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Entrevista: Conheça os desafios e os segredos de um juiz cervejeiro

"Um bom juiz é aquele que sabe avaliar sensorialmente uma amostra, sem considerar suas preferências e opiniões pessoais", diz Aline Ferreira

Por trás das sempre aguardadas medalhas distribuídas pelos mais variados concursos cervejeiros, há sempre vários juízes. São eles os responsáveis por avaliar dezenas de rótulos que irão se transformar em um balizador importante de qualidade dentro do setor.

Para compreender melhor essa tarefa, o Guia entrevistou Aline Ferreira, sommelier de cervejas pela ESCM/Doemens Akademy, mestre em estilos e juíza internacional de cerveja BJCP. Na conversa, ela destaca que os juízes de concursos cervejeiros, além de certificações formais, devem ter habilidades sensoriais aguçadas, ética profissional e familiaridade com os regulamentos de cada competição.

Aline destaca o crescimento significativo de concursos cervejeiros na América Latina e os desafios e oportunidades enfrentados pelos juízes em cada contexto regional. Além disso, compartilha a importância do reconhecimento ao trabalho desses profissionais para o desenvolvimento da indústria cervejeira.

Na entrevista, Aline também nos leva aos bastidores do trabalho de um juiz cervejeiro, revelando alguns dos momentos marcantes que enfrentou no dia a dia. Ela ainda explica o que a motivou a criar o curso online “Como Ser um Bom Juiz de Cerveja”, que oferece uma oportunidade para entusiastas e profissionais da área aprimorarem suas habilidades de avaliação de cervejas e está em fase final de inscrições pelo link, com início das aulas em abril.

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Confira a entrevista do Guia com Aline Ferreira sobre o mundo dos juízes cervejeiros, seus segredos e desafios:

Você está lançando um curso para pessoas que querem se tornar juízes cervejeiros. Como será estruturado esse curso e o que ele ensinará na prática? O que o aluno pode esperar dele?
Sim, é um curso voltado para profissionais e entusiastas que querem atuar como juízes em concursos de cerveja. Muita gente me procura para saber como começar e por isso acabei montando o curso.  O curso é dividido em 4 aulas online e ao vivo, com momentos práticos de julgamento de cerveja. Vou abordar sobre a estrutura de concursos, como funciona esse mundo e, principalmente, sobre as técnicas de julgamento. O aluno vai aprender a julgar, preenchendo súmulas, que são as fichas técnicas de avaliação em concursos cervejeiros, e vai aprender a elaborar feedbacks construtivos de acordo com o tipo de concurso.

Temos hoje inúmeros juízes cervejeiros no mercado, mas sabemos que a preparação para se tornar um bom juiz não é fácil. Qual seria, então, essa preparação ideal? O que faz de um profissional um bom juiz cervejeiro e quais erros eles devem evitar?
Ser juiz vai além de certificações ou formação. No geral não há uma formação oficial para juízes de cerveja, o BJCP (Beer Judge Certification Program) é uma ótima ferramenta para aprender a julgar e estudar os estilos de cerveja, há muito conteúdo para estudar. Para mim, esse programa funciona como uma orientação para juízes e ajuda a padronizar alguns requisitos do que se espera de um juiz. Um bom juiz é aquele que sabe avaliar sensorialmente uma amostra, sem considerar suas preferências e opiniões pessoais, que garante a ética e respeito ao cervejeiro ou cervejeira que inscreveu sua amostra, esperando por um feedback justo e eficiente. Um erro que se deve evitar é entregar um feedback somente com a percepção sensorial, é importante identificar os defeitos e sugerir melhorias. Um ponto importante também é conhecer o regulamento e o guia utilizado em cada concurso. Não se pode avaliar uma cerveja baseada no que você acha sobre o estilo, é preciso seguir as diretrizes de cada competição.

De maneira geral, como esse mercado de juízes tem se comportado em diferentes regiões? Como é hoje esse mercado no Brasil, na América Latina e em locais onde o setor de cervejas artesanais é mais consolidado, como Estados Unidos e Europa?
Estamos vendo um crescimento muito grande de competições por toda América Latina, concursos que antes só trabalhavam com amostras nacionais, passam a aceitar cervejas de outros países, internacionalizando ainda mais o mercado e proporcionando maiores chances que aumentem a visibilidade internacional de uma marca, e a oportunidade de que as cervejas sejam julgadas por grandes profissionais de todo o mundo. Aqui estamos aprendendo muito ainda, as organizações de concursos estão se profissionalizando e otimizando o processo de julgamento. Cada concurso funciona como um grande intercâmbio cultural e de cerveja, e para nós juízes é praticamente um treinamento sensorial. Os Estados Unidos têm uma grande quantidade de concursos caseiros, a cena artesanal é muito forte. Já na Europa, os concursos são mais prestigiosos e tradicionais, Essa área ainda é pouco alcançada por brasileiros, visto que envolve maiores custos.

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Há uma percepção de profissionais do setor de que nem sempre um juiz cervejeiro é bem remunerado como deveria. Isso ocorre de fato e por quê? Como a não valorização ideal do juiz acaba prejudicando a cadeia cervejeira?
Esse é um tema muito delicado, que acredito que valha a nossa reflexão crítica. Eu como juíza, investi tempo, energia e dinheiro nesse caminho para melhorar minhas habilidades como profissional e por vezes também penso como o mercado “exige” por bons profissionais sem realmente retribuí-los por isso. Essa é uma prática de quase todos os concursos pelo mundo, há um fator ético de que devemos fazer esse nobre trabalho para ajudar o mercado a se desenvolver. Os concursos trabalham com orçamentos apertados e vejo de perto que nem sempre é sobre dinheiro, a maioria dos organizadores que conheço nem sempre pode contar com investidores ou patrocinadores e por vezes já tiraram dinheiro do próprio bolso para ajudar a bancar o evento.

Acredito que essa valorização deva acontecer da consciência de ambas as partes, de nós juízes que nos esforçamos para estudar, viajar (e bancar nossas passagens) e também da parte da organização dessas competições, que geralmente nos pede formação, experiência de julgamento, cartas de recomendação e bom relacionamento com o mercado. Acredito que o primeiro passo seja abrir esses espaços para discutir como podemos valorizar e remunerar esse trabalho de maneira justa e ética, já que é um grande componente neste processo. No geral, não somos remunerados, algumas vezes conseguimos as passagens, além da alimentação e hospedagem. Para mim, a maior riqueza dessa experiência tem sido a troca com outras pessoas, conhecer lugares e países através da cerveja e gastronomia de cada local.

De maneira prática, como é o trabalho de um juiz cervejeiro? Como funcionam as degustações? Qual o segredo para degustar tanta cerveja e seguir firme e forte no propósito de avaliar cada uma das amostras?
Olha, pode parecer pura diversão, mas é um trabalho muito sério e rigoroso. Geralmente temos muitas cervejas por dia, então levantamos bem cedo para um café reforçado e iniciamos o dia de julgamento. As amostras são servidas em pequenas quantidades, por volta de 50ml, a dinâmica de avaliação de cada mesa varia muito de acordo com os profissionais, mas o mais comum é cada um realizar sua avaliação individual, preenchendo a ficha técnica e feedback, e ao final discutimos os pontos principais, pontuando a amostra.

O segredo é muita água e alimentação! Geralmente a gente come um pãozinho ou biscoito entre uma degustação e outra, com muita água (haja banheiro). Vez ou outra a gente levanta pra dar uma voltinha e esticar as pernas, pois são muitas horas seguidas avaliando. Mas um dos maiores incentivos é o sentimento de que cada cervejaria ou produtor merece uma avaliação justa, seja ela realizada no início ou no fim do dia de julgamento.

Em sua vida prática como juíza, por quais situações inusitadas você já passou? Já provou cervejas estranhas? Degustou, por outro lado, cervejas que te fizeram “perder a cabeça”?
Sim, sempre recebemos muitas surpresas na mesa de julgamento, algumas agradáveis e outras nem tanto. Quando há alta intensidade e gravidade de off flavors, é importante indicar as causas para ajudar a cervejaria de maneira respeitosa, mas já passei por situações complicadas. O que sempre me deixa maravilhada é a criatividade dos cervejeiros de juntar alguns ingredientes e processos, cervejas com frutas me chamam muito atenção, é uma grande maneira de conhecer os sabores dos países que visito, e muitas vezes são frutas que eu nunca vi e provei, alguns organizadores nos apresentam as frutas e isso é incrível. Cervejas com pimentas também são muito diferentes. A América Latina tem uma grande variedade de pimentas, das mais tranquilas às mais desafiadoras, e já provei cervejas que realmente são muito ardidas e mesmo gostando de picância, acabei pedindo socorro.

Outra categoria que tem feito muito sucesso é com adição de Cannabis, os produtores estão explorando os aromas e sabores para além das IPAs, adicionando em estilos menos comuns. Em um concurso no México, provei uma Gose com adição de Cannabis, que nunca vou esquecer, tinha um balanço ácido muito refrescante e o herbal intenso trazia tanta complexidade, e no caso desta amostra que tinha THC, tivemos que deixá-la para julgar ao final para não atrapalhar o rendimento do julgamento, já que depois ficamos bem relaxados, se é que me entende.

1 Comment

  • Naiara Reply

    27 de março de 2024 at 13:00

    Muito legal Aline, Parabéns pela iniciativa 🚀

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