Trabalho híbrido desafia recuperação dos bares em regiões de escritórios
Afetados durante o auge da crise sanitária, quando muitas pessoas ficaram nas suas casas, passando a atuar no modelo de home office, bares de algumas regiões de grandes cidades precisam lidar com uma nova realidade: o modelo de trabalho híbrido adotado por algumas empresas, uma rotina que afeta a lógica de frequência a esses estabelecimentos quando eles ainda buscam se recuperar da crise que assolou o segmento nos últimos anos.
Esse cenário se expressa mais em algumas regiões, que não conseguiram acompanhar o ritmo de crescimento dos bares e restaurantes ao longo de 2022, com uma expansão de 9% no faturamento na comparação com 2019, o último ano pré-pandemia, de acordo com informações da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
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Bares em regiões que concentram escritórios, porém, não atingiram o mesmo índice e têm encarado dificuldades com o modelo híbrido de trabalho, que, em sua maioria, permite aos funcionários a possibilidade de trabalhar em casa às segundas e sextas-feiras, só indo às empresas entre terça e quinta-feira. A recuperação do segmento, assim, se dá de modo incompleto.
O cenário é mais perceptível na região da avenida Paulista e no bairro Vila Olímpia em São Paulo, assim como no centro do Rio de Janeiro. “A segunda não faz tanta diferença, mas a sexta foi dramática, por ser o melhor dia da semana, com o famoso sextou”, comenta Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel.
Pode ter aumentado o movimento da quinta, mas não tem o mesmo movimento de indulgência, de se dar de presente uma rodada extra na sexta-feira
Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel
E a perspectiva é de que ainda demore para que essas regiões retomem o nível pré-pandemia, pois há menos pessoas nas ruas nessas localidades, o que afeta diretamente as atividades de comércio e serviços. Por isso, nessas regiões, o encolhimento dos bares e restaurantes pode ter chegado a até 10%.
Para lidar com essa nova realidade e reduzir seu impacto, alguns desses espaços alteram rotinas: horários de funcionamento foram modificados, ampliando a aposta nas atividades mais noturnas. Além disso, como forma de captar recursos, alguns estabelecimentos estão mais abertos a hospedarem eventos corporativos. “Alguns mudaram de perfil, buscando tirar o peso do almoço corporativo, reforçando o foco no delivery”, comenta o diretor e fundador do BaresSP, Fábio de Francisco.
Os bares, claro, não chegam a ficar vazios às sextas-feiras, mas a frequência em alguns horários sofreu maior impacto, especialmente naqueles relacionados ao happy hour, realizado logo após o fim do expediente, costumeiramente no início das noites.
“O principal impacto nos bares envolve o happy hour. O movimento ficou para mais tarde. Somado a isso, se perdeu o Horário de Verão (extinto em 2019), que trazia o movimento para mais cedo”, diz Solmucci.
O diretor do BaresSP pondera que esses estabelecimentos já haviam se adaptado a uma nova realidade quando o home office foi adotado no início da pandemia. “Bares das regiões com muitos escritórios já tinham passado por dificuldades na pandemia e vinham se reajustando, com diminuição de equipe, redução de custos, mudanças de cardápio e de conceitos”, diz.
Bairros crescem, preços freiam
Por outro lado, o local de consumo se modificou, com bares localizados em bairros com características residenciais aproveitando o modelo híbrido de trabalho para ampliarem o faturamento a partir dessa migração de público. “Houve um deslocamento da demanda para os bairros. O que aconteceu é que o mercado está maior. A dificuldade é de rentabilizar”, avalia Solmucci.
Com uma rede de 20 lojas no Rio de Janeiro, o Bar do Adão observou a diminuição do movimento em áreas mais comerciais da capital fluminense. Porém, como muitos bares fecharam as portas durante a pandemia, aqueles que conseguiram sobreviver à crise sanitária têm atuado para captar o consumidor que tem menos opção de escolha.
“O fluxo de pessoas em áreas comerciais caiu substancialmente, porém também houve diminuição das opções: muitos bares e restaurantes fecharam e não abriram novos nos mesmos locais. Isso permite, que em alguma medida, para quem está funcionando, seja possível tentar capturar parte do fluxo”, diz Maurício Costa, diretor-geral do Bar do Adão.
Para conquistar o consumidor, bares também evitaram repassar a alta dos custos integralmente ao consumidor. Nos últimos 12 meses, a inflação da cerveja foi de 10,15% no varejo, com o índice ficando em 6,7% nos estabelecimentos para consumo fora do lar. Além disso, alguns desses espaços fizeram mudanças em seus cardápios.
“Os bares e restaurantes operando começam uma competição baseada em preço, o que acaba reduzindo a margem que já está apertada com o cenário inflacionário”, comenta o diretor do Bar do Adão. “Fizemos mudanças no cardápio, alguns movimentos inéditos. Tivemos que repensar nosso mix de oferta por conta da inflação de custos e despesas que nosso setor tem sentido”, acrescenta.
Para 2023, a Abrasel trabalha com a previsão de crescimento de 2% a 3% para o faturamento dos bares e restaurantes. Mas não será a classe média, que concentra parcela relevante dos trabalhadores em modelo híbrido a impulsionar essa expansão. “O crescimento será puxado pela base da pirâmide”, diz Solmucci, também citando a importância de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, para essa expansão.
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