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Entrevista: Cerveja brasileira replica bem, mas precisa melhorar a criatividade

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Sócio do The Lab, bar secreto conhecido pelos drinks originais, Luis Marcelo Nascimento aponta: Ainda não criamos nada do zero

O mercado brasileiro de cerveja tem se consolidado como um excelente aprimorador de estilos e receitas externos, especialmente vindos dos Estados Unidos. Falta, porém, desenvolver melhor a criatividade para ser ele próprio um grande propulsor de ideias.

Essa é a análise de Luis Marcelo Nascimento, sommelier, mestre em estilos, especialista em destilados, juiz do Beer Judge Certification Program (BJCP), mais importante instituição mundial de juízes do setor, e ex-sócio da cervejaria-escola Sinnatrah, onde trabalhou por cinco anos.

“Somos muito mais replicadores da criatividade alheia, pegamos muito mais referências que já existem e damos uma mexida, uma adaptada ao que temos localmente, uma acrescida. Mudamos algo. Mas criar do zero mesmo isso a gente não fez ainda”, avalia o especialista.

Criatividade, aliás, é o mote de Luis Marcelo, que hoje presta consultoria na criação de receitas com foco em desenvolvimento de produtos, tanto de cervejas quanto de destilados e fermentados em geral.

Seu foco intensivo na criação resultou no surgimento de destacados bares da cena paulistana onde atua como sócio: o Volátil, o H., que está em testes e será oficialmente aberto em janeiro, e o The Lab, o famoso bar secreto onde testa suas criações.

Em entrevista ao Guia da Cerveja, Luis Marcelo fala sobre os aspectos que poderiam ser melhor explorados pelo mercado, detalha a importância de aprender com outros segmentos – como o de perfumes! – e discorre sobre o que seria o grande inimigo da criatividade: a ganância.

Confira, a seguir, a entrevista completa com Luis Marcelo Nascimento, consultor, juiz do BJCP e sócio do Volátil, do H. e do The Lab.

Sempre tivemos aquela história de que brasileiro é criativo, inventivo, original. Isso no mundo da cerveja é verdade ou clichê? Somos criativos para fazer cerveja?
A minha resposta é que somos médio criativos. Somos muito mais replicadores da criatividade alheia, pegamos muito mais referências que já existem e damos uma mexida, uma adaptada ao que temos localmente, uma acrescida. Mudamos algo. Mas criar do zero mesmo isso a gente não fez ainda. Brasileiro é bom de fazer gambiarra quando faz cerveja em casa. Isso certamente somos fortes.

Quais seriam as referências que utilizamos para fazer as adaptações?
A escola norte-americana. Você pode ter certeza de que dois, três meses após surgir algo lá, estará aparecendo no mercado brasileiro. A maioria das cervejarias apostam nisso hoje, eles basicamente copiam o que aparece lá, o que vira moda lá.

A Catharina Sour é um exemplo de criatividade aprimorada?
Isso é muito controverso, tem dois viés de opinião. Um que segue um pouco pelos padrões do próprio estilo, de teor alcoólico, de utilização da fruta, etc. Mas isso não é bem uma novidade, não é algo que foi feito do zero. Na Flórida tinha um estilo chamado Florida Weisse que era basicamente a mesma coisa. A Berliner Weisse com fruta, apesar de não chegar muito localmente ao Brasil, ou de não ter fábricas grandes que produzem, é feita naturalmente pelos próprios bares em Berlim, usando xaropes, frutas na cerveja. Então, é algo muito parecido com a Catharina Sour. Talvez, com o tempo, isso se divida mais, como sempre acontece com coisas novas. Cria uma maior identidade e isso vai se dividindo. Mas, hoje, é algo nosso. Só não sei se fazer uma Sour com frutas é algo tão criativo e inovador assim, sendo que já foi feita no mundo inteiro. Pode ser que tenha mudado algumas características. Criamos algo nosso, mas baseado em algo que já existe. Não tem nem a questão de usar frutas nativas, nossas. Você pode usar qualquer uma que encontre no mercado, então, no fim das contas, qual a diferença?

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E qual seria esse potencial de criatividade para ser explorado em nosso mercado?
Parece que não, parece repetitivo, mas acho que é o uso de frutas mesmo, de ingredientes locais. Não só frutas. Tem um monte de componentes locais que a gente desconhece. Poderia partir daí.

Como se chega a uma receita original e quanto tempo leva para chegar a bons resultados?
Depende muito. Basicamente, para uma receita ser reconhecida, tem primeiro um cara que coloca no mercado, uma cervejaria que começa. E, aí, isso conquista o consumidor, as outras cervejarias enxergam como um produto bom para o público e começam a replicar. Isso acontece com todos os estilos. Alguém é o primeiro a colocar no mercado, às vezes com o nome marqueteiro, às vezes não, às vezes com o mesmo nome que já tinha antes, mas começando a falar que aquilo é diferente. Muita coisa surge, na verdade, da necessidade das cervejarias se destacarem das outras, de criar uma coisa nova. Nunca parte da ideia de que é um estilo novo, mas de que aquilo é um diferencial para o consumidor. E isso vai se definindo como um estilo novo.

Esse processo tem algum padrão de tempo?
É muito improvável. A New England IPA, por exemplo, é um estilo que existe há mais de década e só agora foi reconhecido como novo. E tem o Brut IPA, por outro lado, que fazem há muito pouco tempo.

Quanto a produção em larga escala dificulta o processo criativo?
O que limita a criatividade não é a escala, mas a ganância. Com certeza absoluta. É a necessidade do cara fazer um produto barato, com custo baixo e lucro alto para dar dinheiro ao investidor. Não vejo como a escala pode ser um problema. Lógico que quando você usa fruta, um produto in natura, isso dificulta. Mas existem, por exemplo, grandes empresas que fazem o processo de extrair a essência natural da fruta, o que é apenas terceirizar um processo de entregar o que a fruta já ia te entregar. Você não está fazendo um produto pior, mas apenas passando para alguém a capacidade de extrair algo da fruta. Não piora a qualidade. Mas, claro, nessas horas, o cara te oferece um produto sintético, algo que não é natural, de qualidade baixa, e aí está o problema. O cara vê a oportunidade de ganhar mais pagando menos.

Fora que criatividade está dentro da gente. O que limita é a ganância, ou mesmo a falta de buscar coisas novas, falta de curiosidade, de frequentar outros mundos. O cervejeiro que só bebe cerveja, por exemplo. O cara é um cervejeiro, só bebe cerveja, frequenta os mesmos restaurantes, lê os mesmos livros… É impossível esse cara ser criativo. Ele não tem insights externos de novidade, é sempre o mesmo mundo. Mas o que limita mesmo, quando se pensa em escala, é a ganância.

Pensando em buscar esses novos mundos, a educação cervejeira fomenta essa possibilidade ou tolhe a criatividade?
Ela é fundamental para você fazer cerveja, mas não pode ser a sua única fonte de inspiração. Vou te dar um exemplo básico: cerveja tem aroma; mas quantos cervejeiros fizeram, procuraram ou estudaram como se faz perfume, para aprender a extrair o aroma? Provavelmente nenhum. Só que não tem ninguém mais especialista em extrair aroma do que quem faz perfume. É esse tipo de busca, de procurar coisas novas, que precisa ir atrás. Tem especialista em um monte de coisa que pode agregar. Ficar só dentro do mercado cervejeiro não vai dar criatividade a ninguém.

Nessa linha, é importante transitar por outros segmentos de bebida, como gim, vinho, cachaça?
Na minha opinião isso é a coisa mais importante que pode ter para o cervejeiro, mais importante até do que ele beber cerveja. Ele vai descobrir coisas novas, conhecer coisas diferentes, novas técnicas, pensar em outros insumos. É fundamental conhecer outras bebidas. E estudar, não só beber. Hoje cervejeiro tem muito orgulho de ser sommeliere de cerveja, mas ele não sabe se é um destilado bom ou ruim. Precisa de outras referências, precisa estudar tudo.

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