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Do quarto de despejo para a UFRJ e a cerveja: Conheça mais de Carolina de Jesus

Principal livro da escritora, Quarto de Despejo vendeu mais de 3 milhões de exemplares e foi traduzido para 16 idiomas

Carolina Maria de Jesus fez o caminho do improvável para expor mazelas sociais e suas complexidades. Catadora de papel, negra e favelada, ela se tornou uma das mais importantes escritoras da literatura brasileira quando lançou Quarto de Despejo. Agora é doutora honoris causa pela UFRJ, título concedido postumamente na semana passada. Antes, em um exemplo claro da importância cultural e relevância que atravessam décadas pela sua luta antirracista e seu marcante estilo literário, também foi homenageada em rótulos por algumas cervejarias.

De Sacramento, no interior de Minas Gerais, Carolina de Jesus nasceu em 1914, tendo vivido até os 62 anos. Desses, apenas dois foram de estudos formais. E quando sustentava a si e aos três filhos como catadora de papel, utilizava os cadernos que recolhia para registrar sua rotina em um diário durante o período no qual morava na favela do Canindé, em São Paulo, entre o fim dos anos 1940 e os 1950.

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Vivenciou, assim, o processo de desenvolvimento da capital paulista e, ao mesmo tempo, o surgimento das primeiras favelas. Foi daí, a partir das anotações de 20 desses cadernos, em tom memorialista, que surgiu Quarto de Despejo. Lançado em 1960, o livro vendeu 3 milhões de edições e foi traduzido para 16 idiomas, tendo ficado marcado pela oralidade e pela escrita objetiva, além da sua marcante força criativa para dar vazão a vozes pouco ouvidas na sociedade.

“Mostra a polifonia da vida na favela, com várias falas que se entrecruzam o tempo todo. Autodidata, ela superou os entraves sociais, raciais e de gênero. E, sobretudo, não se deixou abater pela fala dos outros que queriam mantê-la em lugar de subalternidade e submissão”, comentou a diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, Susana Castro, quando da homenagem póstuma da escritora.

Entre os fãs declarados de Quarto de Despejo, estava Clarice Lispector. Como resgata a Quatro Cinco Um, em matéria publicada na revista Manchete em 1961 e assinada por Paulo Mendes Campos, há “um ‘esplêndido diálogo’ ocorrido entre Clarice e Carolina, que teria elogiado a escrita da primeira: ‘Como você escreve elegante’. Enquanto Clarice teria exclamado: ‘E como você escreve verdadeiro, Carolina!’.”

Nos anos posteriores, Carolina de Jesus ainda publicou mais duas obras: Pedaços de Fome e Provérbios. Depois da sua morte em 1977, outros seis livros foram lançados, fruto de cadernos e outras compilações deixados por ela, que ocupou o espaço da casa grande a partir da perspectiva do quarto de despejo.

Foi isso o que a UFRJ reconheceu ao lhe dar a honraria de “doutora honoris causa”, concedida independentemente da instrução educacional a quem se destacou por suas virtudes, méritos ou atitudes. Nesses casos, o agraciado passa a desfrutar dos mesmos privilégios daqueles que concluíram um doutorado acadêmico convencional.

“Uma reparação histórica do esquecimento produzido sobre a história dos negros e de personalidades negras marcantes, como é o caso de Carolina de Jesus. Essa reparação tem um papel didático em sociedades como a brasileira, que durante muito tempo viu o negro de forma negativa pelo completo desconhecimento histórico. O reconhecimento nos faz lembrar do papel que teremos pela frente na luta contra as assimetrias raciais, das quais o espaço universitário tem sido um dos locus privilegiados”, comentou Vantuil Pereira, professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da UFRJ.

Homenagens cervejeiras
Antes de ser homenageada com o título de doutora honoris causa, Carolina de Jesus também havia sido lembrada em rótulos de cerveja. Em 2017, por exemplo, uma confraria de mulheres da Goose Island, a Goose Island Sisterhood, criou a Carolina. E a Dutra Beer fez o mesmo recentemente.

“Assim como outros rótulos nossos, algumas personalidades não podem, ou melhor, não devem ser esquecidas. E Carolina faz parte desse quadro”, diz André Dutra, fundador da cervejaria. “Era fundamental trazer sua imagem à tona e valorizar seu rico conteúdo.”

O rótulo da Dutra Beer que homenageia Carolina de Jesus é uma Honey Ale, com 6,1% de graduação alcoólica e 13 IBUs. “Leva em sua composição três tipos diferentes de malte, dois tipos de lúpulos e, é claro, o próprio mel. Aliás, não é qualquer um, é o mel agroecológico/orgânico da Terra Livre – Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da região de Porto Alegre. Enfim, essa cerveja é levemente doce e encorpada, possui médio teor alcoólico e um final seco, com o característico aroma do néctar dos deuses”, relata André.

O fundador da Dutra Beer, inclusive, faz uma comparação e relaciona a complexidade do trabalho de Carolina de Jesus – um dos marcos da literatura nacional – com as de um rótulo de cerveja.

“A cerveja pode (e deve) ser degustada como outra bebida qualquer, respeitando sempre seu potencial alcoólico. Aliás, por que não ler um livro de literatura degustando uma boa cerveja artesanal? Em suma, Carolina Maria de Jesus era simples, irreverente, social, nada elitista, uma mulher que apesar das dificuldades era feliz, versátil e teve uma grande importância na história literária mundial”, conclui André.

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