fbpx

Balcão da Fabiana: Uma cervochata em processo de desconstrução

Primeiro foram pedidos de desculpas vindos de leitores, ouvintes de minha coluna no rádio, seguidores e até parentes – desculpas por não gostarem de cerveja ou por só gostarem de uma determinada marca mainstream.

Depois veio a percepção que eu me sentava em um bar com amigos para beber uma cerveja qualquer, mas sentia o desconforto das pessoas à mesa em dar sua opinião sincera sobre o que estavam bebendo. Nem mesmo os mais chegados, como namorado ou irmãos, se sentiam à vontade em dizer que gostaram, ou não gostaram, antes que eu desse o veredicto sobre a cerveja.

Seguindo o baile, eu mesma comecei a não sentir tanto prazer em beber uma cerveja. Digo beber impunemente, sem teorizar nada. Cada detalhe, como o copo molhando a mesa, a falta de colarinho no chope, um arominha meio desapropriado, tomava uma proporção gigante pra mim, me tirando o prazer e a diversão de simplesmente beber uma gelada.

Também comecei a receber questionamentos sobre a cerveja que mais harmonizava com qualquer comidinha que eu mostrasse nas minhas redes sociais. Muitas vezes um pão de queijo, uma coxinha que estivesse comendo, sem acompanhar com cerveja nenhuma. Era como se eu tivesse de mostrar que bebia cervejas desde o café da manhã até o jantar, o que definitivamente não acontece.

O cúmulo foi quando postei uma viagem maravilhosa, enriquecedora, que fiz no início de 2022 para Bento Gonçalves, onde segui a rota do vinho. E que maravilhosos vinhos pude experimentar e beber! Ao ver os posts dessa viagem, uma colega de faculdade, jornalista que se formou comigo, tasca o fatídico comentário: olha… Ela bebe vinho! Surpreendente.

Aquilo bateu pesado, viu? Por que a surpresa de eu beber vinho?

 Meu Deus, foi o que bastou para que me enxergasse uma cervochata, daquelas que ninguém quer por perto.

Sim. Foi duro no início, mas hoje tem sido libertador me enxergar nessa condição, porque só conseguimos modificar algo em nós mesmos se nos confrontamos com o que somos de fato.

Publicidade

Entendi que aquele conceito lá da primeira década dos anos 2000, quando entrei para esse mundo cervejeiro, de que deveríamos “beer- catequizar” o consumidor não está com nada. Coisa mais chata é palestrinha!

Perfis cervejeiros nas redes sociais vomitando regrinhas rasas de como beber, qual cerveja beber, qual copo usar são a coisa mais insuportável! Eu me enxerguei nesse lugar. E não gostei nem um pouco. Isso, inclusive, me fez entrar em crise e desistir de dar aulas e formar mais sommeliers de cerveja em nosso Brasil.

Me sinto culpada por despejar no mercado um exército de cervochatos como eu. Pessoas que não terão trabalho, que não poderão exercer os conhecimentos adquiridos profissionalmente, porque o mercado não tem espaço para elas. E assim acabarão criando um canal no YouTube, um perfil lacrador no Instagram seguindo todas as regrinhas de SEO para alcançar milhares de seguidores, para continuar o ciclo palestrinha.

Hoje estou em “autotratamento” de reversão da cervochatice. Sou uma cervochata em desconstrução. Me preocupo muito mais em mostrar às pessoas que elas podem e devem beber aquilo que quiserem, do jeito que quiserem, no copo que mais lhes der prazer, acompanhando a comida que acharem que combina na boca.

Cerveja é divertida. Cerveja é alegre. Cerveja não comporta arrogâncias. Cerveja não serve a partidarismos. Cerveja é acessível a qualquer pessoa. É assim que eu quero mostrar e falar da bebida. É à cerveja como ela deve ser que pretendo dedicar meu trabalho e meu lazer. Fica sendo essa a minha meta para 2023.


Fabiana Arreguy é jornalista e beer sommelière formada em 2010, pela primeira turma Doemens no Brasil, através do Senac SP. Produz e apresenta, desde 2009, a coluna de rádio Pão e Cerveja, sendo editora de site com o mesmo nome e autora de livros. É curadora de conteúdo, consultora de cervejas especiais, proprietária da loja De Birra Armazém Cervejeiro, além de professora do Science of Beer Institute e do Senac MG, assim como juíza dos principais concursos cervejeiros brasileiros e internacionais.

1 Comment

  • alexandre Reply

    16 de fevereiro de 2023 at 14:15

    Parabéns Fabiana, pela sinceridade e humildade em reconhecer em si mesma, uma cervochata!!! Concordo com todo o seu texto, e já também já tinha começado essa desconstrução da chatice cervejeira, tendo em vista que a cerveja é alegria, diversão e momentos alegres!!! Feliz por ti!!

Deixe um comentário

Login

Welcome! Login in to your account

Remember me Lost your password?

Lost Password