros valores e potências!

Dani Souza, sommelière de cervejas e chef de cozinha

A reunião dessas mulheres negras tão potentes no mercado cervejeiro já era um sonho antigo de todas, então poder associar o coletivo à data do dia 25 de julho foi o melhor momento para esse projeto acontecer.
Percebo que de alguma forma, nossos corpos ainda não são valorizados como profissionais, e no setor em que atuo, por exemplo, sinto ainda o preconceito e racismo, camuflado de surpresa, quando me conhecem e descobrem que eu sou a dona do Torneira Bar, o que me traz um certo incômodo.
Entendo que o setor vem mudando, temos muitas mulheres negras profissionais no mercado cervejeiro, contudo, ainda muitos negócios desconhecidos ou sem a devida visibilidade.
Observo muitas marcas propondo vínculos “profissionais” no sentido de uma autopromoção quando se fala de inclusão e diversidade, contudo, não visando uma remuneração justa para tais atividades.
Desta forma, a representatividade fortalece outras a elevarem seus negócios no setor. É aquele ditado: uma puxa a outra.
O Tereza de Benguela é sobre celebração, união, apoio e valorização dos nossos corpos como profissionais do meio cervejeiro

Dani Lira, sommelière de cervejas e sócia fundadora do Torneira Bar

O Festival Tereza de Benguela, conecta-me com meus pares, oxigenando e fortalecendo nossos negócios, amplia nossa visibilidade e constrói pontes, atalhos e possibilidades reais de desenvolvimento individual, porém atuando de forma coletiva.
Mulheres negras conscientes de seus valores e desvalores em nossa sociedade, sabem que é no compartilhamento de saberes que a gente se fortalece!

Cinarah Gomes, sócia da cervejaria Serafina e cervejeira cigana

Como parte desse projeto, não poderia deixar de dar aqui o registro do que me motivou a fazer parte dele.
O que me motivou a estar no ambiente cervejeiro foi a falta. A ausência me trouxe até aqui. Não encontrar pessoas negras em lugar de destaque no mercado das artesanais e ser tratada com muito desdém e chacota me gerou um incômodo.
Não deveria, mas o espaço cervejeiro é muito hostil e intimidador, então buscar espaços de segurança e acolhimento tem sido uma constante. Reuni-me com essas cervejeiras foi algo desafiador e ao mesmo tempo bonito e acolhedor.
Como sempre pontuo, cerveja é conexão, é ralação entre pessoas, é ponte de afeto, é o elo social entre várias comunidades. Ela não está restrita aos espaços cheios de pessoas iguais, como se fossem um bloco monolítico. cerveja é diversidade em todos os sentidos. Cerveja não é elitista, ela deve abraçar todas as pessoas de forma natural e sem esnobismos. E se o mercado realmente estiver disposto a conectar a cerveja às pessoas, precisa se colocar na posição de escuta, ouvir o que elas têm a dizer. Temos potencial para sermos imensos, basta não querer segregar. Estamos diante de uma geração que diz em alto e bom som, “se não me vejo, não compro”. Então, que possamos cada vez mais, para além das máquinas, aprender a dialogar com as pessoas. Cerveja, diversidade e paridade também são tecnologias, tecnologias que aproximam o/a consumidor/a à cerveja. E cerveja, é antes de tudo, vínculo.
É nesse lugar que o Tereza de Benguela Cervejeiras surge, para acolher, visibilizar e honrar quem veio antes, que está aqui e quem estar por vir.

Sara Araujo, sommelière de cervejas, consultora e produtora de conteúdo digital

O projeto só foi possível por contar com a sensibilidade de aliades e trago duas dessas vozes para ilustrar o que significa/significou esse projeto.

O projeto de Tereza de Benguela Cervejeiras me fez refletir não somente sobre a potência e representatividade de luta e resistência que Tereza de Benguela foi e é, mas me fez refletir também sobre as minhas origens e raízes.
Me fez refletir sobre a forma na qual fui criado. Eu, um homem negro que cresceu sem pai, periférico, percebi que a maior representatividade e personificação de Tereza que eu tenho, é a minha própria mãe.
Uma mulher negra, periférica, da qual carregou o mundo nas costas. Percebi que fui moldado nos princípios da luta e da resistência por sobrevivência, respeito, e todos os direitos dos quais sempre buscamos. O direito de ser e pertencer.
Me senti feliz não só pela realização do projeto. Mas também, por ter a percepção de que fui criado a partir desses princípios, por uma mulher negra. E isso me fez ser quem eu sou hoje. Me senti grato por isso, e também por até hoje ter presente de uma forma muito forte na minha vida, mulheres e potências negras que me motivam cada vez mais.

Leonardo Augusto da Silva, coordenador de marketing da Goose Island

Ser mulher é um desafio.
Ser mulher e negra é um desafio maior.
Mas o que dizer de mulheres negras e cervejeiras!
Eu tive a oportunidade de conhecer essas mulheres, seus trabalhos, algumas de suas batalhas e de também um pouco mais sobre essa outra mulher, a Tereza de Benguela.
A Sara me convidou para escrever o que ela significa para mim e eu poderia escrever aqui tudo o que eu ouvi e li sobre ela, mas quem mais me ensinou foi a Sara com uma simples palavra.
Como desenvolvemos uma cerveja em conjunto para celebrar o dia da Tereza, em um momento foi colocado no grupo de WhatsApp um texto para que todas aprovassem. Na descrição estava escrito que a Tereza tinha sido uma escrava e a Sara gentilmente corrigiu falando que o correto era se referir como ESCRAVIZADA.
Foi uma palavra que me sensibilizou bastante, não sei muito como explicar… Imaginei Tereza livre, sendo tirada e obrigada ao trabalho forçado, escravo. Arrancada da sua vida, vendo os seus serem hostilizados e mortos. Mas essa mulher lutou e liderou por 20 anos um quilombo até ser subjugada novamente. E ali naquele grupo estavam 5 mulheres celebrando seu nome e sua luta. E vi em cada uma delas um pouquinho da Tereza e na Sara, em especial, a luz dela.
Tereza representa para mim um pouquinho de cada uma de vocês, Sara, Dani, Cinara, Adriana e Dani Lira.
Agradeço pela oportunidade de conhecê-las e pelos ensinamentos

Luiza de Oliveira Cardoso, administradora

Desejo a você, que leu estes relatos, que fortaleça mulheres no mercado cervejeiro, que elas possam ter incentivos para desenvolver suas habilidades.


Sara Araujo é graduada em Ciências Jurídicas pela Instituição Toledo de Ensino, em Bauru (SP). Atua na área de execução penal, sendo graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (PR), pós-graduanda em História da África e da Diáspora Atlântica pelo Instituto Pretos Novos do Rio de Janeiro, sommelière de cervejas pela ESCM/Doemens Akademie e criadora e gestora do @negracervejassommelier

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