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Cerveja e Gestão: F*** YOU, CO2! Por trás da cortina de fumaça do aquecimento global

Conforme publicado no Guia, na reportagem BrewDog vai plantar floresta para se tornar primeira cervejaria ‘carbono zero’, as cervejarias estão tomando a frente para liderar processos de neutralização de carbono. Este momento foi antecedido por décadas de inação, o que nos levou aos efeitos das crises climáticas sentidas mundo afora, como enchentes, secas e furacões em regiões ou com frequências imprevistas há alguns anos.

Para assumir a responsabilidade nesta resposta, as cervejarias têm contado com a colaboração horizontal, feita em parceria com centros de pesquisas, universidades e especialistas em pegada de carbono e sustentabilidade. Exemplos têm despontado em diversos países, como nos Estados Unidos, com a Fat Tire, na Europa Ocidental com a Carlsberg ou no Brasil com a Colorado (Ambev).

Esta coluna foi ao fundo do gargalo para conhecer a colaboração horizontal feita entre a cervejaria BrewDog e o professor Mike Berners-Lee, cujo time de pesquisadores tem mapeado uma jornada de transformação em torno da cadeia de suprimentos completa desta cervejaria.

Essa parceria entre empresas e academia é muitas vezes dada como inusitada, com críticas principalmente à academia, apontada como uma “torre de marfim” com fim em si mesma. A colaboração horizontal identificada na BrewDog, além de desmitificar este ponto, nos mostra que não precisamos aguardar que governos e políticos sejam os messias anunciantes da salvação.

Pode-se dizer que, apesar de estar dando seu primeiro passo para neutralizar emissões de carbono, a BrewDog quer entrar com o pé na porta neste balanço ético-sócio-ambiental. A cerveja é um produto consumido mundialmente, muitas vezes interpretada pelo viés negativo de seu uso sem moderação. Contudo, a cervejaria demonstra entender que grandes poderes acompanham grandes responsabilidades, e está elevando o sarrafo para todos os demais negócios sobre a participação de cada companhia global em relação aos efeitos das mudanças climáticas.

Isso tem acontecido não somente cortando suas emissões de carbono em todos os elos da cadeia de suprimentos, mas por meio de uma comunicação sem rodeios, direta ao ponto, como exige-se no mundo dos negócios. A companhia reconhece que a cadeia tem suas falhas, mas é honesta em relação a elas, conforme aponta o professor Berners-Lee no relatório de sustentabilidade “número 1” da BrewDog. O significado ultrapassa a mera colaboração vertical ou a competição entre as cadeias de suprimentos de cervejarias.

O recado do professor é simples: “todos os outros (negócios) deveriam fazer o mesmo”. Dessa forma, a BrewDog visa encontrar e ajudar a cortar o topo da pirâmide das atividades responsáveis pelas principais emissões de carbono, para atingir seu crescimento sustentável em tudo que faz, comunica e pensa (com moderação, é claro).

Conforme mostra o relatório da cervejaria, o IPCC (órgão das Nações Unidas para ações intergovernamentais) definiu que as indústrias precisam reduzir, até 2030, sua poluição ao ambiente antes que as mudanças climáticas alcancem níveis irreversíveis. Como as modificações para fins voltados ao meio ambiente ou sociais acontecem em uma velocidade inferior às mudanças com finalidade econômica, a cervejaria acredita que necessita fazer as coisas certas, como exemplo a todas as demais indústrias. E o melhor tempo para esta ação é agora, e cada um com sua parte.

Juntos com a BrewDog, neste desafio, estão outras companhias como Patagônia, Carlsberg e Microsoft, que estão buscando cumprir o proposto pelo IPCC até 2030. No entanto, outras empresas com ampla capacidade de vender seus produtos mundialmente e com alto potencial para investir em ações sustentáveis estão bem atrasadas. A Amazon, por exemplo, prevê que atingirá esta meta em 2040, enquanto Diageo, British Petroleum, Nestlè, Unilever e Ben & Jerrys, apenas em 2050.

Isso significa dizer que o livro que você escolheu para ler (mesmo o e-book) enquanto toma seu sorvete ou aproveita seu chocolate preferido podem derreter nosso clima, da mesma forma que seu chope de sábado o esquenta.

Além do aquecimento global provocado pelos níveis recordes de CO2, as mudanças climáticas trazem outros riscos em cascata. Dentre eles, elevação do nível do mar, guerras por recursos naturais (especialmente pela água potável), doenças que podem se espalhar mais rapidamente, migrações de cidades inteiras, encolhimento da produtividade ou qualidade de alimentos, inflação de produtos básicos para alimentação familiar e ampliação dos níveis de pobreza global.

Para mitigar estes riscos, que colocam todos os negócios em xeque, a BrewDog investiu mais em pesquisa desde que começou a se envolver com apresentações voltadas às mudanças climáticas, afirmam James e Martin (capitães e fundadores da cervejaria). Eles acreditam no consenso científico de que “somos como sonâmbulos à beira de um precipício”.

Ao menos que busquemos uma saída global para esta questão urgente, a cervejaria aponta que os resultados podem ser catastróficos. Para isso, propõe catalisar esta mudança ao liderar, na sua indústria, o exemplo para as demais empresas responsáveis por emissões de carbono.

Erros existem e continuarão existindo, mas a mudança começa agora para os fundadores da marca. A proposta parte do princípio da completa abertura e transparência em tudo que fazem. Isso significa que a cervejaria pretende, como em um casamento, manter a união na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Para isso, se propõe a ampliar os esforços e aproximação em sua colaboração horizontal com o time do professor Mike Berners-Lee, em busca do status de “carbono negativa”.

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Para uma companhia ser carbono negativa, ela precisa ter sua pegada de carbono reduzida para níveis inferiores a zero, de forma a apresentar um efeito em rede na remoção do CO2 da atmosfera, ao invés de apenas adicioná-lo.

Para entender melhor o que é a pegada de carbono de uma cerveja, veja este exemplo em uma simples lata da deliciosa Punk IPA: 31% do carbono é gerado pela produção de lúpulo, 29% pela produção de cevada maltada, 15% pelo gás verde, 10% pela geração de eletricidade, 14% pela embalagem e 1% pelo consumo de água. Observe que não está incluso neste processo a logística que leva a cerveja até você ou o consumo de energia e o uso de eletrodomésticos para servi-la na temperatura que você gosta.

Para considerar em seu cálculo aquilo que não consegue medir internamente em suas cervejarias, a BrewDog tem removido duas vezes mais carbono da atmosfera que suas emissões anuais. Enquanto isso, se prepara para chegar ao nível zero. Uma das principais ações foi a compra de aproximadamente 830 mil hectares para criar sua própria floresta em uma área de pastagem ao norte das Highlands escocesas. Até 2022, a cervejaria terá plantado um milhão de árvores.

Enquanto a floresta vem (tomara que lobos também), a cervejaria investe em seus parceiros por meio de colaboração vertical em seus projetos. O objetivo é a obtenção dos mais altos padrões de certificações examinadas pelo time da “Small World Consulting” através da colaboração horizontal.

Segundo Jack Spees, executivo-chefe da Ribble Rivers Trust, “o compromisso da BrewDog para reduzir e capturar carbono está tomando a posição de liderar o combate às mudanças climáticas (…). Isto e sua abordagem científica estão perfeitamente alinhados com nosso trabalho e nós esperamos que seu exemplo seja seguido por outros”.

Para Geogiana Rogers, diretora da Carbon Neutral, “a BrewDog tem feito mais do que tratar a questão da nossa bem real crise climática; a cervejaria tem reconhecido a necessidade de parar a perda de biodiversidade, por meio de investimentos em reflorestamento no Outback australiano (…), mostrando que esta abordagem é um verdadeiro alerta sobre nosso impacto no planeta”.

PARCEIROPROJETOCERTIFICAÇÃOPAÍS
The Woodland TrustBosquesWoodland Carbon Co2deReino Unido
Carbon NeutralBiodiversidadeGold StandardAustralia
Ribble Rivers TrustBosquesWoodland Carbon Co2deReino Unido
Nature Conservancy of CanadaSilvicultura e PaisagensCCB Standards, Verified Carbon Standard (VCS)Canadá
Quadro 1: Projetos apresentados pela Cervejaria BrewDog até iniciar a plantação de sua Floresta


Para os adeptos dos Quadros de Modelo de Negócios (Business Models Canvas), a cervejaria considera que o principal é não emitir carbono. Entretanto, seu trabalho é gerar de forma rápida um plano de 24 meses para redução da pegada de carbono em suas operações, em paralelo à sua jornada para se tornar zero desperdício.

Entre as ações desse ousado plano estão:

  • Energia verde – Converter o principal subproduto natural da produção de cerveja, a cevada maltada, em gás verde (biometano). Dessa forma, retira a dependência de qualquer necessidade de combustíveis fósseis nos processos cervejeiros;
  • Força dos ventos – Toda a eletricidade usada para preparar a cerveja e servi-la em bares próprios no Reino Unido vem diretamente de turbinas eólicas locais. Assim, fica fácil apreciar melhor o clima escocês, não é mesmo?;
  • Biofábrica digestora anaeróbica – Como a água é um dos recursos mais preciosos, seu fornecimento está sob pressão crescente em relação ao uso adequado. A cervejaria não quer gastar nenhuma gota. Por meio de sua biofábrica digestora anaeróbica, é capaz de tornar os recursos hídricos antes desperdiçados em H2O pura e biometano, para reuso em sua produção até 2021;
  • Frota logística elétrica – Os projetos estão acelerados para que a frota logística esteja completamente elétrica e nas ruas ainda neste ano, ao melhor estilo punk elétrico;
  • Recuperação do CO2 da fermentação – Um dos subprodutos da fermentação é o CO2 que, ao ser capturado durante os processos produtivos, pode ser reutilizado para gaseificar as próprias cervejas.

Percebe-se nessas ações o envolvimento de conhecimentos multidisciplinares que jamais funcionariam sem equipes de profissionais altamente qualificados, com espírito voltado às práticas sustentáveis, em parceria com acadêmicos que podem apresentar soluções variadas para os diferentes desafios existentes em cada processo interno ou externo aos elos da cadeia de suprimentos. Por isso, um brinde ao empreendedorismo sustentável por parcerias acadêmicas.

Na próxima coluna, traremos mais informações sobre outras cervejarias, práticas de colaboração entre empresas e academia e mais detalhes sobre a pegada de carbono na formação de uma rede carbono-zero. Por gentileza, encaminhe seus comentários e sugestões para nosso endereço de e-mail, será um prazer receber seu contato (professormarcelosa@gmail.com). Cheers, com carbono-zero p****!


Alexandre Luis Prim é professor das Faculdades Senac Blumenau, Saint Paul e Uniasselvi nas áreas de administração e supply chainAssina também a coluna Marcelo Sá, doutor em administração e coordenador acadêmico na Saint Paul Escola de Negócios

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