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Balcão da Maria Bravura: Troco flores por uma RIS

Se você acordou agora há pouco, já deve ter notado que hoje é dia 8 de março, o Dia Internacional da Mulher. É provável que passe pela sua cabeça de forma automática a ideia de enviar flores às mulheres da sua vida: esposa, namorada, mãe, avó, irmã, amiga. Não te julgo e confesso que, dependendo de quem e em que momento vier, considero este um ato de gentileza. Mas, permita-me lhe propor uma reflexão antes de ligar na floricultura: alguns destes atributos exaltados na figura feminina e que especialmente neste dia recebem destaque não definem por completo nenhuma mulher e tampouco representam todas.

Além disso, há outros significados atrelados a esta data que teve origem na Rússia, no começo do século passado, em 1917, quando trabalhadoras realizaram uma greve na qual exigiam melhores condições de trabalho, além de protestarem contra a participação do país na Primeira Guerra Mundial. Depois, em 1975, a ONU oficializou o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, criado com o objetivo de relembrar as lutas sociais, políticas e econômicas das mulheres, mas esses significados se perderam ao longo do tempo.

Porém, há alguns anos tem-se tentado desconstruir este caráter banal que ainda hoje permeia esta data e que a tornou meramente comercial, apelativa e carregada de homenagens às características associadas à mulher. É muito comum as mensagens neste dia descreverem a mulher como um ser de delicadeza, vaidade, paciência, compreensão e repleta de dons maternais, tudo isso rodeado de rosas, batom e salto alto.

Nada contra estas características, mas elas deveriam poder nos atravessar de forma livre e não como um caminhão que passa por cima da gente. Esqueçam a ideia de comportamentos “naturalmente” femininos. É preciso que todos saibam que, assim como para os homens, existem infinitas formas de ser mulher. E que, ao ser mulher, continua-se a ser uma pessoa com suas singularidades, preferências pessoais e personalidade, ou seja, um ser único. E isso me leva à cerveja, porque considero este um assunto bem mais legal.

Dia desses vi um experimento muito interessante, na verdade sensacional: diferentes casais foram para o bar e a mulher pedia uma cerveja enquanto o cara optava por um drink. Quando os pedidos chegavam à mesa das mãos de outro funcionário, o que você acha que acontecia? Ele trocava os copos na hora de entregar. Claro, porque paladar tem gênero, né, pessoal?! Língua rosa e língua azul e coisa e tal. 

Eu e minha amiga raramente trocamos a cerveja por outra bebida (malemá por água) e, em nosso bar preferido, praticamente só tomamos a IPA da casa dentre outras opções mais suaves. Isso me fez lembrar da polêmica da cerveja Proibida que lançou a Puro Malte Rosa Vermelha Mulher. Chegou a ser hilário, se não fosse patético. Uma cerveja para mulher, delicada e perfumada como a mulher. Isso não te lembra um daqueles panfletos de loja de cosméticos? Então. O novo produto da Proibida recebeu uma série de reclamações de consumidores que consideraram inapropriada a criação de um tipo de cerveja especial para o público feminino. Por quê?

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Bom, primeiro porque não condiz com a realidade, apesar de insistirem que sim.  Existem mulheres que gostam de cerveja levinha, cor-de-rosa e com aroma de lavanda? Sim, mas isso não esgota suas outras possibilidades de apreciação, nem mesmo representa o grupo todo, além do mais esse tipo de definição barra o acesso de homens que poderiam gostar deste tipo de cerveja. Este tipo de marketing me dá a sensação de que se eu recusar esta cerveja feita especialmente para mim e pedir uma Belgian Dark Strong Ale, serei banida da turma das mulheres delicadas e perfumadas. Sai pra lá, Fiona!

Paladar não tem gênero e são inúmeros os caminhos que a publicidade pode seguir até atingir seu público alvo, sem precisar lançar mão deste tipo de segregação/delimitação/discriminação. Qualquer coisa que determine o perfil de um grupo e se direcione a ele a partir do perfil criado, automaticamente exclui não só outros grupos, mas também membros do próprio grupo que não se identificam com o perfil determinado a ele; ou seja, qual o propósito disso senão rotular pessoas? Deixem os rótulos para as garrafas de cerveja. Que, aliás, são belíssimos.

Em segundo lugar, a LatinPanel divulgou um estudo que comprova o crescimento das mulheres como consumidoras de cerveja. É possível comprovar isso notando o quanto tem sido comum ver mulheres reunidas em bares e cada vez mais interessadas em cervejas, provando e procurando por estilos e rótulos diferentes, em busca de novos sabores e experiências sensoriais.

Não é à toa que o consumo deste público específico cresceu junto com o crescimento das artesanais aqui no Brasil: as cervejas especiais marcam uma nova era mais democrática com sua enorme variedade de sabores e aromas. Quase impossível não encontrar uma que te agrade. E as mulheres sacaram isso! Isso quer dizer que aquele perfil comportamental “naturalmente” feminino já foi desmantelado, não serve mais. Já era, zé fini.

É verdade que existem estudos que comprovam que boa parcela do público feminino gosta mais disso do que daquilo, mas no que diz respeito a sua interação com esse público, te aconselho a não definir uma mulher a partir destes estudos, pois vai correr um grande risco de errar e fazer papelão.

Portanto, abra uma cerveja e pense no mimo depois. Tome um gole e faça esta bela autoavaliação neste dia importante: “Será que em minhas relações com as mulheres tenho reforçado o modelo feminino a ser seguido ou tenho contribuído para que elas sejam as pessoas que elas quiserem ser, sem tentar encaixá-las na ‘caixa do que é ser mulher?'”. Isso pode resultar em mudanças imediatas e superficiais, como trocar flores por uma alta carga de lúpulo dentro de uma bela garrafa de cerveja – mas também em mudanças de ordem mais profunda.

E se ainda assim você decidir enviar flores neste dia, que tal repensar as palavras que colocará no cartão? É hora de participar do processo de resgate dos valores originais ligados a esta data. E eu, como uma boa mulherzinha, brindarei esta data com meu estilo de cerveja preferido atualmente, uma Russian Imperial Stout (RIS), grata a todas as mulheres que lutaram para que eu tivesse todos os direitos dos quais hoje desfruto, como a possibilidade de publicar este texto e a liberdade de frequentar um bar e abrir esta cerveja!

Um brinde à liberdade, ao respeito e aos direitos conquistados! Saúde!


Fernanda Pernitza é fundadora e sócia-proprietária da Maria Bravura Cervejas Especiais, beer sommelier e psicóloga

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