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Rodrigo Sena Beersenses

Balcão Beersenses: São Nicolau e a Lager mais potente do mundo

O objetivo desse texto de fim de ano é contar uma linda história natalina. Mas essa não é uma história qualquer, é uma tremenda história, com fatos que aconteceram em diferentes partes do mundo, em diferentes épocas, e que foram unidos pela cerveja – ah, sempre a cerveja para unir histórias e deixar nossa vida melhor!

Vou começar com a história de Nicolau, que viveu no século IV na cidade portuária de Myra, que naquela época pertencia à Grécia, mas hoje é a cidade de Demre, na Turquia. Diz a história que ele nasceu em uma família muito rica e que depois da morte de seus pais se desapegou de tudo, dando dinheiro e assistência aos pobres, principalmente às crianças.

Em uma de suas boas ações, Nicolau evitou que um pai falido enviasse suas três filhas crianças à prostituição, jogando três sacos de moedas de ouro pela chaminé da casa da família. Os sacos caíram em cima das meias das moças, que estavam secando à beira da lareira.

Logo as histórias de bondade de Nicolau ganharam fama e cruzaram fronteiras. Por toda a Europa, os relatos sobre Nicolau começaram a ganhar forma de lenda, até que a Igreja Católica o canonizou, e ele se tornou São Nicolau.

Bom, o resto da história vocês já conhecem: São Nicolau virou base para a criação da imagem do Papai Noel, que recompensava crianças bondosas com sacos de presentes jogados pelas chaminés das casas. A figura do Papai Noel, inclusive, se parece muito fisicamente com a aparência de São Nicolau.

A cerveja e São Nicolau
Agora você pensa: mas e o que isso tem a ver com cerveja? Então vamos já ao link entre os dois mundos: em 1979, Albert Hürlimann, mestre-cervejeiro e grande referência mundial no estudo de leveduras, criou na sua cervejaria na Suíça, a receita de uma Lager potente, baseada nas Doppelbocks alemãs, mas com um processo de fermentação diferenciado, mais longo, por 10 meses, e deixando a cerveja mais seca do que as primas alemãs.

Essa cerveja chegou a incríveis 14% de álcool por volume (ABV), sendo conhecida como a Lager mais forte do mundo. Hürlimann produziu a cerveja no dia 6 de dezembro de 1979, dia de São Nicolau, e batizou sua criação de Samichlaus, que significa São Nicolau em um dialeto suíço-alemão.

A Samichlaus
Por 17 anos, a cervejaria Hürlimann produziu a Samichlaus somente no dia 6 de dezembro, tornando não só a cerveja rara por ser apenas feita uma vez por ano, mas também uma tradição natalina. Até que, em 1997, a cervejaria faliu. Por 3 anos a Samichlaus deixou de ser produzida.

Foi quando na virada do milênio, a Pivovar Eggenberg, uma histórica cervejaria da cidade de Graz, nos Alpes Austríacos, assumiu a receita da Samichlaus e retomou as brassagens conforme a tradição, sendo feita apenas no dia 6 de dezembro.

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As origens da Eggenberg
Aqui vale a pena um parêntese para falar da rica história da Pivovar Eggenberg. É uma trajetória cheia de mudanças, altos e baixos, que remonta ao século XIV, quando a família Rosenberg produzia cervejas no castelo de Český Krumlov, na República Checa. Em 1625, os Rosenberg transferiram a produção para o castelo nos Alpes na Áustria e, em 1628, Hans Ulrich von Eggenberg assumiu a cervejaria, dentro do Castelo que ganhou o nome da família: Schloss Eggenberg.

Em 1717, com a morte do último representante masculino da família Eggenberg, aos 13 anos de idade, a família Schwarzenberg passou a controlar a cervejaria, mas manteve o nome, até em função do castelo onde estava localizada. É aí que começa a história de sucesso da empresa. A produção aumentou muito, chegando a 350 mil litros no final do século XIX.

Hasta la vista, baby!
Aliás, enquanto eu fazia minha pesquisa para esse texto, descobri que a cidade de Graz, que abriga a Pivovar Eggenber, é também a cidade onde nasceu o ator e político Arnold Schwarzenegger, famoso por interpretar o Exterminador do Futuro nas telas dos cinemas. Isso foi só uma curiosidade mesmo, nada a ver com a cerveja!

O encontro da Samichlaus e da Eggenberg
A cervejaria Eggenberg se especializou em produzir Lagers potentes. Por isso, a tradicional receita da Samichlaus caiu como uma luva para eles. Mas para conseguir reproduzir fielmente a mesma receita, a Eggenberg contou com a colaboração inicial dos cervejeiros da Hürlimann. Com isso, o rótulo passou a se chamar Samichlaus Classic, com o perfil sensorial igual ao da original, com uma explosão de notas sensoriais, que lembram geleias de frutas vermelhas, frutas pretas, mel e condimentos.

Com sua expertise em Lagers potentes, a Eggenberg criou uma segunda versão da Samichlaus, envelhecida em barris de carvalho, que anteriormente maturaram uísque e foram feitos com madeira da floresta de Wienerwald, que fica nos arredores de Viena. Essa é a Samichlaus Barrique, com os mesmos 14% ABV, mas com um perfil sensorial diferente da original, ganhando notas de baunilha, mais amadeiradas, vindas dos barris e do uísque.

Preciso ressaltar que, tecnicamente, não é nada fácil produzir Lagers potentes e complexas, como a Samichlaus. Produzir uma boa Lager requer muito mais rigidez no processo, maior disciplina e controle de qualidade. Não que para produzir Ales isso também não seja necessário, claro que é sim, mas é que se houver uma falha, por menor que seja, ela ficará muito clara e evidente em uma Lager, enquanto uma Ale pode às vezes encobrir pequenos “deslizes” da produção.

Outro fator que observo é a variedade de Lagers que a cervejaria produz. Muita gente pensa que Lager é um estilo, mas não é. Lager é uma família que contém diversos estilos.

Bom, eu espero que você tenha aproveitado essa inusitada história. Agora me dá licença que vou escrever minha cartinha para São Nicolau pedindo minha Samichlaus.


Rodrigo Sena, jornalista, sommelier de cervejas especializado em harmonizações, técnico cervejeiro, criador de conteúdo para o YouTube e o Instagram @beersenses.

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