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Estilo polonês Grodziskie “renasce”, mas características desafiam popularização

Grodziskie
Por características da receita, Grodziskie também é popularmente chamada de “champanhe polonês”

O estilo polonês Grodziskie, criado há mais de 700 anos e cuja produção foi retomada há cerca de uma década, após a sua fabricação ser inviabilizada em decorrência da Segunda Guerra Mundial, tem, aos poucos, chamado a atenção de cervejeiros brasileiros, com algumas marcas o fabricando e uma delas até tendo a excelência de sua produção reconhecida.  

Foi o caso da Cerveja Blumenau, que teve a Craftlab Grodziskie eleita a melhor bebida entre os 3.636 rótulos inscritos no último Concurso Brasileiro de Cervejas. Um resultado que mostra que a cerveja caiu no gosto dos críticos, embora especialistas ouvidos pelo Guia apontem ser improvável a sua popularização.

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Afinal, a forma como a Grodziskie é produzida, com malte de trigo defumado, uma matéria-prima escassa no país, e mesmo o seu sabor peculiar, proporcionado pela malteação, são vistos como obstáculos importantes para que conquiste mais espaço no mercado de artesanais.

Esses fatores foram lembrados por Luís Celso Jr., sommelier de cervejas e fundador do Bar do Celso, que deu consultoria para o projeto de fabricação de uma das primeiras Grodziskies produzidas no Brasil, com receita de Evandro Zanini – esse rótulo foi lançado pela cervejaria Suméria, em parceria com a Lund, e faturou a medalha de ouro no CBC em 2016 e a de prata em 2017.

“O Grodziskie é um estilo com 100% de malte de trigo. Não utiliza malte de cevada e esse malte de trigo é defumado em carvalho. Como o processo é só com trigo, a gente acaba tendo uma cerveja bastante leve e pouco alcoólica. Ela tem em torno de 3% de álcool e uma turbidez aparente por conta da proteína do trigo. É uma cerveja de leve toque frutado, normalmente com frutas brancas, como pera e uvas verdes, e que não tem a ver com a cerveja de trigo alemã, que é com muita banana e cravo”, explica Luís Celso Jr. em entrevista ao Guia.

“É normalmente bastante carbonatada, com bastante gás, que torna ela uma opção bastante refrescante. Na boca é, normalmente, levemente ácida, de baixo amargor e seca. Ela não tem dulçor, é uma cerveja mais delicada”, completa o especialista.

Por algumas das características de sua receita, a Grodziskie também é popularmente chamada de “champanhe polonês” em seu país.  “É assim por conta dessa alta carbonatação, apesar de ser uma cerveja leve e não tão alcoólica como um espumante, mas que é refrescante”, explica.

Desafio para produção em larga escala
Mas existe a avaliação de que os custos envolvidos na produção da Grodziskie inviabilizam a sua popularização no Brasil, pela necessidade de importação do malte de trigo defumado. “É uma cerveja que não está no hype. É uma alternativa, quem faz, faz mais por gosto do que realmente para ter lucro. Não é um estilo que será popular no Brasil em pouco tempo. É um estilo mais de laboratório, de pesquisa, assim como todos os estilos históricos”, opina Celso.

Recentemente, durante o próprio CBC, a Das Bier realizou uma brassagem da Grodziskie, aproveitando a passagem de especialistas poloneses por Santa Catarina. Mas o seu mestre-cervejeiro, Eduardo Rausch, também apontou os desafios da produção comercial de uma cerveja desse estilo.

“Dificulta pelo fator técnico da produção, que exige equipamentos e métodos específicos, e pela obtenção dos insumos, principalmente o malte de trigo defumado, cuja disponibilidade no Brasil não é muito constante. Percebemos, por isso, uma prática de releitura do estilo, com as adaptações necessárias ao que está ao alcance de quem está produzindo sem, claro, perder a essência da Grodziskie”, diz Rausch.

Gosto popular x concursos
Embora uma Grodziskie tenha triunfado em meio à concorrência em um renomado concurso, Celso aponta outro desafio para o estilo se popularizar: o sabor defumado não é aprovado pela maior parte dos consumidores.

“Acho que esse estilo não se tornará popular. Pode chamar a atenção pela curiosidade, mas o defumado ainda é um sabor difícil para a maioria das pessoas, e gera uma certa rejeição. Foi o que a gente sentiu muito com a Grodziskie que a gente fez com a Suméria. Eles tiveram bastante dificuldade em vender essa cerveja”, recorda.

Mas em um concurso pode ser diferente. Um estilo de cerveja “inusitado” pode até colaborar para o êxito perante jurados, como se deu com a Grodziskie da Blumenau. “É diferente você beber uma cerveja defumada que é leve, com aromas delicados, refrescante, e quase espumante, tendo a sua efervescência de carbonatação e com esse tom defumado, que é bastante mais neutro. Essa coisa inusitada provavelmente ajudou essa cerveja a ser notada. E tem vários meandros dentro de um julgamento que vão ser levados em consideração”, analisa Celso.

A Best of Show do CBC e o ouro no seu estilo não foram as primeiras medalhas conquistadas pela Blumenau com a sua Grodziskie. Em 2021, o rótulo havia levado a prata no próprio Concurso Brasileiro e no Brasil Beer Cup. A consagração, assim, foi vista como especial por vir após a avaliação de jurados do país de origem do estilo, presentes ao concurso, como lembra o mestre-cervejeiro Marcos Guerra.

“Foi muito legal, pois além de ser uma cerveja histórica, quase não produzida no Brasil, havia 3 jurados poloneses no corpo de avaliação. E, devido a experiência deles, o nível de julgamento foi muito alto”, comenta.

Celso, porém, reconhece que o triunfo no CBC serve como uma motivação para outras cervejarias produzirem rótulos desse estilo. “Pode estimular algumas pessoas a descobrirem o estilo e a fazerem pela curiosidade, pela experiência com um estilo histórico. Acho que vai popularizar um pouco mais esse estilo no Brasil, mas não será uma grande aposta de mercado por conta das dificuldades mesmo de aroma, de sabor, e pelas dificuldades de matéria-prima (no processo de produção)”, prevê.

Essa maior busca das cervejarias pela Grodziskie também tem sido percebida pela Blumenau. “Após quase 2 anos que a Cerveja Blumenau produz esse estilo, notamos uma movimentação do mercado na produção da Grodziskie”, afirma Guerra.

Resgate do estilo
Em função da Segunda Guerra Mundial, a produção das Grodziskies precisou ser interrompida na Polônia, cujo governo desencorajou a fabricação de comidas e bebidas especiais para contenção de gastos durante o conflito, fato que também provocou o fechamento de cervejarias naquele país.

E isso ocorreu também em outros países, o que acabou abrindo espaço para o crescimento de estilos de cervejas que se tornaram populares e para o desaparecimento de outros mais sofisticados, como é o caso do Grodziskie. Mas ele renasceu recentemente.

“É um estilo que, como vários outros estilos históricos, se perdeu no tempo, foi esquecido. Tem vários motivos para isso e um é o avanço das Lagers alemã e checa. O início da Bohemian Pilsner foi em 1842 com a cerveja dourada, brilhante, um novo padrão que fez sucesso no mundo inteiro. E todos queriam cervejas mais ou menos daquele jeito”, diz.

Celso também tem enxergado o ressurgimento de estilos cervejeiros históricos no mercado global. “A gente está vendo, a partir dos anos 1970, principalmente nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Europa, esse renascimento da cerveja artesanal. É um resgate de processos históricos, receitas e estilos, o que chamamos de renascimento da cerveja artesanal. E a Grodziskie também passou por isso. Ela é esquecida, principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial. Deixa de ser feita, inclusive, regionalmente, a partir da queda do Muro de Berlim, e é resgatada por volta de 2010. E justamente quando a Polônia entra de uma forma mais forte, assim como o Brasil, no renascimento da cerveja artesanal”, encerra o sommelier.

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