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Balcão da Nadhine: Impactos da guerra na Ucrânia no mercado cervejeiro húngaro

Como introduzi no texto anterior, a história da Hungria com a cerveja é antiga e remonta à produção das primeiras Lagers. Mas, no contexto moderno, dois grandes marcos são importantes para entender o mercado craft: o fim do regime soviético e 2010.

Com a abertura do mercado, centenas de cervejarias abriram. Essa foi a época de maior número de produtores cervejeiros no país. Conta-se que chegaram a 400 o número de fábricas! O problema é que grande parte dessas empresas abriram sem planejamento, com equipamentos de baixa qualidade e, com pouco tempo, muitas delas fecharam.

Em 2010, como citei anteriormente algumas alterações foram feitas pelo governo, como incentivos financeiros para investimento em novas plantas, uma lei de redução do imposto para as pequenas cervejarias além de uma legislação específica para produção de cerveja caseira. Com isso, o mercado teve uma nova revolução na cerveja nacional húngara.

Mais recentemente, um projeto de lei, apresentado por Lajos Kósa em 2020, determina que pelo menos 20% da venda de cerveja dos restaurantes, pubs, lojas especializadas e prateleiras de supermercados dedicados à venda de cerveja, sejam destinados à cerveja dos pequenos produtores. Essa é outra grande ação do governo para incentivar o mercado de cervejarias artesanais.

Mais de um ano depois do início da guerra na Ucrânia, podemos analisar de maneira mais realista os impactos do conflito no mercado.

Para contextualizar as tensões entre Rússia e Ucrânia, devemos saber que ambos os países são originários de uma mesma raiz étnica e devido às diferenças entre as separações geopolíticas e a separação cultural, algumas regiões não se identificam com o país que possui a administração daquele território, assim como ocorre nas fronteiras da Hungria, Sérvia e Romênia. Apoiados nesse contexto conflituoso e na aproximação da Ucrânia com a Otan, no dia 24 de fevereiro de 2022 aconteceu a invasão das tropas russas ao leste da Ucrânia.

A conjuntura é muito mais complexa e não vou me aprofundar no assunto. Mas já sabemos que o conflito tem um impacto significativo na economia, infraestrutura e estabilidade política que perpassam a Ucrânia. O mundo todo sofre impactos do conflito, mas a guerra atinge muito mais fortemente os países ao redor, com uma crise energética que além do aumento dos preços da energia e a preocupação com a segurança energética, também teve implicações econômicas mais amplas, já que os preços mais altos da energia levaram à inflação e reduziram o crescimento econômico. Isto contribuiu para que os desafios econômicos enfrentados pela Hungria sejam ainda maiores, incluindo altos níveis de dívida e preocupações com a estabilidade financeira.

Eu conversei com o economista Márton Pelles, com Béla Bukovinszky, dono de uma das mais antigas cervejarias artesanais da Hungria, a Szent András Sörfózde, e Ádám Sipos, brand manager da cervejaria First novamente para construção da minha análise e perspectiva futuras. E as previsões não são tão otimistas. O preço do gás aumentou cerca de dez vezes em 2022. Com contratos de longo prazo, a energia ficou com preço fixo até o final deste ano de 2023. Mas estima-se um aumento de preço de 4 ou 5 vezes para 2024.

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Além de gás e energia, o preço do malte aumentou 80% por causa da guerra e o preço das garrafas de vidro dobrou, porque as atividades militares danificaram severamente uma fábrica de vidro ucraniana, e as fábricas de vidro checas e alemãs sofrem com o aumento do preço do gás. Somado a isso, devido à alta inflação, houve a necessidade de aumentos salariais significativos. A boa notícia é que um novo malteiro húngaro começou a trabalhar, então cervejarias húngaras puderam usar parte do malte produzido localmente.

A inflação impacta nas mudanças no comportamento do consumidor, incluindo mudanças nos hábitos e prioridades de compra. Os consumidores podem estar mais conscientes do preço e procurar cervejas de menor preço, ou podem priorizar as cervejas produzidas localmente em relação às marcas importadas. O preço médio da cerveja na Hungria subiu aproximadamente 30%. Em situação de crise, os consumidores procuram, pelo menos temporariamente, os produtos mais baratos. Adaptar-se à situação de crise e às mudanças no mercado interno de cerveja artesanal pode significar diferentes estratégias. Eles destacam a necessidade de oferecer aos consumidores produtos de qualidade em diversas faixas de preço, além de manter alto padrão de qualidade e credibilidade de marca. Mas não é possível prever quanto tempo durará esse poder de compra.

O governo húngaro possui algumas ações de incentivo para o desenvolvimento de negócios de cerveja artesanal, como o auxílio financeiro para abertura e baixas taxas de impostos, mas as cervejarias precisam se adaptar e inovar para manter sua competitividade em um mercado que além dos desafios atuais, vive em constante mudança e já aponta sinais de saturação. A credibilidade e a reputação de longa data de uma cervejaria podem ser um fator importante para manter a fidelidade do consumidor em tempos difíceis. Workshops, eventos e constante inovação podem ser importantes atrativos.

O governo húngaro segue uma política econômica nacionalista e tenta ajudar as empresas húngaras de maneira geral. Essas medidas ajudam os produtores menores, mas o mercado decidirá se essas medidas são bem-sucedidas ou úteis. Desde 2010, todas as pequenas cervejarias receberam um desconto de 50% no imposto sobre o álcool, semelhante a outros países europeus como a Alemanha e a República Checa. Durante o período de pandemia de Covid-19, subsídios foram usados ​​para manter trabalhadores, para evitar as demissões em massa no período de crise. Agora, esses subsídios estão disponíveis em setores energia-intensivos, como as cervejarias, para compensar os altos preços de gás e da eletricidade. Mais recentemente, o governo indicou a pretensão de colocar as fábricas menores também no setor de Horeca (hotéis, restaurantes, cafés etc) para terem outros benefícios.

Vale notar que os impactos específicos na comercialização de cerveja dependerão de uma variedade de fatores, incluindo a gravidade e a duração da crise energética e econômica, bem como fatores geopolíticos mais amplos relacionados com o conflito Ucrânia-Rússia. Quanto mais tempo a crise durar, mais nos aproximamos da previsão de Márton do fechamento de pelo menos um terço das fábricas. Para Béla, o maior desafio é a crise energética, e a inflação deve ser contida porque os consumidores estão lentamente impossibilitados de comprar os produtos. Se isso for superado, espera-se que outros 30 anos de sucesso estejam por vir. E nós esperamos por esses anos de sucesso e pelo final desse conflito o mais breve possível, também!


Nadhine França foi a primeira mulher a ocupar a presidência executiva da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), também sendo responsável pela criação e coordenação do Núcleo de Diversidade. É analista de sistemas, cervejeira, beer sommelière, Cicerone Certified Beer Server, juíza internacional de cerveja, organizadora de eventos, concursos e congressos cervejeiros. Hoje mora em Budapeste.

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