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Balcão da Cilene: Da trilogia Desenhando Sonhos – Saga segunda: Salvar o planeta (ou a nós mesmos?) – Adendo


Algumas voltas (do planeta em torno de si mesmo) depois e o texto da trilogia Desenhando Sonhos – Saga Segunda: Salvar o planeta (ou a nós mesmos?), publicado no início deste ano, merece um importante adendo para prosseguir nesta toada reflexiva. Este adendo se apresenta em duas partes.

A primeira parte é elucidativa e propõe aprofundar o entendimento sobre a expressão “Revolução Verde”, a qual foi e é utilizada com propósitos muito distintos nos tempos recentes da história da humanidade. A segunda parte é provocativa, porque o tempo não para e as novidades do mundo nos atravessam como flechas. E sobre as flechas, nem sei o que dizer…

Parte 1 – A expressão “Revolução Verde”
Alguns poucos dias depois da publicação do texto, recebi a bem-vinda mensagem de uma leitora. Em tom elogioso e educado, Natália Noronha – sommelière de cervejas e estudante de Agroecologia – me ensinou sobre as definições históricas desta expressão. Abaixo seguem suas preciosas palavras:

“A partir dos anos 1950, um processo de modernização agrária chamado ‘Revolução Verde’ alterou profundamente o cenário do campo no Brasil e no mundo. Tratou-se de um conjunto de tecnologias implementadas para mecanização e inovação agrícola. Com foco na alta produtividade, técnicas como utilização de agrotóxicos e inserção de sementes geneticamente modificadas (transgênicas) passaram a ser introduzidas. A ideia era de que as culturas – assim – pudessem obter sucesso em qualquer tipo de solo e bioma e não dependessem de fatores climáticos naturais. Infelizmente, como consequência, sabemos que o uso desenfreado dessas técnicas tem nos causado graves problemas ambientais como desmatamento, esgotamento de recursos hídricos, contaminação dos lençóis freáticos, compactação do solo, além de problemas sociais como êxodo rural, concentração fundiária e intoxicações alimentares.

Em contrapartida, é importante destacar que está em curso uma nova ‘Revolução Verde’, a qual se faz extremamente necessária. Esta agenda visa, sobretudo, a redução de gases do efeito estufa (ou seja, redução de emissão de carbono), o reflorestamento, a preservação da biodiversidade e a introdução definitiva de tecnologias em energias renováveis, como solar e eólica. Todos esses esforços são urgentes tendo em vista o cenário climático e ambiental do atual Antropoceno.”

De alguma forma rasa, eu já havia lido e ouvido o termo neste contexto de pós Segunda Guerra Mundial – uma abordagem contra-intuitiva, mesmo que inicialmente estivesse associada à possibilidade de erradicar a fome no mundo. (…) Algo que, sabemos, não aconteceu, infelizmente, ainda somado aos problemas ambientais e sociais desses tempos atuais.

Por outro lado, também li e ouvi esse termo em discursos e contextos recentes para fazer alusão aos movimentos de substituição das matrizes energéticas com fontes renováveis. Por isso, ultimamente, resolvi adotar este termo. Entretanto, é muito importante essa colocação técnico temporal da Natália Noronha. Muito obrigada!

Parte 2 – A água vira moeda forte
A novidade veio no finalzinho do ano passado. Um ano truncado, que terminou com uma notícia bombástica, a meu ver.

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Pela primeira vez na história, a água passou a ser negociada como commodity no mercado futuro na bolsa de valores dos Estados Unidos (Nasdaq Velez Califórnia Water Index, Índice da Água). Com isso, a água passa a ser uma mercadoria de preço flutuante como o petróleo, a soja, o ouro ou o trigo.

À diferença destes itens mencionados e tantos outros, a água é reconhecida como direito fundamental do ser humano pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2010. A água é essencial para a vida e não é apenas uma mercadoria.

Essa iniciativa incorre seriamente no fornecimento de água para populações (sobretudo, pobres) e precede uma prevista guerra pela água, semelhante ao que ocorre com o petróleo há décadas. Um elemento vital ao ser humano não deveria estar à disposição da especulação.

Em princípio, o índice está relacionado apenas à água comercializada no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, região que tem sido devastada pelo calor e pelos incêndios florestais nos últimos anos e teve o preço da água dobrada no ano passado devido à escassez. Os idealizadores desta manobra dizem que esse índice tem como objetivo ser um indicador de escassez de água para investidores em todo o mundo, permitindo gestão de risco e fazendo melhor correlação entre a oferta e a procura nos mercados. (…)

No final das contas, esse jogo de capitais poderá ser usado como argumento público e privado para justificar aumento de preços em todo o planeta e restrição do recurso hídrico às pessoas, relativizando a questão humanitária.

Para finalizar essa reflexão, alguns dados alarmantes:

• Segundo a ONU, atualmente 2 bilhões de pessoas (ou seja, um quarto da população do planeta) vivem sérios problemas de acesso à água. Somos 7,8 bilhões de pessoas no mundo. A ONU estima que, nos próximos anos, dois terços da população do planeta podem sofrer escassez de água e uma parte significativa se deslocará em êxodo por isso.

• O Brasil abriga a maior reserva de água doce de superfície do mundo, com cerca de 12% do total. A China e os Estados Unidos são os principais consumidores mundiais de água.

• O estado da Califórnia, nos Estados Unidos, é a região número 1 em quantidade de cervejarias artesanais, em volume de produção anual e no impacto econômico destes negócios ao país (nem posso imaginar o que a escassez e a especulação de água podem fazer com essas cervejarias, sua gente e seu entorno).

• A escassez de água está relacionada à exploração excessiva pelo setor primário, pela indústria e pelo consumo humano, bem como às mudanças climáticas.

Fonte: Brewers Association

Tudo isso já não é mais ficção em filmes-catástrofe. É pura e ardilosa realidade. Temos de vislumbrar uma economia local e global que usa a força dos negócios para a solução de problemas sociais e ambientais.



Cilene Saorin tem se dedicado às cervejas, nos últimos 28 anos, por alguns cantos deste planeta. É sommelière, mestre-cervejeira e diretora de educação da Doemens Akademie para América Latina e Península Ibérica

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