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Coluna bia amorim

Balcão da Bia: Minha cervejaria dos sonhos

Sou sommelière de cervejas e, por conta do meu trabalho, estou sempre provando novidades, cervejas diversas. Mas também faz parte dele olhar as prateleiras, o amontoado de rótulos, as diversas embalagens, de novas e tradicionais cervejarias. É preciso entender alguns paradigmas, ver as coincidências, perceber as tendências e como o mercado – esse organismo vivo – funciona.

Eu sinto falta de um monte de coisas. Mas essa percepção, muitas vezes, pode ser apenas o meu ego, o meu gosto pessoal, e não o que é preciso realmente. Então me coloco a sonhar. Abro uma cerveja, me sento confortavelmente ao pôr do sol e fico imaginando como seria se eu pudesse ter a minha cervejaria. Uma fábrica ao meu bel-prazer.

Primeiro, vagueio pela localização. O duro de sonhar é isso: posso edificar até um mosteiro e morar na Bélgica. Isso, sim, é sonho. Eu me perco rápido, logo o sonho se transformou em um Sin City cervejeiro. Volto meus pés um pouco mais perto do chão. Poderia ser na Serra, perto de Minas Gerais. Ali, divisa com o Rio de Janeiro. “Muitos amigos naquela região, fácil acesso para tudo”, pensei.

Dou uma suspirada na vida e uma respirada no copo. Frutado, vida real. Tropical, prazer sensorial. Nessa vibe, torno a pensar na cervejaria. Já tenho o lugar, preciso pensar na arquitetura, pois ela vai dizer tudo sobre a minha marca. Define um estilo de vida, sabe? Gosto de tijolinho “à vista”, meio vermelho queimado. Curto também um estilo meio norte-americano. Consigo ser brega até no sonho, misturando os designs. Vai ser sustentável em tudo. Invento máquinas de uma tecnologia que não existe. O sonho é meu, chamo até o Steve Jobs se eu quiser.

Ao que parece, grana não é problema, já que estou longeeeeeee nos pensamentos. Dou uma suspirada na vida e uma respirada no copo. Na vida real, grãos, uma boa mistura, nada que pareça caramelo, um biscoito pronunciado, mas uma textura aveludada. Como seriam as embalagens? Acho que latas: são mais fáceis e práticas de lidar na cadeia toda. Os rótulos? Nossa, nem brinca. Com tanta liberdade, iria escolher meus artistas favoritos e convidar um para cada estilo. E já que liberdade pouca é bobagem, vou colocar nomes que fazem apologia à cultura, à arte e aos valores humanos. Não é só sobre o líquido.

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Mas tudo isso começou, esse sonho desenfreado, porque eu queria encontrar nas prateleiras os sabores que eu mais gosto. Um paladar mimado, eu diria. Cervejas com mais malte, com mais malte caramelo, com mais tons âmbar, com mais álcool, com mais café, cacau, defumado, doce de leite, panquecas e calda de chocolate. Ops, sonho errado? O sol já baixou e as cores do céu mudaram. Mas no meu copo a IPA continua me dando informações. Bem atenuada, ótimo drinkabiltypara sonhar despercebido. Sour de todos os estilos, vamos azedar tudo. Coisas na madeira. Lagers crispye delicadas. Michael Jackson deve me fazer uma visita. Brindo com ele e quase faço uma Goose IPA no copo que paira sobre meu colo na vida real.

Mas com a movimentação da casa, me desperto. E, ainda pensando sobre as probabilidades reais do sonho, vejo que temos uma linha muito tênue entre tudo isso e quem faz cerveja em casa. Pois em pequenas doses e com um pouco mais de humildade, em casa e com nossa criatividade, também podemos manipular as matérias e escolher os sabores. Com técnica e dedicação também aprendemos sobre qualidade.

Mas eu sou sommelière. Meu trabalho é entender o sonho, olhar para a realidade e ver que está tudo lá. As prateleiras com boa curadoria nos pontos de venda, as lojas virtuais, o nicho como um todo, têm tudo isso que eu disse. Tem lindas construções, tem lúpulo nacional saindo do papel e do sonho, tem profissionais competentes, tem rótulos incríveis, tem mensagens sendo passadas. Tem cerveja bem-feita, tem dedicação e esmero. No fundo, eu só sonhava com mais Browns Ales e Schwarzbier – e também com a Bélgica. Uma mistura de saudades e anseios por sair de casa e voltar a respirar o ar do boteco e do bar.

Eu estava ali sonhando, enquanto bebia o sonho que alguém concretizou. Um crossover cervejeiro sensorial. Esse é meu ideal de cervejaria. Como seria sua cervejaria? Já sonhou com isso? Nem tudo precisa sair do papel, mas sonhar, isso sim é preciso. Saúde.


Bia Amorim é sommelière de cervejas, filosofa de boteco on live, escritora de botequim virtual, a tia louca da louça. No instagram, @biasommelier no trabalho, @startupbrewing e vertentes.

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