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Balcão do Jayro: “Um janeiro seco antes do almoço é muito bom, pra ficar pensando melhor”

Escrevo este texto já na última semana de janeiro, depois de ter, enfim, experimentado um janeiro seco. Faltam alguns dias, mas tudo leva a crer que não desistirei ou, como disse o meu amigo sommelier Rafael Cheruti, não serei derrotado.  Digo “enfim”, pois prefiro ter um olhar mais cético quanto aos modos e maneiras que importamos do “mundo desenvolvido”. Olhem para o nosso clima! Janeiro está quente (cada vez mais) para diabo! E cerveja tem um poder refrescante imenso! Faria muito mais sentido termos um “Dry July”, não?

O principal motivo para aderir ao movimento é idêntico ao de Emily Robinson (para saber mais, clique aqui): performance em corrida – corro de forma regular e competitiva há mais de 15 anos. Aliás, uso o excesso de exercícios como indulgência para excessos zito-grastronômicos. De forma semelhante, também senti os benefícios fisiológicos derivados da redução do consumo de álcool: sono melhor, disposição maior, perda de peso etc. Também fui à nutricionista, que, para meu espanto (contém ironia), me pediu para mudar só absolutamente tudo.

Para além disso, também notei um fator de grande importância: a indiferença compulsiva. Explico: em seu livro “O Gosto Como Experiência”, mais especificamente no “Terceiro Acesso” do gosto, Nicola Perullo debate sobre a indiferença do paladar – os dois primeiros acessos referem-se ao prazer e ao saber. A indiferença compulsiva pode se dar, por exemplo, pela fome ou, como me identifiquei, pela abundância:

[…] por um efeito anestésico devido à extrema abundância (quantas pessoas não saboreiam mais nada porque já tiveram tudo e saborearam demais?)

O Gosto Como Experiência – p.146

Ainda no terceiro acesso Perullo nos traz o mesmo de Proust das famosas madeleines – por mais contraditório que possa parecer – e não é:

Bebo um segundo gole, em que não consigo encontrar nada a mais do que encontrei no primeiro, depois um terceiro, que me dá ainda menos que o segundo. É hora de parar, parece que a virtude da bebida diminuiu.

O Gosto Como Experiência – p.142

Lhes trago isso, meus caros, pois me identifiquei com o “piloto automático” e com a anestesia. Ainda me recordo das sensações de descobertas de novos aromas e sabores ao experimentar novas cervejas. São minhas madeleines. Mas essa pausa a que me forcei também serviu para reflexão. Não nos enganemos: sou um apaixonado pelos aromas e sabores das cervejas TANTO quanto seu poder inebriante.

Sou fã inconteste de Anthony Bourdain – apesar do ódio mortal que ele nutria por beer geeks, categoria em que já me enquadrei (não mais) durante minha jornada cervejeira. Em seu livro “Em busca do prato perfeito”, Bourdain expressa:

Eu queria mágica. Quando é que comida é mágica? Quais os denominadores comuns? Se brota de uma visão pessoal, brilhante e obsessiva, a comida pode adquirir alguns aspectos místicos. No auge os chefs gostam de se comparar a alquimistas, e muitos deles, principalmente os franceses, têm uma longa e gloriosa tradição de transformar metal vulgar em ouro. Pois o que é um simples pedaço de tripa ou de carne com osso senão metal barato? E o que é ossobuco ou um daube de carne a provençal[1] – com cada sabor e textura extraídos com talento por mãos hábeis – senão puro ouro?


[1]Carne, geralmente de segunda, marinada com vinho tinto (Côtes du Rhône), azeitonas, ervas de Provence, cenoura. Puro Ouro!

Em Busca do Prato Perfeito – p.17

Já fui parar na ilha de Creta na Grécia, no porto velho de Chania para comer bougatsa por conta dele! Eu quero mágica. Eu quero a harmonização perfeita, por mais que ela não exista. Mas, ao mesmo tempo, há de se refletir: Se Bourdain tinha o emprego dos sonhos – viajar para comer e beber – e tirou sua própria vida, há algo de muito errado por aí.

Busquemos o caminho do meio.

Saúde.


Jayro Neto é sommelier de cervejas e Mestre em Estilos, tendo sido campeão do Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cervejas de 2019. É organizador de concursos da Acerva Paulista e juiz certificado pelo BJCP (Beer Judge Certification Program) com experiência nacional e internacional em concursos de cerveja. Também atua como conselheiro fiscal da Abracerva.

2 Comentários

  • Martins Carlos Reply

    8 de fevereiro de 2024 at 10:59

    Prezados,
    Por um acaso não conhecem nenhum brasileiro que tenha o mesmo hobby que eu? Coleccionismo de tampas. Se conhecerem podem dar-lhe o meu contacto. (caamartins1@gmail.com) e telefone e whatsup 0351 969970871.
    Muito obrigado
    Cumprimentos
    Carlos

  • Cilene Saorin Reply

    20 de fevereiro de 2024 at 12:51

    Ah! O caminho do meio… Ótima reflexão, Jayro! Muito obrigada. Beijo.

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