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Caso Backer: Relatos de tragédias familiares marcam início dos depoimentos

backer depoimentos
Julgamento pela contaminação de cervejas começou por audiências de familiares de vítimas e testemunhas de acusação

A fase inicial do processo penal contra a Backer começou com depoimentos de 27 pessoas, sendo 23 testemunhas de acusação e 4 vítimas, com relatos de tragédias familiares causadas pela intoxicação em função do consumo de cervejas contaminadas, tendo provocado mortes, sequelas graves e longos processos de recuperação.

As primeiras audiências da ação, que tramita na 2ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), ocorreram mais de dois anos após o início dos casos de contaminação que resultaram em dez óbitos, além de lesões graves em ao menos outras 16 pessoas.

A reportagem do Guia teve acesso a resumos com os conteúdos principais dos depoimentos, que ocorreram na última semana, no Fórum Lafayette, em Belo Horizonte, e constatou o cenário de horror enfrentado pelas vítimas de contaminação na maior tragédia da história da cerveja artesanal brasileira.

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Pessoas que sofreram com sérios problemas de saúde e ainda acompanharam dramas de parentes que morreram ou ficaram com graves sequelas enumeraram histórias trágicas. Uma delas envolveu um juiz do trabalho, João Roberto Borges, que era entusiasta da cerveja Belorizontina, até então a mais vendida do portfólio da Backer. No final de 2019, aproveitando uma promoção, ele comprou várias caixas do rótulo, consumindo uma garrafa por noite. Nove dias depois, começou a passar mal e foi levado a um hospital. Internado na UTI, faleceu após três semanas.

Em outro relato, a perita responsável pela equipe que analisou as amostras e constatou a contaminação das cervejas da Backer lembrou que teve o marido e o seu pai como vítimas, após ambos consumirem a Belorizontina. O seu parceiro se sentiu mal dois dias antes do Natal de 2019, ficou internado até março de 2020 e sobreviveu, mas ainda sofre com sequelas. Já o pai faleceu 14 dias depois e foi o primeiro identificado como morto por contaminação neste caso. A perita iniciou uma investigação particular, ao lado da esposa de outra vítima, após ambas suspeitarem que a cerveja era a causadora da intoxicação.

Outra tragédia foi relatada pela filha de uma vítima, que chorou ao lamentar a morte do seu pai depois de ela ter ficado responsável por comprar as bebidas para as festas de Natal em 2019 e acabar optando pela Belorizontina, que estava em promoção. Após consumir a bebida, o pai começou a passar mal e suspeitou que estava enfartando. Internado, ele foi para a UTI, apresentou melhora e chegou a voltar ao quarto do hospital, mas começou a piorar novamente e faleceu cerca de 15 dias depois.

Inúmeras sequelas nas vítimas da contaminação
Os mais variados tipos de sequelas estão entre os relatos de parentes das vítimas. A esposa de uma delas contou que o seu marido ficou cego, começou a ter dificuldades de andar e precisou usar cadeira de rodas. Ainda hoje está em recuperação. Ela diz que os valores pagos pela Backer como indenização não são suficientes para cobrir os custos do tratamento, fato que a obrigou a abandonar o seu trabalho para ajudar seu parceiro.

Outra testemunha de acusação ouvida foi uma mulher que perdeu o pai, morto em abril de 2020, e viu a sua madrasta falecer em dezembro de 2019 após consumirem cervejas contaminadas da Backer que ela levou a Belo Horizonte. Antes de morrer, a vítima que era casada com o pai da depoente sofreu com diarreia, insuficiência renal aguda e passou a ter problemas de visão.

Relatos de outras testemunhas de acusação apontaram outros problemas graves de saúde causados pelas contaminações, como pessoas que tiveram paralisia facial, que precisaram reaprender a falar, a se locomover e até que sofreram necrose no intestino. Neste último caso, a vítima perdeu 37kg, 60% da audição e está no prazo limite para receber um transplante intestinal.

Delegado que investigou caso avalia que Backer foi omissa
Primeira testemunha de acusação a ser ouvida pela Justiça no último dia de depoimentos, o delegado Flávio Henrique Grossi, responsável pela apuração do Caso Backer em 2019, revelou que as investigações começaram a avançar após laudos do IML apontarem que as primeiras vítimas fatais estavam contaminadas com a substância dietilenoglicol, considerada tóxica. E diligências indicaram que era comum o consumo da Belorizontina nas residências destas pessoas.

O delegado relatou que, ao constatar a coincidência, começou a investigar a fábrica da Backer, onde em uma primeira visita não foi encontrado o dietilenoglicol, mas apenas o monoetilenoglicol, outro produto tóxico que foi usado durante o processo de produção de cervejas. Porém, em uma nova ida ao local, os policiais acharam galões de dietilenoglicol descartados, o que fez as autoridades concluírem que o elemento proibido estava presente nas bebidas consumidas.

Ele afirmou que a apuração concluiu que o sistema da cervejaria passou a necessitar da reposição do dietilenoglicol, o que motivou um aumento da compra da substância, mas destacou que este reabastecimento ocorria “sem qualquer controle ou critério”. Desta forma, ele apontou que houve omissão da empresa em não suspender de imediato a comercialização da cerveja, mesmo depois de já identificada a contaminação, constatada quando a Backer aumentava as suas vendas e estava em processo de expansão. O fato também fez o então investigador entender que esse processo colaborou para a desorganização interna da cervejaria neste período.

44 dias em coma, 70 dias no hospital e na fila para o transplante
Um dos depoimentos mais comoventes do dia final de audiências de acusação do Caso Backer foi de uma mãe que viu o seu filho, de 23 anos, ficar 44 dias em coma e 70 dias no hospital fazendo hemodiálise depois de ter consumido a cerveja contaminada. O rapaz viajou no final de 2019 com a namorada para o Rio de Janeiro, onde teve convulsões e foi internado em estado grave. Ele sobreviveu depois de muita luta, mas hoje vive com sérias sequelas e precisa fazer quatro sessões de hemodiálise semanalmente, se tornou hipertenso, toma vários remédios e está na fila para receber um transplante renal. “Meu filho hoje luta pela vida”, ressaltou a mãe.

Uma das poucas pessoas identificadas entre as testemunhas de acusação após o fim dos depoimentos iniciais do Caso Backer, Eliana Reis foi a última depoente e se emocionou bastante. Ela é viúva de uma vítima que morreu após consumir a cerveja contaminada e levou ao fórum uma pasta com documentos que mostram a evolução do quadro clínico do marido, que ela fotografava e filmava no hospital. Internado com sintomas como vômitos, diarreia e gastroenterite em fevereiro de 2019, ele não conseguia urinar, tinha dores latejantes pelo corpo e sofreu uma parada cardiorrespiratória. Foi reanimado e depois entrou em coma. “Meu marido apodreceu por dentro e por fora e morreu 22 dias após ser internado. Eu sei que ele sentia dor”, relembrou Eliana.

Relembre o caso
Uma denúncia apresentada pelo Ministério Público pediu o indiciamento de 11 pessoas por crimes cometidos entre o início de 2018 e 9 de janeiro de 2020, ano em que a solicitação foi aceita, em 8 de outubro, pelo juiz Haroldo André Toscano de Oliveira. O magistrado acatou o pedido dos promotores após a materialidade dos delitos criminais ser comprovada por um laudo pericial da Polícia Civil de Minas Gerais e do Instituto de Criminalística em lotes de cervejas da Backer e em tanques da planta fabril da empresa, que pertence à Cervejaria Três Lobos.

Entre os réus estão três sócios-proprietários da Backer, Ana Paula Silva Lebbos, Hayan Franco Khalil Lebbos e Munir Franco Khalil Lebbos, que ainda terão seus depoimentos e julgamentos marcados pela Justiça, assim como dos sete funcionários que também foram indiciados, sendo um deles de uma empresa terceirizada, processado por falso testemunho. Já um 11º réu morreu pouco depois de ter sido indiciado em 2020.

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