Entrevista: “Produção no campo precisa estar no mesmo passo das cervejarias”
A indústria cervejeira brasileira é pujante, como confirmado pela presença de grandes marcas no país e pelo protagonismo das suas empresas, assim como pela inventividade das artesanais. E a produção agrícola de insumos pode seguir o mesmo passo, se adaptando para conseguir atender as demandas. Esse casamento de atividades é o caminho enxergado por Edivaldo Del Grande, presidente da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp), para a expansão de culturas como as do lúpulo e do malte no país.
Com a experiência de mais de trinta anos como produtor rural e de mais de duas décadas como dirigente de cooperativas e de entidades agropecuárias, Edivaldo avalia, em entrevista ao Guia, que o cooperativismo pode ser fundamental para fomentar o cultivo do lúpulo, por exemplo, um insumo muito importado pelas cervejarias, mas que, na opinião do presidente da Ocesp, poderia fazer parte da agricultura familiar.
Esse trabalho unificado, em sua visão, pode permitir uma melhor organização do setor, que também precisa ter o apoio de institutos de pesquisa para adequar essas culturas de insumos cervejeiros às características brasileiras, conseguindo atender as demandas da melhor forma.
Além disso, na visão de Edivaldo, juntos, os produtores tendem a se tornar mais competitivos, seja pelo acesso à tecnologia ou pela redução de custos. Para o presidente da Ocesp, inclusive, mais do que aumentar a produção, o agro brasileiro deve se preocupar em agregar valor ao que já colhe e encontrar novas oportunidades de mercado.
Ele ainda lembra que o cooperativismo no setor cervejeiro pode funcionar tanto para a produção de ingredientes, como a cevada e o lúpulo, como no de consumo, em que produtores se unem para a aquisição de insumos. Além disso, aponta a possibilidade de outras fontes de receita, como o turismo rural. Ou seja, as oportunidades de união entre o campo e a indústria cervejeiras – e mesmo outros segmentos da sociedade – são muitas.
A Ocesp, presidida por Edivaldo, reúne mais de mil cooperativas e 3,6 milhões de cooperados em diversos segmentos da economia. E, além de presidir essa importante organização, ele ainda é coordenador do Fórum Paulista do Agronegócio, um movimento que congrega 45 entidades da cadeia de produção agropecuária.
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Confira as avaliações do presidente da Ocesp sobre o momento do cooperativismo e como ele pode contribuir e ser aplicado ao setor cervejeiro na entrevista abaixo ao Guia.
Quais são os principais desafios para as cooperativas neste momento?
Vamos analisar o agronegócio brasileiro. As oportunidades continuam sendo imensas, uma vez que o Brasil é campeão na produção de alimentos e nenhum país tem condições parecidas com as nossas. A demanda por alimentos no mundo continua crescendo. E, aqui, temos um grande desafio, porque o mundo cobra do Brasil uma produção maior. Mas, melhor do que produzir e vender commodities, precisamos agregar valor aos nossos produtos, trazer mais divisas e aumentar a renda no campo. Além disso, estudar novas oportunidades de negócio, novos parceiros comerciais, novos nichos de mercado, inclusive no âmbito interno. Todos esses são também desafios para as nossas cooperativas agropecuárias. Outra questão, aguçada pela pandemia, tem a ver com a saúde das pessoas. Seja saúde relacionada a doenças virais, seja a atenção a procedimentos sanitários, a preocupação de consumir alimentos saudáveis, a qualidade do ar que respiramos… Temos que prestar muita atenção a estes sinais dos novos tempos, a esta “nova” e fortalecida exigência dos consumidores, para que não tenhamos problemas na comercialização de nossos produtos agropecuários.
Como o cooperativismo pode ajudar na superação da atual crise?
As cooperativas têm algumas características que as tornam mais resistentes às crises. São empreendimentos mais adequados para o crescimento econômico com justiça social. Desde meados do século XIX, quando surgiu na Inglaterra o cooperativismo moderno contra os efeitos nocivos da Revolução Industrial, as cooperativas são formadas com um único objetivo: melhorar a vida de seus participantes, os cooperados. Em geral, são pequenos empreendedores que se unem em uma cooperativa para ingressar no mercado competitivo. Juntos, eles conseguem diminuir custos, ganham escala e aumentam o poder de barganha, tanto para vender como para consumir algum produto ou serviço. São os próprios cooperados, através do voto em assembleia, que direcionam os rumos do negócio. A renda obtida é distribuída proporcionalmente à participação ou trabalho de cada um. Essa distribuição mais justa, pulverizada, faz com que os cooperados movimentem a economia de suas localidades, atraindo investimentos em educação, saúde, transporte, comércio, lazer, etc. Toda a comunidade ganha com a cooperativa. Isso foi medido pela USP. Onde tem cooperativa, o Índice de Desenvolvimento Humano é melhor. A própria ONU tem incentivado e divulgado o cooperativismo como modelo de negócio local mais sustentável.
Muitas vezes, quando se pensa na produção do agro brasileiro, há uma associação imediata com grandes produtores, mas a realidade é que o setor é composto, majoritariamente, por pequenos produtores. Como você enxerga a importância do cooperativismo no agro? E como ele pode se tornar um parceiro das indústrias cervejeiras?
Isso é verdade, principalmente nas cooperativas. Temos cooperativas gigantes no mercado, com marcas famosas, instalações em vários municípios e estados, exportando para diversos países, que, na verdade, são constituídas da união de mini e pequenos produtores. Justamente por isso, o cooperativismo tem uma importância enorme para o agronegócio. Os pequenos ganham mais competitividade quando associados a cooperativas. Elas organizam os produtores, passam orientações e transferem tecnologia para as propriedades de seus cooperados. Além de diminuir custos e aumentar o poder de barganha, as cooperativas elevam a qualidade do trabalho de seus produtores associados. Isso pode ser muito útil para a indústria cervejeira, uma vez que o Brasil importa grande parte dos ingredientes para a produção de cervejas. As cooperativas podem ser bons parceiros comerciais das cervejarias no fornecimento de matéria-prima de qualidade, à altura das exigências do setor.
Nesse momento, há um crescimento do cooperativismo e da sua cultura no setor cervejeiro. Como o senhor enxerga esse momento e como o cooperativismo pode contribuir para a evolução desse segmento?
Com o passar dos anos, a sociedade vai percebendo cada vez mais a importância do cooperativismo para as necessidades locais e para um desenvolvimento econômico mais equilibrado. No estado de São Paulo, já somos 3,6 milhões de cooperados em mais de mil cooperativas. Temos cooperativas nas mais variadas atividades econômicas, como agropecuária, crédito, consumo, educação, eletrificação rural, saúde, transporte, reciclagem, serviços em geral. No Brasil, são 5.300 cooperativas e 15,5 milhões de cooperados. Praticamente, 50% dos alimentos produzidos no país passam por cooperativas. Na área da saúde, 38% do mercado de planos assistenciais está nas mãos de cooperativas. O cooperativismo de crédito já tem a maior rede de agências do Sistema Financeiro Nacional. Vejo que, com o crescimento das cervejarias, principalmente as artesanais, o modelo cooperativo pode ser interessante, sim. Tanto o cooperativismo agro, para produção e fornecimento de cevada e lúpulo, como o cooperativismo de consumo, que pode unir produtores de cerveja para comprar insumos em quantidade e qualidade a um custo mais baixo.
O Brasil ainda importa boa parte do lúpulo utilizado na indústria cervejeira, mas recentemente o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura e a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativas, vinculada ao Mapa, iniciaram um projeto de cooperação técnica para fortalecer a cadeia do lúpulo. Qual é a importância desse tipo de iniciativa?
O Ministério da Agricultura tem feito um trabalho muito bom sob o comando da ministra Tereza Cristina. Todo o suporte para produção agropecuária no Brasil, desde recursos e condições para custeio, investimentos e industrialização, até o aporte para subvenção do seguro rural vem evoluindo. O Mapa, nos últimos anos, também ampliou e muito o mercado internacional para os nossos produtos. No caso do setor cervejeiro, que é mais uma questão interna, vejo com bons olhos a preocupação do Mapa, por meio da Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativas. É uma iniciativa que, além de incentivar a produção de lúpulo no país – uma vez que importamos praticamente 100% –, deve despertar o interesse de produtores e impulsionar ainda mais a organização do setor cervejeiro. Acho importante também o trabalho de nossos institutos de pesquisa, para melhorar e adequar as variedades de lúpulo e cevada às condições que temos no país.
O senhor enxerga a possibilidade de a produção do lúpulo brasileiro integrar a agricultura familiar através do cooperativismo?
Com certeza. O cooperativismo pode ser um grande aliado do setor cervejeiro, tanto na produção agrícola como no consumo de insumos para a fabricação e venda das cervejas. O lúpulo pode ser uma alternativa de renda para os pequenos produtores.
O cooperativismo encaixa-se na organização desses produtores, oferecendo melhores condições para produção – em termos de custos principalmente – e orientação técnica sobre variedades mais adequadas, tecnologia e tratos culturais para fazer frente às exigências das cervejarias, sejam elas grandes ou artesanais. Mas, importante frisar, a produção no campo tem que estar pari passu com as necessidades das cervejarias. Deve ser uma parceria comercial para que os resultados sejam ainda melhores aos dois lados.
Edivaldo Del Grande, presidente da Ocesp
Como o senhor vê a cultura da cevada, fundamental para as maltarias e a produção das grandes cervejarias, inserida dentro do cooperativismo? Qual é o cenário para essa cultura?
O cultivo da cevada também pode ser estimulado por meio de cooperativas. Somos altamente dependentes de importação. A cevada é uma interessante alternativa para cultura de inverno, inclusive mais rentável. Aliás, em algumas cooperativas da região Sul, os cooperados já aderiram ao plantio da cevada.
Dentro do segmento de cervejas artesanais, temos acompanhado o crescimento de cervejarias rurais. Como enxerga esse campo de atuação para o cooperativismo? E quais outras oportunidades você enxerga dentro do cooperativismo para a atividade cervejeira?
É um nicho de mercado crescente e deve ser olhado com atenção pelos produtores rurais e suas cooperativas agropecuárias. Mas também quero destacar aqui a importância da cooperativa de consumo. Os cervejeiros artesanais podem se unir e montar uma cooperativa de consumo para fazer compras em conjunto. Assim, conseguiriam adquirir insumos em maior quantidade, barateando o custo para todos. Na cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, já existe uma experiência de cooperativa de cervejeiros (a Cooperbreja). Como se fosse uma central de compras, que beneficia todos os envolvidos, cooperados, que na verdade são os donos da cooperativa. Outra sugestão seria a inclusão dessas cervejarias artesanais nos roteiros de turismo rural. Seria mais uma fonte de renda para os cervejeiros.
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