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Balcão da Matisse: Cerveja, da arte ao artesanal

A arte é uma experiência dos sentidos e pode se manifestar de várias formas. Quando penso em cerveja artesanal e sua relação com a arte, me lembro de uma poetisa de Niterói que conhecemos em uma feira: ela bebeu da nossa cerveja, nos presenteou com seu livro de poesias (Maíra Santafé – Entre Acordos e Acordes) e, na dedicatória, colocou “que o meu livro te faça tão bem quanto a sua cerveja me faz”. Desde então eu procuro separar um tempinho para beber cerveja lendo poesia, arte combinada, boa para o corpo e para a alma. Essa mesma sensação pode ser experimentada quando se serve de um prato onde o cozinheiro procura combinar o sabor dos alimentos e a beleza estética da apresentação. Primeiro se come com os olhos, aproveitando o trabalho artístico, e depois se explora todos seus sabores, tornando o momento completo.

Mas o que é cerveja artesanal e qual a relação entre cerveja, arte e artesanato? Essa é uma pergunta complexa e não tem apenas uma resposta. Outro dia fui abordado por um cliente, que me disse: “se a cerveja é feita em uma fábrica, então não é artesanal”. Eu poderia responder de várias formas e com muitos argumentos por que a cerveja é artesanal, mas lembrei-me da metáfora da caverna proposta por Platão e me coloquei na mesma condição de humildade. Seriam apenas teorias, sombras da realidade projetadas no fundo da caverna. Não o convenceriam e não convenceriam nem a mim mesmo.

A própria literatura é controversa. A Brewers Association, por exemplo, define uma cervejaria artesanal (craft brewery) como pequena, independente e tradicional. No entanto, micro e nanocervejarias são cervejarias que produzem pequenas quantidades, como alguém que faz em casa, em um pequeno galpão ou garagem ou até mesmo em um bar, o que costuma ser chamado de brewpub.

Muitas vezes o cervejeiro lança mão de uma fábrica, aproveitando capacidade ociosa, para produzir sua cerveja em maior escala e com mais recursos e controles do que teria em seus equipamentos. A isso se dá o nome de cigana, considerando que esse cervejeiro pode mudar de cervejaria em busca de espaço, custo, facilidade logística ou adequação dos equipamentos a cada receita ou escala. Mas tanto a nanocervejaria que usa panela de 50 litros quanto a cigana que usa panela de até 5.000 litros – ou mesmo quem tem fábrica própria – podem ser artesanais ou não.

O artesanal não precisa ser pequeno e o pequeno não é necessariamente artesanal. Independência e tradição são termos muito relativos: independente de que ou de quem? Grandes cervejarias que estão no mercado há décadas são independentes e altamente tradicionais – e nem por isso são artesanais.

Qualidade e diferenciação também aparecem como caraterísticas da cerveja artesanal e, em muitos casos, efetivamente o são, mas a cerveja de linha (mainstream) também pode ter qualidade e ser diferenciada em algum aspecto, assim como muitas artesanais não têm qualidade e são meras reproduções de receita comercial.

Para encontrarmos uma saída, voltamos então a Platão ou Sócrates: “só sei que nada sei”, ou, melhor ainda, vamos a Descartes, que não se conformou com a dúvida e, no auge da dúvida, decidiu adotar ela mesma como base da sua filosofia: “duvido, logo existo”. Quase que parafraseando Descartes podemos dizer: o que eu faço é arte, portanto minha cerveja é artesanal.

*Mario Jorge Lima é engenheiro químico e sócio-fundador da cervejaria niteroiense Matisse

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