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Artigo: Manifesto de uma mulher cervejeira

Em artigo no Guia, Amanda Reitenbach aponta necessidade de mudanças ocorrerem em todas esferas da sociedade

*Por Amanda Reitenbach

Com a chegada de março, começam a surgir as campanhas sobre o Dia Internacional da Mulher. E no segmento cervejeiro não é diferente. Na semana do dia 8 de março, mulheres são convidadas para realizar uma fala sobre o que é ser mulher em um mercado majoritariamente masculino e quais são as dificuldades encontradas na carreira.

As dificuldades incluem serem chamadas para falar do mesmo assunto todos os anos ou participar de campanhas de cervejarias para criar empatia e visibilidade para a marca com um assunto que fica nos Trendings Topics por uma semana, enquanto no restante do ano não se lembram de chamar as mesmas mulheres para falar de cerveja, malte ou lúpulo, mesmo quando são especialistas no assunto.

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Como cientista e CEO do Science of Beer Institute, passei a adotar práticas que buscam a equidade de gênero em meus projetos. Minha trajetória que nasceu na ciência traz o amparo e a ascendência de mulheres que passaram por esse caminho. E sigo lutando para dar mais espaço a elas.   

As mulheres ocupam somente 37,4% dos cargos de gerência. E, quando se trata de alta gestão, só temos 8% das mulheres nos cargos de CEO. Isso é preocupante quando sabemos que a média de instrução das mulheres chega a ser 10% maior do que a dos homens. Por isso, eu acredito que ações que fortalecem o trabalho de mulheres valem mais do que campanhas que exaltam nossa beleza.

Essas estatísticas mostram que precisamos trabalhar muito mais para atingir o mesmo sucesso que homens têm, sem o mesmo talento ou experiência. Estudamos, criamos e conquistamos o mundo. E, ainda assim, os espaços de liderança nos são negados apenas por sermos mulheres.

Nos últimos anos, abri ações afirmativas nos cursos do Science para bolsas parciais ou integrais para mulheres, pessoas negras e/ou que se encontram em situação de vulnerabilidade econômica. Esse projeto é só uma parte do que eu posso fazer pelo mercado. Já formamos mais de 10 mil alunos e busco dar oportunidade para pessoas que sonham em estudar cerveja.

A equidade não pode ser um apêndice, precisa estar na governança e no ponto de partida para seleção de equipe. Do contrário, não se está fazendo algo que se reflita na sociedade. Do ponto de vista de uma empresa, essa ideologia vai além. Vai se ficando para trás, perde-se prestígio e há risco de perder dinheiro. O país está atrasado em relação ao mundo, que está caminhando e avançando nas questões de equidade.

A palavra feminismo ainda assusta e afasta muita gente, principalmente no meio cervejeiro, mas essa pauta não é contra os homens e sim a favor das mulheres. Ser feminista é usar uma lente que te permite enxergar o mundo por outras perspectivas além da sua. Perspectivas, inclusive, que nos alertam quando estamos tendo estruturas de opressões. Meu convite é para todos passarem a usar essas lentes.

Ainda vivemos em um sistema de opressões que beneficia a poucos. Um homem não vive experiências de machismo, logo é muito difícil que compreenda como esse machismo opera. E pessoas héteros não sofrem com a LGBTfobia para compreender a deslegitimação de sua orientação sexual. Não há como enfrentar a desigualdade no Brasil sem enfrentar a desigualdade de gênero e raça.

Por estarmos em um mercado que permeia a diversão e por falar de bebida alcoólica, ainda há muita objetificação da mulher. Passamos por diversas situações de assédio moral ou sexual em eventos cervejeiros, nos quais ainda temos que repetir que NÃO É NÃO para evitar comportamentos nocivos para a mulher. É impressionante que ainda no século XXI precisemos discutir respeito e consentimento.

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E, ainda assim, nos últimos dois anos, o mercado foi inundado por diversos episódios de machismo, misoginia, homofobia e racismo, vide o caso da cervejeira Brienne Allan nos Estados Unidos e de diversas mulheres no Brasil. É preciso discutir como podemos melhorar o segmento para então ter um ambiente mais inclusivo e acolhedor. E as mulheres devem ser protagonistas nesse diálogo.

A mensagem que precisamos passar é que ao invés de desejarem feliz Dia das Mulheres, valorizem nosso trabalho, contratem os serviços de mulheres, comprem de mulheres, fortaleçam suas ações e as deixem tomar os postos que lhes são de direito. A representatividade é de extrema importância para que o posicionamento saia do papel e faça a diferença

Amanda Reitenbach, fundadora do Science of Beer Institute

Nós precisamos ocupar cargos que possam efetivamente realizar as mudanças estruturais que irão beneficiar a todos, e não só aos homens. Para mim, a melhor pessoa para tomar decisões para mulheres, são as mulheres.

As pequenas ações ao longo da minha carreira são a forma que posso contribuir para o crescimento dos trabalhos de mulheres, dando oportunidades profissionais e indicando para vagas que comumente são tomadas por homens. Ainda há muita resistência em contratar mulheres nas cervejarias, por exemplo, mesmo que tenham instrução comprovada.

A mulher, além de ter de se provar constantemente na sua área de atuação, ainda sofre com a jornada dupla de trabalho. No Brasil, a mulher tem média de 18,1 horas de trabalho de afazeres domésticos durante a semana, enquanto os homens têm 10,5h. E essa mudança deve ser estrutural, vindo das ações que efetivamente deem voz para que as mulheres estejam em postos de decisão.

Essas ações podem ser: implementação de uma política de contratação e gestão que considere mulheres para os cargos e tolerância zero de discriminação de gênero, a contratação de uma consultoria feminina especializada em treinamento educacional e preventivo contra violência de gênero, estabelecimento de protocolos de prevenção e políticas contra assédio de todas as origens em local de trabalho, promovendo um espaço seguro para mulheres.

Além disso, as cervejarias, bares e pubs podem instruir a equipe e comunicar através de seus canais e espaços físicos que a mulher que se encontra em alguma situação de assédio pode falar abertamente com os colaboradores e/ou gerência. São ações como essas que podem realmente fazer a diferença.

Temos muitas mulheres extremamente competentes e experientes no mercado cervejeiro. Contratem mulheres para que estejam no processo de decisão, contratação e gestão dos seus negócios. Isso vai ter muito mais significado do que uma cerveja rosa e perfumada para 8 de março. As ações de uma empresa podem ser um protesto silencioso que endossa o poder às mulheres competentes de nosso mercado e ainda acho que não é suficiente: precisamos de todas as mulheres!

No mês da visibilidade das mulheres, queremos mais do que flores e homenagens, que, claro, são bem-vindas. Mas queremos espaço e valorização de atuação, políticas públicas, espaço de fala, ações e programas que valorizem a equidade e diminuam as violências de gênero. Essas transformações precisam ser em todas as esferas: instituições, associações, cervejarias e todos os demais tipos de negócios.


*Amanda Reitenbach é cientista com doutorado em Neuroengenharia. Fundou o Science of Beer Institute e é responsável pela organização e curadoria do Brasil Beer Cup e do Beer Summit.

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