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Balcão do Profano Graal: São Patrício e o dia da cerveja verde

Salve, nobres!

No mês passado, falei aqui, nessa coluna, sobre o surgimento dos santos cervejeiros. E de como a associação dos milagres atribuídos a esses santos com a cerveja foi uma das formas que a Igreja Católica encontrou para facilitar a penetração do cristianismo em regiões dominadas pelas religiões celtas, sobretudo no norte da Europa. Nesta quarta-feira, comemora-se o dia de um santo muito querido pelos cervejeiros, que participou ativamente desse processo de catequização, mas que não faz parte do rol dos santos cervejeiros.

Em 17 de março, celebra-se o dia de São Patrício, padroeiro da Irlanda. Pouco se sabe sobre a sua vida. Suas datas de nascimento e morte, por exemplo, ainda são motivo de controvérsia. Teria nascido na cidade de Banwen, no Sul do País de Gales, entre os anos de 373 e 390 d.C., e morrido entre os anos de 461 e 493. Seu nome galês original também não seria Patrício, mas Maewyn Succat, e ele seria filho de um oficial do exército romano na Britânia (o Império Romano dominou a Grã-Bretanha até 410 d.C.). Aos 16 anos, teria sido capturado e vendido como escravo para a Irlanda, de onde teria escapado seis anos depois, voltando para a casa da sua família e iniciando a sua vida religiosa. Quando estava em sua terra natal, Patrício teria sonhado com crianças irlandesas que imploravam para que ele retornasse para levar a elas o Evangelho. Então, por volta do ano 432, ele volta à Irlanda em missão de catequese.

Como expliquei na coluna do mês passado, as vidas de santos, principalmente daqueles do início do cristianismo, são tão repletas de mitos que se torna difícil separar fatos e ficção. Muitas vezes, essas narrativas são criadas para aumentar a sacralidade da missão que justifica a canonização do santo.

Por ter sido o pioneiro na sua cristianização, recebeu o título de Padroeiro da Irlanda, juntamente com a nossa já conhecida Santa Brígida de Kildare. As lendas e milagres atribuídos a São Patrício não têm relação com a cerveja. A crença popular atribui a ele o desaparecimento das serpentes da Irlanda, sendo a razão de o santo aparecer, em algumas gravuras, esmagando esses animais com um cajado. Algumas evidências científicas afirmam que a Irlanda não era habitada por serpentes. As serpentes, nessa lenda, representam, na verdade, os ritos pagãos, banidos pela fé católica.

Com o objetivo de fazer uma transição mais fácil entre o paganismo e o cristianismo, evitando os conflitos com as tradições e crenças célticas, São Patrício recorreu frequentemente ao sincretismo religioso, adaptando as práticas e os símbolos pagãos às crenças cristãs. Ele teria ficado íntimo dos druidas, encarregados das tarefas de aconselhamento, de ensino e de orientações jurídicas e filosóficas dentro da sociedade celta. E, aos poucos, foi adicionando elementos da fé cristã na cultura local. Um exemplo foi o uso que ele fez do trevo de três folhas, muito presente na cultura local. Na cultura celta, já havia o conceito de trindade que, para eles, representava corpo, espírito e mente. São Patrício adaptou o significado, usando o trevo para explicar a Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo).

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É também atribuída a São Patrício a criação da cruz celta, símbolo do sincretismo entre as tradições celtas e a fé cristã. Reza a lenda que o santo estava pregando perto de uma pedra pagã, considerada sagrada e que já estava gravada com o símbolo dos deuses do Sol e da Lua. São Patrício teria desenhado uma cruz cristã através do círculo e abençoado a pedra, criando a cruz celta irlandesa.

Originalmente, o Dia de São Patrício era uma celebração de caráter religioso, oficializada no calendário litúrgico desde o século XVII. Em 1903, tornou-se um feriado público nacional. Dessa forma, a festa deixa de estar associada exclusivamente ao santo e passa a se associar à cultura irlandesa em seus diversos aspectos. Por isso, hoje não pode faltar na Festa de São Patrício o trevo, os leprechauns (presentes no folclore irlandês desde o século VIII), a cor verde (a Irlanda é conhecida como a “Ilha Esmeralda”) e, obviamente, a cerveja. Da associação entre a cor verde e a cerveja nasce o hábito de se tingir de verde a cerveja no Dia de São Patrício.

As comemorações se tornaram cada vez mais populares, e em 1916 um grupo de voluntários se ofereceu para organizar o feriado. Naquele ano, mais de 6 mil desfiles foram realizados em toda a ilha e banquetes e danças foram organizados para o público. Com as festividades que se seguiram a 1916, encontrou-se um problema: o consumo excessivo de álcool que ocorria nessas comemorações causava danos a cidades e paisagens. Para remediar esse inconveniente, o estado irlandês decidiu proibir o comércio de álcool em todo o país. A proibição do comércio de álcool a cada 17 de março continuou até 1961.

A festa tornou-se global a partir de 1995, quando o governo irlandês iniciou uma campanha em grande escala para divulgar o St. Patrick’s Day como uma forma de impulsionar o turismo e mostrar os muitos encantos da Irlanda para o resto do mundo, tornando-se muito popular em países onde há muitos imigrantes irlandeses, como os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália. Mas, mesmo em diversas partes do mundo onde a presença irlandesa não é tão expressiva, como no Brasil, os pubs irlandeses costumam organizar uma programação especial no mês de março.

Nesse ano, infelizmente, as comemorações de São Patrício não devem acontecer em muitos lugares devido às restrições impostas pelo combate à pandemia. Mas você pode colocar uma roupa verde, seu chapéu de leprechaun e comemorar em casa com uma boa cerveja irlandesa. E nem precisa ser verde.


Sérgio Barra é carioca, historiador, sommelier e administra o perfil Profano Graal no Instagram e no Facebook, onde debate a cerveja e a História

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