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4 análises sobre a participação da mulher no mercado cervejeiro

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Fabiana Arreguy, Bia Haik, Luciana Brandão e Yumi Shimada falam sobre conquista de espaço e estigmas à mulher no mercado cervejeiro

Efemérides são datas essenciais na humanidade para consagrar feitos que realmente importam e corrigir insistentes desvios históricos. Um bom exemplo no calendário nacional é a Consciência Negra, data fundamental para lembrar que o fim da escravidão foi mais suposto do que efetivo. Mas se podem, sim, ter seu caráter inclusivo, efemérides também são perigosas: ao invés de produzirem a reflexão, elas se cercam de um clima festivo que acaba por enfatizar a distorção.

Em um país onde o seu mandatário disse ter fraquejado ao gerar uma filha, que não curiosamente é o mesmo país onde as taxas de feminícidio permanecem tão infames que provocaram um recente alerta da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Dia Internacional da Mulher deveria provocar o mais sério e profundo dos debates. Algo que ainda parece bem distante.

Como bem lembra nossa colunista Fernanda Pernitza, o Dia da Mulher se tornou uma data desfocada de sua origem, com um caráter estigmatizante e comercial. Serve, no fundo, como ótima mea culpa – inconsciente ou mesmo consciente: posso confortavelmente ser um machista durante 364 dias do ano porque lá, no dia 8 de março, compro meia dúzia de flores (como se toda mulher gostasse de flores), escrevo um cartão delicado, dou um parabéns efusivo e soluciono minhas questões morais.

Se nós, do Guia, elaboramos hoje algo especial sobre a participação da mulher no mercado cervejeiro, é pensando em um convite: mais do que uma data para presentes ou parabenizações, o dia 8 de março deve ser utilizado para reflexão. Nada mais óbvio que essa reflexão seja conduzida por quatro entre tantas mulheres que, com muita luta, vêm conquistando um espaço decisivo no setor – e que constantemente sofrem ou notam os efeitos dos estigmas e dos preconceitos.

Confira, a seguir, 4 análises sobre a participação da mulher no mercado cervejeiro.

Fabiana Arreguy, jornalista, escritora, sommelière e criadora da coluna de rádio Pão e Cerveja: Eu vejo que a participação da mulher no segmento cervejeiro se ampliou muito de quando comecei a atuar nele, há 12 anos, pra cá. Vejo várias cervejarias sendo comandadas por mulheres, vejo grandes pesquisas voltadas à cerveja assinadas por mulheres, vejo mulheres à frente de instituições de ensino, vejo inúmeras influenciadoras. Agora, dizer que é uma participação equânime em relação à dos homens não posso. Eles ainda são maioria em todos os cargos e serviços cervejeiros. É um meio ainda muito masculino. As mulheres ainda precisam provar que são capazes pelo simples fato de serem mulheres. Há muitas piadas machistas difundidas, especialmente nos grupos cervejeiros de Whatsapp, e ainda se ouve argumentações do tipo: “mulher quer igualdade? Então manda carregar um saco de malte.” Mas acho que isso faz parte de uma cultura machista que ainda nos rege, não é exclusividade do meio cervejeiro. E hoje há muitas vozes femininas para trazer o contraditório e mostrar que não precisamos provar nada para ninguém. Mudanças de paradigma são lentas mesmo. O importante é não deixar de trabalhar por elas.

Fabiana Büll Haik, sommelière, cervejeira caseira e autora do site Bia Bier: Existe, sim, ainda muito preconceito com relação à mulher no mercado cervejeiro. Mas, no meio cervejeiro em si, isso está mudando muito. As salas de aulas já estão sendo bem mescladas. Logicamente o número de homens ainda é grande, mas as mulheres estão fazendo o seu papel, estão deixando uma marca diferente no mercado. São dedicadas, são estudiosas. Sou uma grande entusiasta desse movimento. Não sou feminista, aquela coisa toda, mas temos, sim, muito a agregar nesse mercado. Quer por sua organização, pela habilidade multifuncional da mulher – ela está em casa, tem o filho, o marido, então tudo isso conta e ajuda nesse processo, nessa compreensão. Procuro muito incentivar os cursos para mulheres, a trazê-las para esse mundo. A partir do momento que a mulher entra nesse meio, ela traz toda a família, e aí passa a ter o valor da cerveja como um alimento, e não algo com preconceito. Hoje vou, por exemplo, em uma cervejaria e aí meu marido também vai, meu filho. Então meu filho vai ter a concepção de que a cerveja não faz mal para a saúde. Não é aquela coisa de beber até cair. É a ideia de que minha mãe está indo tomar cerveja com o meu pai e eles estão bem.

Luciana Rocha Brandão, sommelière, cervejeira caseira, cientista e CEO do Laboratório da Cerveja, uma startup de biotecnologia e soluções em processos cervejeiros: Vejo que a inserção da mulher no mundo da cerveja tem mudado muito a percepção de valor da bebida. Se antes as mulheres eram vistas apenas nas propagandas, e propagandas de muito mau gosto, propagandas machistas, com biquínis, hoje as mulheres, além de consumidoras exigentes, também trabalham nesse mundo da cerveja. Desde a produção, a someliaria, além de muitas professoras e cientistas, que é o meu caso, por exemplo. Nada mais justo – a mulher retomar o lugar que sempre foi dela. A mulher esteve na frente da produção no início da história da cerveja, e não o homem. E, hoje, a mulher está no mercado e ela não quer competir com o homem, e sim mostrar que tem a mesma capacidade. Apesar dessa inserção, acho que precisa melhorar muito. A presença feminina em alguns setores ainda incomoda aqueles que mantêm um pensamento muito machista. Vou falar a verdade: eu nunca sofri nenhum tipo de preconceito. Sou cientista, professora e todos sempre me trataram com muito respeito, o que tem a ver com o meu trabalho. Mas tenho amigas que trabalham em cervejarias e, lá, o ambiente fabril ainda é um pouco machista. Você vê poucas mulheres nesse ambiente. Existe aí um preconceito. Nesse ambiente, na área de produção, muitos homens acham que a mulher não dá conta de trabalhar em chão de fábrica. Mas hoje temos muitas mulheres à frente da produção, com suas cervejarias. E a tendência é, sim, diminuir esses estigmas e a mulher melhorar a sua inserção no mercado.

Yumi Shimada, sócia da Japas Cervejaria: Hoje em dia, como em muitas áreas, as mulheres ainda estão conquistando seu espaço no mercado cervejeiro. Mas cada vez mais vemos mulheres se destacando, seja produzindo cerveja em casa, atuando na mídia especializada, como sommelières, empreendedoras ou em posições importantes de logística, comercial, produção ou comando nas principais cervejarias artesanais do país. Aos poucos vamos desmistificando a ideia de que o universo cervejeiro é um universo masculino, e é aí que está hoje o principal papel das mulheres. Porém, numericamente, ainda é gritante a diferença de espaço que se vê no mercado como um todo, que é predominantemente masculino. Isso é reflexo de uma cultura promovida pelas cervejas de massa durante décadas, onde toda a comunicação cervejeira girava em torno do consumidor homem e heterossexual. Por isso, se hoje esse tipo de discussão ganha destaque no mês das mulheres, o que é super válido e positivo, é necessário ressaltar a importância de que se pense no assunto durante todo o ano. Reconhecendo o bom trabalho feito pelas mulheres do mercado e, principalmente, promovendo o apoio às contratações de mulheres para compensar o gap gerado por essa questão cultural que, como toda questão cultural, precisa de tempo e empenho para ser equalizada.

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