Cultura cervejeira tem desafios para expansão fora do Sul-Sudeste
O Anuário da Cerveja, divulgado recentemente pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), apontou o crescimento de 11,6% no número de cervejarias registradas no Brasil entre 2021 e 2022, mas essa expansão não é uniforme. De acordo com o levantamento, oito estados e o Distrito Federal, todos eles localizados no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, não apresentaram variação no número de registros entre um ano e outro, em um sinal de desafio para a expansão da cultura cervejeira.
Foi essa a avaliação de especialistas consultados pelo Guia, destacando que esse resultado reflete a dificuldade de se espalhar a cultura cervejeira para além das regiões Sul e Sudeste e dos grandes centros urbanos. Os dados do Anuário da Cerveja corroboram essa observação, já que essas duas regiões concentram 1.484 cervejarias. Em contraste, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste somam apenas 235 registros, correspondendo a apenas 14,1% das cervejarias do país.
Essa concentração tem crescido estável ou se mantido estável ao longo dos últimos anos, tanto que as regiões respondiam por 14,2% das cervejarias em 2021, 14,4% em 2020, 14,7% em 2019, 16,3% em 2018 e 16,6% de todo o universo de cervejarias do Brasil.
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O Anuário da Cerveja de 2022 também revelou que Distrito Federal, Pernambuco, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Tocantins, Acre, Amapá e Roraima não tiveram crescimento no número de cervejarias registradas no Ministério da Agricultura em 2022. Esses dados ampliam a discrepância em relação às regiões mais cervejeiras do país, uma vez que nenhum deles figura entre os 12 estados com maior número de estabelecimentos cervejeiros.
“Entendo que no caso de alguns estados no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o consumidor de cerveja ainda não foi impactado pelo produto artesanal”, avalia Gilberto Tarantino, presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva).
Excluindo as regiões Sul e Sudeste, Goiás é o estado com mais cervejarias registradas – 40. Porém, esse número está distante dos principais polos cervejeiros, como São Paulo (387), Rio Grande do Sul (310), Minas Gerais (222) e Paraná (215). E o número de cervejarias em Goiás é menor que o de algumas cidades, como São Paulo (59) e Porto Alegre (42).
Essa desigualdade se repete na quantidade de cidades com cervejarias registradas. Enquanto São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais possuem 100 ou mais municípios com registros, Goiás, o estado fora das regiões Sul e Sudeste com mais cidades cervejeiras, tem apenas 20 municípios com estabelecimentos abertos. E alguns estados têm apenas uma cidade com cervejarias, como Acre, Amapá e Roraima.
O dado sinaliza que a cultura cervejeira ainda encara o desafio de se espalhar por mais cidades e regiões do Brasil, especialmente aquelas menos urbanizadas, na avaliação de Eduardo Marcusso, servidor público e consultor técnico da Câmara Setorial da Cerveja.
“A cultura cervejeira chegou mais rapidamente nas capitais devido ao aumento exponencial e mais rápido. No entanto, para chegar ao interior, é mais difícil. Há uma escassez de educação, experimentação e compreensão das diferenças entre os produtos, preços e ideias. Introduzir um produto mais caro torna-se uma tarefa mais complexa. Fatores como preço, disponibilidade e cultura dificultam a inserção onde há menos familiaridade e um tempo de expansão do processo mais lento. Esses elementos explicam o passo mais gradual da interiorização da cerveja artesanal em regiões mais remotas do Brasil”, diz.
Para o presidente da Federação Brasileira das Cervejas Artesanais (Febracerva), Marco Falcone, esse desafio da expansão do segmento fora das regiões Sul e Sudeste está relacionado com o fim do boom do setor. A avaliação é apoiada pelos números, pois após o número de registros de cervejarias subir acima dos 20% entre 2012 e 2019, sua expansão se estabilizou entre 11% e 15% nos últimos três anos.
“Isso ocorre porque o período de novidade já passou. O Sudeste começou muito antes e teve um crescimento inicial rápido. As outras regiões atingiram um ponto de saturação, e agora é necessário aguardar até que a agitação inicial se acalme e a situação se estabilize para retomar o crescimento. As economias das diferentes regiões não variam tanto”, avalia.
O cenário pode ser desafiador para a expansão das cervejas artesanais pelo Brasil, mas o presidente da Abracerva também acredita que ele oferece oportunidades de empreendedorismo em regiões que possuem potencial para crescimento do setor.
Embora não seja possível generalizar, notamos que no Nordeste as cervejarias da região estão mais concentradas nas capitais, o que nos faz refletir sobre o enorme potencial de diversas outras cidades do litoral, ou localizadas em outras regiões turísticas dos estados
Gilberto Tarantino, presidente da Abracerva
Ele também aponta a necessidade de difusão da cultura das artesanais pelo Distrito Federal, que tem a capital federal Brasília como a terceira cidade em termos de população no Brasil e hoje conta com 17 cervejarias, o que a deixa como décimo município com mais registros em todo o país.
“No caso do Distrito Federal, embora haja uma boa densidade cervejeira, ainda falta que a cultura do artesanal seja mais difundida e incorporada pela comunidade. Isso permitiria crescimento das marcas atuais e abertura de novas fábricas”, conclui o presidente da Abracerva.
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