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Balcão olímpico: O arroz na cultura japonesa e o seu uso na cerveja

Fundamental na construção da sociedade japonesa, o arroz tem sido bastante utilizado na receita de cervejas

Arroz como moeda de troca, alimento em todas as refeições e ingrediente na cerveja. No Japão é assim: o cereal, um dos mais consumidos no mundo, ao lado do trigo e do milho, não faz apenas parte da cultura do país, mas teve importância na construção da sociedade da nação asiática.

Inserido no Japão pelos chineses durante o período Yayoi, que perdurou de 1000 a.C. até 300 d.C, o arroz desempenhou papel de moeda no país, também sendo trocado por outros alimentos. E para outros tipos de transação.

“Entre japoneses de pequenos vilarejos era comum fazer empréstimos entregando principalmente suas ‘filhas’ para senhores de famílias mais ricas e senhores feudais em troca de sacas de arroz, com elas trabalhando principalmente como cozinheiras e babás”, relata a sommelière de saquês Claudia Sayuri.

Leia também – Balcão olímpico: A evolução da cerveja artesanal em três décadas no Japão

Tradicionalmente, o arroz é um dos itens mais consumidos pelos japoneses, sendo o seu alimento-base no dia-a-dia, incluído no café da manhã, no almoço e no jantar. “Não é nada estranho para os japoneses consumirem uma tigela de arroz no café da manhã. Apesar dos tempos modernos e da influência europeia (portuguesa e holandesa) no país terem inserido o pão, ainda encontramos muitas famílias e hospedagens tradicionais oferecendo um desjejum típico servido com arroz, um caldo (provavelmente um missoshiru) e vegetais com alguma proteína como peixes grelhados ou cozidos”, relata Cláudia. 

E, claro, há diversas variações para a sua utilização na culinária japonesa: o “onigiri”, um bolinho de arroz elaborado há muito tempo pela necessidade de transportar o alimento para o campo e em viagens longas pelos mercadores, e o “mochi”, um bolinho à base de arroz glutinoso, cozido a vapor, que simbolicamente é consumido no Ano Novo como sinal de boa sorte e agradecimento aos antepassados, além de ser oferecido em altares de templos e nos lares mais tradicionais. E o arroz também faz parte dos ingredientes de ícones da culinária como o sushi, o niguiri e o curry rice.

Não à toa, existem cerca de 300 variedades de arroz cultivadas no país, sendo que o originário do Japão, da espécie Japônica, corresponde a cerca de 20% da produção mundial. Outro destaque é o uruchimai, descendente do Japônica e de onde vem o arroz culinário e para saquê, e o mochigome, arroz glutinoso, usado para fazer principalmente o mochi.

Por isso, o arroz se tornou um item essencial da economia japonesa, sendo, além da alimentação, um produto utilizado nas indústrias cosmética e de bebidas, incluindo a de cerveja.

O Japão preza muito pela qualidade de seus alimentos e valoriza muito as regionalidades, resultando em vários tipos de arrozes com características locais muito distintas, trabalhando o branding do arroz. É fácil ouvir falar nos arrozes Koshihikari, Akitakomachi, entre outros, que compõem um ranking de tipos de arroz ‘brand’. Uns dirão que eles são mais saborosos, mais brilhosos e firmes

Claudia Sayuri, sommelière de saquês

Mas a absorção de rotinas e hábitos de outros países tem levado os japoneses a consumirem menos arroz nos últimos anos. A produção no país para 2021 está estimada em 6,79 milhões de toneladas, o que está abaixo do fabricado em 2020, embora ainda seja necessário importar o produto.

Com isso, o governo japonês tem buscado alternativas, como relata Cláudia. “Uma das soluções do governo para estabilizar o mercado e manter o arroz em produção é a conversão dos campos voltados para consumo humano para o consumo animal – arroz como ração animal.” 

Mas e as bebidas?
Bebida típica do Japão, o saquê é um fermentado de arroz produzido a partir de outros três ingredientes: água, koji e levedura. E o arroz também é usado para o cultivo do koji, um fungo pulverizado sobre o cereal, resultando no komekoji (arroz maltado), que, junto ao mosto, trabalhará a fermentação necessária para a produção da bebida. Já o Sakamai é o tipo de arroz voltado para a produção de saquês.

“Durante a Antiguidade, o saquê tinha um aspecto rústico e era servido em ocasiões religiosas como oferenda aos deuses e para pessoas importantes como senhores feudais e samurais. Antigas fábricas datam cerca de 300 anos e ainda hoje é possível encontrar muitas ‘kuras’, como são chamadas as produtoras de saquês centenárias em atividade”, afirma a sommelière de saquês. 

E, claro, sua produção passou por oscilações desde a criação. O saquê rústico era fabricado de maneira semelhante à chicha peruana, bebida fermentada à base de milho que passa por mastigação. Era também mastigado por mulheres, obtendo-se a bebida que evoluiu para o doburoku. Os métodos evoluíram com a aquisição de maquinários, mas manter a qualidade foi um desafio no pós-guerra, em função da escassez de arroz. Mas foi uma fase que ficou para trás, como destaca Cláudia. 

“Esse marco foi superado com a recuperação da economia e graças à tecnologia de máquinas, como a polidora vertical, que foram desenvolvidas. E o nível da bebida se elevou, fazendo surgir mais classificações com tipos de saquês refinados que o colocaram de volta no copo e no gosto dos japoneses”, detalha a sommelière. 

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A qualidade da cerveja com arroz
Além do saquê, o o arroz é parte da receita de várias bebidas alcoólicas, sendo algo costumeiro na cerveja do Japão. Mas não só por lá. Há rótulos em diferentes partes do mundo, como o Brasil, que contam com o cereal como ingrediente.

Em diversos casos, o cereal é utilizado como substituto do malte da cevada, como lembra Maíra Kimura, co-fundadora da Japas Cervejarias. Ela destaca a existência da percepção de que isso é feito para tornar a produção mais barata, mas que há outras razões para essa estratégia. 

“Ele serve para deixar a cerveja mais leve, o que é benéfico em diversos estilos, e faz parte da estratégia de criação de receita de muitos cervejeiros. Existia muito a noção de que uso de arroz e milho era só para baratear. E, embora isso seja verdade, principalmente quando falamos da indústria de cervejas de massa, isso vem mudando bastante. Flocos de arroz, por exemplo, podem ser mais caros do que malte”, afirma Maíra.

Como detalha o sommelier Luiz Celso Jr., o uso do arroz ajuda a tornar a cerveja mais leve, por aspectos envolvidos na sua produção, diminuindo o corpo da bebida. “No Brasil, você pode substituir 45% do seu mosto de cevada. Quando você usa o arroz para substituir essa parte, você está colocando um amido puro, que vem com muito menos proteína. Logo, o efeito é a transformação em álcool sem essas proteínas. Então você consegue diminuir o corpo da cerveja em relação a aquilo que você faria com o malte de cevada.”

Celso ressalta que, de fato, o arroz é eventualmente usado na cerveja como substitutivo do malte, por ser mais barato. Mas inferir que isso torna a cerveja pior em qualidade é um erro. “A indústria utiliza o arroz e o milho como fontes alternativas de amido mais baratas que o malte de cevada, que é uma cultura cara, que necessita de muitos cuidados especiais, além de passar por processos”, conclui o especialista.

Confira seis dicas de cervejas com arroz selecionadas pela sommelière Claudia Sayuri ao Guia

A Kiuchi Brewery trouxe para o Brasil há muitos anos a Hitachino Nest Red Rice Ale, que leva arroz vermelho típico do Japão. Uma cerveja de cor avermelhada, de aromas frutados, mas que não retornou mais para nossas prateleiras.

A Echigo Brewery, da província de Niigata, famosa pela produção de arroz, criou a Echigo Koshihikari, uma Rice Lager que usa arroz local.

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A norte-americana Bottle Logic fez a Hanamachi Rice Lager Super Dry, com arroz de jasmim. Hanamachi é um distrito japonês em Kyoto, famoso por sua história e onde se avistam muitas gueixas (mulheres artistas japonesas vestidas em tradicionais kimonos).

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A dinamarquesa Mikkeller, que possui seu bar em Tóquio, também tem suas Rice Lagers: a Japanese Rice Lager e a sua outra versão com a fruta cítrica yuzu, a Japanese Rice Lager with Yuzu.

No Brasil, a Cervejaria Avós criou a Vó Dinha, a Carinhosa uma Rice Pils. 

E, mais recentemente, a Devaneio do Velhaco lançou a Esplendor, uma Rice Lager com Mosaic e Loral, leve e agradável com ótimo drinkability. 

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