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Balcão do Aloisio: Produção brasileira de cevada – O quão longe estamos da autossuficiência?

A cevada é o quinto grão mais produzido no mundo, perdendo apenas para arroz, milho, trigo e soja. Com quantidade anual média, nos últimos 10 anos, de aproximadamente 145 milhões de toneladas, em uma área média de 49,6 milhões de hectares, a produção do cereal está concentrada nas regiões temperadas da Europa, Ásia e América do Norte.

Pode ser usada na forma de malte, que por sua vez é utilizado na fabricação de bebidas (cerveja e destilados), alimentos e medicamentos; na forma de farinhas ou flocos destinados à composição de produtos de alimentação infantil, de panificação (pães, doces e confeitos) e dietéticos; e de sucedâneos de café. No contexto mundial, entretanto, o maior uso da cevada é na alimentação animal, seja como forragem verde, feno, silagem ou grãos na fabricação de rações.

Já no Brasil, ao contrário de outros países, a malteação tem sido a principal aplicação econômica da cevada. Em média, 70 a 75% do volume da cevada produzida, anualmente, é aproveitada na fabricação de malte e 95% deste é destinado para fins cervejeiros. Existem no País quatro grandes maltarias: Agrária Malte (Guarapuava, PR), Maltaria Navegantes (Porto Alegre, RS), Maltaria Passo Fundo (Passo Fundo, RS) e Maltaria Soufflet (Taubaté, SP). Juntas, têm capacidade de produção média anual de 720 mil toneladas de malte, o que corresponde a, aproximadamente, 45% da demanda nacional por esse produto. É esperado, em 2024, a entrada em operação de mais uma maltaria, com capacidade de 240 mil toneladas anuais.

A cultura da cevada começou a se expandir no Brasil a partir da década de 1970, em grande parte devido às iniciativas da indústria cervejeira, que buscou fomentar a produção nacional para garantir a oferta. De 1976 até os dias atuais, a área cultivada oscilou ao redor dos 100 mil hectares, tendo em alguns anos, como 1981, 1997, 1999 e 2001 sido cultivada área acima de 150 mil hectares. O rendimento da cultura, entretanto, apresentou aumento constante ao longo desse período, passando de 1.018 kg/ha, em 1976, para 3.812 kg/ha, em 2021, o que garantiu aumento constante também na produção nacional, que passou de 95 mil toneladas para 425 mil toneladas, no mesmo período.

Para atender a necessidade de grãos de cevada por parte das maltarias instaladas no Brasil são necessárias, anualmente, cerca de 830 mil toneladas de grãos, ou seja, o dobro do volume que tem sido produzido nos últimos anos. A situação se agrava ainda mais com a demanda de malte para atender às indústrias de bebidas: o consumo chega a 1,6 milhão de toneladas por ano, enquanto a produção nacional supre apenas 45% da demanda.

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Analisando os dados de importação de grãos e malte de cevada de 1976 até 2021, verificamos que o volume importado passou de 16,2 para 485,2 mil toneladas de grãos e de 234,3 para 1.427,4 mil toneladas de malte. Isso equivale a uma taxa de crescimento médio anual na importação da ordem de 10,4 mil toneladas de grãos e de 26,5 mil toneladas de malte de cevada, enquanto a produção nacional aumentou a uma taxa média anual, nesse mesmo período, de 7,32 mil toneladas. Portanto, estamos nos distanciando da autossuficiência de grãos de cevada.

Observando o cultivo de cevada em cada estado da região Sul do Brasil, verificamos que a área tem aumentado no Paraná, porém, reduzido no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. O Rio Grande do Sul que já chegou a cultivar mais de 100 mil hectares de cevada no final da década de 1990, em 2021 cultivou apenas 38 mil hectares. Mesmo com 73,4 mil hectares em 2021, o aumento gradativo de área no Paraná não tem sido suficiente para fazer frente à crescente demanda de grãos de cevada.

Um dos motivos que poderiam ser apontados para a redução na área de cultivo de cevada no Rio Grande do Sul são as incertezas provocadas pelo clima, principalmente no período reprodutivo da cultura, quando o excesso de chuvas pode prejudicar a qualidade dos grãos, aumentando os níveis de micotoxinas e/ou reduzindo o teor de germinação dos grãos colhidos, em função da germinação na espiga, em pré-colheita.

A fim de ser aproveitado na malteação, os grãos de cevada devem atender a alguns padrões mínimos de qualidade e a colheita em período muito chuvoso prejudica o alcance desse padrão. Grãos fora do padrão não são aceitos para malteação e são destinados a outros usos, dentre eles a alimentação animal, porém, a preços muito inferiores àqueles pagos pelos grãos com qualidade para malte. É provável que esse risco associado à possibilidade de não obtenção de grãos com qualidade esteja desestimulando os agricultores do Rio Grande do Sul a investirem na cultura da cevada.

O caminho para reverter esse quadro e avançar em direção à autossuficiência passa por avanços na tecnologia de produção e, principalmente, no melhoramento genético, com desenvolvimento de cultivares de cevada mais tolerantes ao excesso de chuvas no período reprodutivo da cultura, conferindo menores níveis de micotoxinas nos grãos e tolerância à germinação pré-colheita, de forma a minimizar os efeitos do clima (excesso de chuvas) na qualidade dos grãos colhidos, dando maior segurança aos agricultores para investirem na cultura.


Aloisio Alcantara Vilarinho é engenheiro agrônomo com doutorado em Genética e Melhoramento de Plantas. Pesquisador da Embrapa desde 2003, ele atua, desde novembro de 2019, como melhorista de cevada na Embrapa Trigo.

1 Comment

  • Patrick S Reply

    19 de julho de 2022 at 09:22

    Cevada não é uma cultura fácil… Já plantei pequenas quantidades para malteação e uso doméstico, mas o rendimento dos grãos limpos é pequeno em relação à demanda de trabalho. Aumento da produtividade da cultura é fundamental.

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