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Caso Backer: Volta esperada e legítima juridicamente, mas sob desconfiança

Cervejaria mineira pode voltar a vender e a produzir, mas apenas terceirizando a fabricação a terceiros

O anúncio da volta da fabricação e da venda de cervejas pela Backer não chegou a surpreender algumas referências do setor, que até enxergam legitimidade na iniciativa da marca mineira, que há pouco mais de um ano e quatro meses via o início da eclosão dos casos de contaminação de seus rótulos por dietilenoglicol, provocando, até agora, dez mortes. Mas há muitas dúvidas e desconfiança sobre como o consumidor e o mercado vão recebê-la após um acontecimento tão traumático.

A Backer formalizou a retomada das atividades na última terça-feira, em breve comunicado no seu perfil no Instagram, relatando que a fará com a Capitão Senra, um dos seus mais conhecidos rótulos, e destacando que a medida se dá com o aval de decisão judicial.

Leia também – 1 ano e 4 meses após contaminação, Backer voltará a produzir e vender cerveja

Essa volta ao mercado já era esperada por Fabiana Arreguy, jornalista e sommelière. Ela relembra que a Backer realizou um evento no Templo Cervejeiro, o seu brewpub, em outubro de 2020 – foi o relançamento da Capitão Senra, então produzida em Vinhedo (SP), na fábrica da Germânia -, deixando claro o desejo de uma retomada. Agora, o anúncio significa de fato a formalização de algo que já vinha sendo feito e preparado.

“Não me surpreendeu esse anúncio, que já havia sido ensaiado há alguns meses, inclusive com a troca da marca Backer para Capitão Senra. No ano passado, a empresa chegou a fazer uma festa de reabertura do Templo Cervejeiro e anunciou a marca Capitão Senra, rebatizando todos os seus antigos rótulos. A fabricação estava sendo terceirizada na fábrica da Germânia, no interior de São Paulo”, resgata Fabiana.

Para Diego Masiero, sócio da editora Krater, especializada em publicações para o setor cervejeiro, a volta da Backer envolve uma questão lógica – a da empresa continuar operando na sua área de atuação –, facilitada pelo que aponta ser uma “falta de memória” da população em relação aos momentos trágicos da história nacional.

“Estava claro que isso eventualmente aconteceria, pois uma empresa trabalha pragmaticamente, fazendo cálculos. Não seria lógico a empresa simplesmente fechar as portas para sempre e deixar de operar por causa da tragédia, e só o faria se julgasse impossível voltar a ser rentável a médio prazo. É lamentável, mas isso se torna mais viável em um país como o nosso, que tem memória curta e esquece de grandes acidentes, como o de Brumadinho, para usar outra referência mineira”, avalia Diego.

Fabiana também revela que os responsáveis pela Backer fizeram, recentemente, a inserção de uma outra marca própria nos mercados de Belo Horizonte, a Arriégua, indicando a sua continuidade no setor cervejeiro. “Há menos de um mês, eles começaram a anunciar a venda em varejo de uma cerveja envasada em garrafas PET, de preços muitos baixos, chamada Arriégua. Esses movimentos todos já mostravam a intenção de voltar ao mercado, ainda que voltados a outro público.”

Validade jurídica
Polêmica, por envolver a volta às atividades da empresa que foi pivô da maior tragédia da história das cervejas artesanais no Brasil, a retomada das atividades pela Backer tem amparo jurídico. Em 22 de abril, a operação da cervejaria foi liberada pela Justiça mineira, após acordo entre a empresa e o Ministério Público para “a constituição de fundo para pagamento das despesas emergenciais” com as vítimas de contaminação dos rótulos.

Após o anúncio do retorno da venda e da produção de cerveja pela Backer, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento destacou que a fabricação segue proibida na planta industrial, mas ponderou que a marca pode terceirizar o serviço. “A Justiça autorizou a cervejaria a terceirizar a sua produção e a comercializar cervejas”, lembra André Lopes, diretor jurídico da Associação Brasileira da Cerveja Artesanal (Abracerva), criador do site Advogado Cervejeiro e colunista do Guia.

“Considerando que a comercialização servirá principalmente para reparar os danos causados às vítimas e que a cerveja está sendo produzida de forma terceirizada por cervejaria idônea, acredito que qualquer esforço em prol das vítimas respaldado judicialmente e avalizado pelo Ministério Público é válido”, acrescenta André.

Cilene Saorin, sommelière, mestre-cervejeira e diretora da Doemens Akademie no Brasil, aponta a legitimidade – diante da permissão judicial – da Backer voltar a operar como cigana. Mas destaca a necessidade de a empresa responder aos processos das vítimas da contaminação dos seus rótulos.

“O caso Backer é extremamente delicado, sobretudo porque interrompeu e afetou muitas vidas. Também porque abalou a confiança das pessoas em relação ao consumo de cervejas”, pondera Cilene. “Ver a companhia em processo de recuperação de confiança e reputação junto ao seu público é entender seu caminho legítimo. Entretanto, espero que responda aos processos jurídicos com lisura e responsabilidade pelos graves erros técnicos cometidos direta e indiretamente.”

Evitando realizar um julgamento sobre a responsabilidade da Backer no caso, o presidente da Cooperbreja, André de Polverel, reforça que a retomada das atividades pode ajudar a marca a obter os recursos necessários para indenizar as famílias das vítimas da contaminação das cervejas.

“Um velho provérbio da tradição judaico-cristã nos recomenda a ficarmos longe da cadeira de juízes. Neste sentido, só posso torcer para que a Backer encontre rapidamente o caminho para a reconciliação com seu público consumidor, não só para garantir uma série de empregos como, também, para obter resultados financeiros capazes de arcar com todas as reparações e multas estabelecidas pela Justiça”, pontua André.

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Volta sob desconfiança
Se até era esperada e há legalidade jurídica para tanto, a volta da Backer levanta dúvidas sobre a recepção de um dos polos fundamentais para o segmento cervejeiro: o consumidor. Até a ocorrência dos casos de contaminação e mortes, a empresa era uma das marcas líderes do segmento de artesanais. Um status que Fabiana duvida que possa retomar, ainda mais que o consumidor deve enxergar essa volta como um sinal de impunidade.

Voltar à linha de frente do cenário cervejeiro artesanal, acho difícil que a Backer consiga. Até porque o público pode ter uma percepção de impunidade em relação à empresa, mesmo que as negociações com as vítimas estejam em andamento na Justiça. Não sei se o consumidor vai ter confiança em comprar e beber Capitão Senra depois de tudo o que aconteceu

Fabiana Arreguy, jornalista e sommelière

Já Diego aponta o importante papel que o consumidor terá nessa volta da Backer, decidindo se a marca terá ou não espaço no mercado. “Agora é ver como o consumidor de cerveja vai reagir. Se achar que é uma pretensão descabida o retorno à operação, que opte por outras marcas, fale sobre com os membros de sua comunidade, seus pontos de venda preferidos. São ferramentas que se tem para pressionar”, comenta o sócio da Krater.

Se a eclosão dos casos de contaminação de rótulos da Backer no começo de 2020 chegou a provocar dúvidas sobre o segmento de cervejas artesanais, esta volta não deve ter força para atingir o setor, na visão de Diego. Porém, ele sugere que a principal entidade do setor, a Abracerva, possa liderar um posicionamento coletivo sobre os padrões de qualidade adotados pelas cervejarias.

“Não acho que a empresa tenha tração para prejudicar as outras marcas coletivamente. Acho que o mercado precisa se posicionar através de sua entidade representativa, a Abracerva, reforçando a noção de que se trata de uma exceção, incentivando as empresas a mostrarem que processos adotam para garantir a segurança dos seus clientes e que controles têm em lugar para manter a qualidade dos produtos que fabricam e comercializam”, destaca Diego.

Por sua vez, Sady Homrich, cervejeiro, sommelier e baterista do Nenhum de Nós, avalia que a força adquirida em cerca de duas décadas no mercado mineiro de artesanais pode, inclusive, facilitar a volta da Backer em seu estado de origem.

“O tamanho do episódio Backer na época me deixou uma clara impressão de que essa marca, que era uma das mais importantes e organizadas do segmento, teria uma rejeição muito alta para sempre, mesmo que a memória do povo seja curta. Mas conversei com alguns amigos de BH e me revelaram que há uma espécie de boa vontade local com a volta dessa empresa tão mineira”, comenta.

Ao mesmo tempo, porém, Sady aponta que a marca Backer dificilmente conseguirá superar a desconfiança surgida dos casos de contaminação. “Confesso que, para mim, o fato de retornar com recurso jurídico corrobora a ideia de f…-se. Mesmo sabendo que o controle de qualidade será intensificado daqui para frente, sempre que alguém ver uma Backer no supermercado ou na mesa do boteco vai rolar um desconforto.”

Seguindo por essa mesma linha, Fabiana prevê que a empresa pode investir em atingir um consumidor de menor conhecimento e poder aquisitivo, também usando outros nomes – como Capitão Senra e Arriégua – e driblando, com isso, a resistência à marca Backer.

“Ainda é muito viva a revolta pelas mortes causadas e pelo grande número de pessoas com sequelas por terem bebido a ‘cerveja envenenada’, como é chamada por aqui. Talvez, por não apresentar mais o nome Backer em seus rótulos, a empresa consiga se posicionar junto a outro público, de poder aquisitivo menor, com menos acesso a informações”, avalia a sommelière mineira.

Surgida no fim da década de 1990, a Backer elevou seu status no setor e ampliou a participação no mercado ao mesmo tempo em que obtinha medalhas em eventos renomados, como World Beer Award, European Beer Star, Copa Cervezas de Americas e Concurso Brasileiro de Cervejas. Fabiana avalia que, nesse retorno, a empresa pode repetir a estratégia, o que pode causar reflexos nos consumidores.

“É preciso ficar alerta, porque a Capitão Senra será uma cerveja comercial legalmente produzida. Provavelmente será inscrita em concursos cervejeiros, como era costume a Backer fazer, com possibilidades até de ganhar medalhas, já que a cervejaria vinha se destacando pelo número de premiações conquistadas. E isso será legítimo. Aí eu pergunto: como o público cervejeiro vai encarar um fato assim?”, questiona Fabiana.


Até por isso, o sócio da Krater destaca a possibilidade de se impedir a participação da Backer em eventos e concursos do setor. “Também acredito que possa surgir um movimento articulado de atores do mercado, de deixá-los escanteados, barrando participação em eventos, por exemplo”, argumenta Diego.

Relembre o caso
Em janeiro de 2020, vários consumidores foram internados em Minas Gerais com sintomas de intoxicação, desenvolvendo a síndrome nefroneural após ingestão de rótulos da Backer, especialmente da Belorizontina, a sua principal cerveja. Com o início da investigação, a perícia realizada constatou vazamento em um tanque e diversos outros focos de contaminação.

Em outubro, 11 pessoas tornaram-se rés no processo que investiga a contaminação de cervejas da marca com o produto tóxico dietilenoglicol. Na relação de denunciados, estão incluídos os três sócios da Backer. Os dados oficiais apontam dez mortes e outros 29 casos de contaminação.

3 Comentários

  • Juliano Zaban Reply

    14 de maio de 2021 at 14:58

    Eu, particularmente, não tomarei nunca mais nenhuma cerveja Backer. Por vários motivos: desconfiança da qualidade, oferta gigante de outras cervejarias no mercado e, principalmente, pela postura que ela teve durante o fatídico episódio, de tentar o tempo todo se eximir da culpa, dizendo aos quatro ventos que todas as cervejarias fazem o que ela fez e não indenizando as famílias afetadas de forma satisfatória. Sempre gostei das cervejas da Backer, fui ao “Templo Cervejeiro” deles, enchia growlers com o chope deles em stations da marca, mas essa sequência de erros que cometeram, pra mim, não dá pra esquecer.

  • Junior Forte Reply

    16 de maio de 2021 at 17:40

    Eu não confio no Judiciário brasileiro . Se fosse sério, essa cervejaria seria fechada e teríamos confiança jurídica, mas como não temos, nunca mais consumo nem esta e nem qualquer cerveja artesanal brasileira, e nem mesmo industrial. Apenas se a supervisão for feita por empresas cujas LEIS sejam de países sérios, como a Heineken holandesa, por exemplo,.pois se acontecer algo assim a fabricação aqui será cancelada pela empresa sede da Holanda, que tem uma legislação de verdade, e não o CIRCO que é a nossa.

  • Antônio Silva Reply

    1 de junho de 2021 at 11:57

    Esse é o Brasil; basta mudar os nomes, vende pro consumidor de menor poder aquisitivo e que se f… O inferno aguarda por esses gananciosos.

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