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Cerveja com ciência: Existe algo de novo no reino da Dinamarca?

Fatores como clima, preferências do consumidor, festividades culturais, concorrência, promoções, flutuações econômicas e mudanças regulatórias fazem a previsão da demanda por cervejas um desafio complexo pela alta incerteza e dificuldades de coordenar as informações ao longo da cadeia produtiva. Isso se torna ainda mais difícil em situações de grandes rupturas, como a pandemia de Covid-19, que levou ao fechamento de bares e restaurantes, restrições de mobilidade, mudanças no comportamento do consumidor, impacto econômico e a necessidade de mover as vendas para o mercado online, entre outros desafios. Diante disso, quais cervejarias conseguiram sobreviver a essa turbulência e como elas fizeram isso?

Embora a indústria cervejeira seja globalizada, uma das maneiras é buscar a imersão regional para enfrentamento, especialmente em relação aos concorrentes1. Boa parte dos consumidores prefere cervejas de grandes fabricantes nacionais e internacionais, contudo há uma fatia de mercado significativa que apoia cada vez mais as marcas locais. Por exemplo, a European Beer Consumer Union (EBCU) pesquisou 1.667 pessoas e descobriu que 975 delas apoiaram mais as cervejarias locais durante a pandemia e 1.176 delas consideravam fazer o mesmo no futuro2.

Outros levantamentos apontam que as microcervejarias têm muitos efeitos positivos nas economias locais3, 4, 5, o que é motivo para examinarmos mais de perto como a indústria mudou ao longo do tempo e que papel a imersão regional tem desempenhado nesse sentido.

Um exemplo é uma pesquisa recente realizada na indústria dinamarquesa de microcervejarias6, que serviu como fonte principal para explorarmos neste artigo. Os autores revelam sinais de que a tendência de imersão regional tem se fortalecido e afirmam que o amor dos proprietários pela indústria (e seus produtos) vai além do sentido econômico por trás de suas decisões. Isso indica que há algo de novo no reino da Dinamarca que valha para o mundo afora?

Como se trata de um mercado global, existem certamente diferenças entre países. Por exemplo, as cervejarias mais resilientes nos Estados Unidos no período de 1998 a 2002 foram aquelas com mais experiência7. Outro fator crítico de sucesso das cervejarias é o tamanho da área de atuação, sendo que microcervejarias geralmente têm se complicado ao abraçar um mercado muito grande8. Em vez disso, os microcervejeiros que se concentram em uma área específica se saem melhor, haja visto os resultados semelhantes no mercado japonês9.

Outro ponto que as microcervejarias locais podem tirar vantagem ao competir com grandes empresas nacionais ou internacionais está em utilizar nomes, rótulos ou ingredientes com apelo regional. Desta forma, aspectos geográficos e localização são fundamentais para marca do produto10,11  e para como as microcervejarias constroem um mercado local e regional12,13,14. Cabe destaque que, durante a fase de start-up de uma microcervejaria, seu acesso a recursos locais, redes e canais de distribuição pode ajudá-la a contar histórias, aprender mais, economizar dinheiro e se proteger da concorrência nacional e internacional. Assim, conseguem atingir uma posição de mercado estável por meio do envolvimento local, integração e diferenciação de produtos, que podem incluir produtos complementares, como atividades turísticas11, 3, 15.

A importância dos mercados locais como fator de resiliência também é afetada pelo quanto os proprietários das microcervejarias se preocupam com a sua atuação6. A lealdade e a personalidade dos clientes também são importantes para um negócio regional de sucesso a longo prazo16. As iniciativas de políticas públicas voltadas para a comunicação de marca sobre lugares e cidades aumentam a lealdade regional, sendo que as empresas podem mostrar o valor da autenticidade e identidade regional, associando-se a um aspecto cultural ou de suas proximidades, que seja conhecido pelos fiéis cervejeiros12, 17, 18.

Retomando a pergunta sobre como as cervejarias (especialmente as micro, pequenas e médias) buscam sobreviver em um ambiente de alta incerteza na demanda e forte concorrência, escolher sua abrangência de atuação é parte fundamental de sua identidade e de sua capacidade de competir. Essa é uma tendência que tem sido observada mundialmente à medida que a concorrência se torna mais acirrada e as cervejarias tentam administrar o mercado local concentrando-se em como seus consumidores se sentem e interagem com suas marcas.

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A localização da cervejaria e as ações de branding ajudam a construir um sentimento de pertencimento local. Por exemplo, as cervejarias artesanais conseguem atender à demanda por novidades e melhorar seus produtos existentes, oferecendo o que sabem e conversando com os consumidores em sua área. Os consumidores, por sua vez, ajudam a construir reputações por meio de compartilhamento de histórias, comentários em redes sociais ou websites especializados, ou até mesmo criarem experiências locais conjuntas, como eventos turísticos, peças teatrais e celebrações culturais.

Para isso, há a necessidade de um compromisso de longo prazo com a comunidade cervejeira, que passa pelo fortalecimento do sentimento de pertencimento e orgulho pelo que faz, onde faz, para quem faz. Essa resiliência é atribuída ao desenvolvimento da comunidade regional e local, por meio da geração de empregos e da percepção do negócio cervejeiro como mais que um passatempo ou hobby, uma herança compartilhada com toda comunidade. Saúde!


Referências bibliográficas:

1 Garavaglia, C. (2021). Industry evolution: Evidence from the Italian brewing industry. Competition & Change 26 (1).

2 European Beer Consumers Union (EBCU). (2020). EBCU COVID-19 survey results. Acesso disponível em: https://www.ebcu.org/ebcu-covid-19-survey-results/

3 Danson, M., Galloway, L., Cabras, I., & Beatty, T. (2015). Microbrewing and entrepreneurship, The origins, development and integration of real ale breweries in the U.K. Entrepreneurship and Innovation, 16(2), 135–144.

4 Gatrell, J., Reid, N., & Steiger, T. L. (2017). Branding spaces: Place, region, sustainability, and the American craft beer industry. Applied Geography, 90, 360–370.

5 Reid, N., & Gatrell, J. (2015). Brewing growth: Regional craft breweries and emerging economic development opportunities. Economic Development Journal, 14(4), 4–12.

6 Poul Houman Andersen & Jesper Lindgaard Christensen (2022): Industry evolution, resilience and regional embeddedness: the case of the Danish microbrewing industry, Regional Studies.

7 Horvath, M., Schivardi, F., & Woywode, M. (2001). On industry life-cycles: Delay, entry, and shakeout in beer brewing. International Journal of Industrial Organization, 19(2001), 1023–1052.

8 Wesson, T., & Figueiredo, J. N. D. (2001). The importance of focus to market entrants: A study of microbrewery performance. Journal of Business Venturing, 16(4), 377–403.

9 Umemura, M., & Slater, S. (2021). Institutional explanations for local diversification: A historical analysis of the Japanese beer industry, 1952–2017. Journal of Strategic Marketing, 29(1), 71–92.

10 Barlow, M. A., Verhaal, J. C., & Hoskins, J. D. (2018). Guilty by association: Product-level category stigma and audience expectations in the U.S. craft beer industry. Journal of Management, 44(7), 2934–2960.

11 Cunningham, J., & Barclay, S. (2020). Craft beer sector collaboration in Northeast Scotland: The role of individual success. The International Journal of Entrepreneurship and Innovation, 21(4), 263–274.

12 Bowen, R., & Miller, M. (2022). Provenance representations in craft beer. Regional Studies, 1–11.

13 Esposti, R., Fastigi, M., & Viganò, E. (2017). Italian craft beer revolution: Do spatial factors matter? Journal of Small Business and Enterprise Development, 24(3), 503–527.

14 Garavaglia, C., & Borgoni, R. (2022). The local dimension of legitimation: An empirical analysis of firms’ entry in the Italian craft beer market. Regional Studies.

15 Hasman, J., Materna, K., Martin Lepič, M., & Förstl, F. (2022). Neolocalism- and glocalization-related factors behind the emergence and expansion of craft breweries in Czech and Polish regions. Geographical Review.

16 Reid, N., Pezzi, G., & Stack, M. (2020). Space, place, and culture: An applied geography of craft beer. Papers in Applied Geography, 6(3), 175–179.

17 Schnell, S. M., & Reese, J. F. (2014). Microbreweries, place, and identity in the United States. In M. Patterson, & N. Hoalst- Pullen (Eds.), The geography of beer: Regions, environment, and societies (pp. 167–187). Springer.

18 Skoglund, W., & Sjölander-Lindqvist, A. (2021). Caring for com- munity through crafted beer. Perspectives from northern Sweden. In M. G. Pezzi, A. Faggian, & N. Reid (Eds.), Agritourism, wine tourism, and craft beer tourism local responses to peripherality through tourism niches (ch. 11). Routledge.


Marcelo Sá é professor de gestão em operações, pesquisador na área de riscos e resiliência em cadeias de alimentos e bebidas, esposo e pai apaixonado por sua família. Em sua folga, pode ser facilmente encontrado com uma IPA ao seu lado.

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