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Entrevista: Heineken diz encarar pandemia com mais ‘ação do que comunicação’

Para o diretor de comunicação Mauro Homem, consumidor vai exigir posicionamento mais incisivo das marcas do setor daqui para a frente

O início da pandemia do coronavírus em março frustrou o bom começo de ano do Grupo Heineken no Brasil e impôs uma agenda completamente diferente para a companhia. A partir desse ponto, os esforços se voltaram para a mitigação dos prejuízos, além da participação em iniciativas de apoio à sociedade.

Em entrevista ao Guia, o diretor de comunicação do Grupo Heineken, Mauro Homem, revisita o posicionamento e as ações da companhia perante a pandemia, que começaram olhando para dentro e tiveram um conjunto de iniciativas relevantes em favor dos pequenos varejistas, o elo mais frágil da cadeia de valor. “Colocamos como desafio entender como podemos, por meio da força que temos como companhia, alavancar esses negócios em um momento difícil”, detalha ele.

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O diretor da Heineken enxerga na pandemia um momento de exploração de novas possibilidades de conexão com o público – antes muito focada na experiência presencial -, mas sugere a necessidade de uma postura mais contida das marcas perante um consumidor mais exigente e crítico quanto ao comportamento das empresas. Por isso, defende o foco maior nas ações do que nas iniciativas de marketing em um momento tão delicado para a sociedade. “Não queremos soar oportunistas em hipótese alguma.”

Confira, a seguir, a entrevista completa com Mauro Homem, diretor de comunicação do Grupo Heineken, sobre os reflexos da pandemia.

Como se estruturou a reação do Grupo Heineken ao contexto da pandemia?
A Heineken vinha em um começo de ano muito promissor, entregando resultados bons em vários segmentos. O primeiro trimestre mostrava que estávamos em um caminho certo e fomos pegos de surpresa. Eu me lembro que quando conversávamos sobre a crise, ouvíamos do time de Ásia/Pacífico sobre a gravidade disso e pensávamos que era um outro cenário, longe do nosso. Quando chegou, chegou muito rápido e tivemos de tomar decisões rapidamente.

Em primeiro lugar, estruturamos um plano de trabalho focado na proteção das pessoas e na continuidade do negócio, mantendo-o viável diante dessa condição. Já tínhamos a experiência de fechamento de outros países para isso. Outro ponto seria a manutenção do caixa da Heineken, sabendo que a pandemia iria gerar uma crise de crédito.

E que ações de fato foram tomadas?
Quando falamos da preocupação com as pessoas, mais de 20 ações foram implementadas: fechamento de escritórios, suspensão de contato com clientes, distanciamento social nas operações de cervejaria, mudança nos nossos sistemas de transporte, de alimentação e um monitoramento de saúde corporativa muito forte. Temos uma população de 13 mil pessoas espalhadas pelo Brasil, isso era muito importante e foi acontecendo conforme a pandemia evoluía.

A pandemia nos impunha uma necessidade de olhar para a saúde mental do time. Ajustamos a linguagem aos nossos diferentes públicos e falamos também com as famílias do nosso time. Em março, já tomamos a decisão de prover estabilidade, anunciando que não faríamos nenhuma demissão estrutural durante todo o ano de 2020. 

Qual é o papel de uma companhia do porte e o alcance da Heineken quando o varejo está tão vulnerável?
Sabemos que nosso negócio depende muito do bar como canal de venda, que é formado por pequenos empreendedores e muitas famílias dependem desses negócios. Então nos colocamos como desafio entender como podemos, por meio da força que temos como companhia, alavancar esses negócios em um momento difícil, e daí surgiu o Brinde do Bem. O objetivo era muito simples: o de antecipar o consumo no período de fechamento para que os bares tivessem fôlego e caixa para esse momento mais crítico. A Heineken dobrava o investimento dos consumidores, e se tornou uma plataforma democrática, pois não estávamos preocupados se o bar é cliente nosso ou não. Tivemos mais de R$ 16 milhões revertidos para bares, e ficamos muito felizes de ver o modo como as pessoas se engajaram. A conexão com o bar vai além de ser um estabelecimento que vende cerveja. Há um vínculo emocional, o bar que a gente vai toda semana.

Apoiamos também uma startup, o GroomerGO, para oferecer uma ferramenta a esses empreendimentos, que não estavam adaptados à dinâmica de delivery. Entendemos que seria muito poderoso poder apresentar o cardápio de maneira digital, via WhatsApp, para que eles mantivessem a atividade econômica.

Em outra iniciativa, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, promovemos o aplicativo De Volta ao Bar, com informação em conteúdo gamificado sobre os protocolos de segurança e higiene para auxiliar no preparo para a retomada das atividades. Com ele, o pequeno empreendedor tem informação com a chancela de uma entidade muito crível, e pode passar mais segurança ao consumidor.

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Que tipo de benefício a companhia consegue tirar para si própria dessas ações?
São ações muito focadas no desenvolvimento da nossa cadeia de valor. Entendemos que somos um elo muito importante da cadeia de valor e que, se não fizéssemos algo nesse sentido, haveria impacto grande para a sociedade e para o nosso negócio. Mas tem outras iniciativas de parcerias para doações de água mineral, pães e kits de higiene para ONGs que entram muito mais no âmbito da Heineken como ente da sociedade tentando suportar um momento sem precedentes. Entendemos que temos um papel social a cumprir.

Qual é o papel das marcas do grupo nesse processo?
Discutimos bastante no começo e decidimos nos posicionar como grupo por enxergarmos que, assim, se refletem melhor nossos valores como companhia. Mas algumas marcas tiveram também ações. A Lagunitas tem uma ligação grande com ONGs de doação de animais e fez uma parceria de doação de produtos a elas; a Schin fez uma ação grande de doação de água mineral em comunidades carentes do Nordeste; a Devassa, que tem uma pegada mais cultural, fez um trabalho para arrecadar fundos para que profissionais que vivem de música pudessem passar por esses momento de uma maneira mais digna.

Cada marca tentou trabalhar dentro de seu território de conexão, mas não fomos mais ostensivos com as marcas por um só motivo: não queremos soar oportunistas em hipótese alguma. No momento que vivemos, é egoísmo e um pouco de estupidez uma marca achar que está no centro da conversa. Precisamos mostrar que o que estamos fazendo tem um propósito claro, endereçar uma pandemia que mata pessoas, e não queremos fazer disso um espaço para marcas surfarem.

Nós fomos muito reticentes, por exemplo, com as lives de entretenimento. Aos poucos, fizemos uma para arrecadar para a ONG Amigos do Bem, ou para fazer a conexão da Devassa com os profissionais da música, sempre com propósito muito claro. Mas há marcas nossas que trafegam por um território mais do humor, da diversão, e não faria sentido explorar isso.

Na sua opinião, o formato das lives é próspero? Ele tem perspectivas para após a pandemia?
Não acredito que ele vá “passar” depois da pandemia. Mas como marcas de cerveja, temos o compromisso de usá-lo de maneira equilibrada. Não é porque é um canal novo que podemos usar como bem entendemos. Não temos o controle exato da audiência, de quem está acessando, então precisamos garantir que a ligação da marca com a live aconteça de maneira equilibrada. É uma possibilidade para muitas marcas. O que fizemos com a festa do Gilberto Gil dá um orgulho tremendo, foi um espaço de entretenimento muito relevante, que fomenta a cultura brasileira. Houve muito aprendizado desde o começo, até chegarmos em um modo mais viável.

O que pode mudar depois desse momento na postura da companhia e das marcas? É momento para revisão de conceitos, de marcas e de espaços ocupados por elas?
Não há resposta pronta, estamos construindo isso. Acho que tem alguns caminhos: as marcas terão de ser cada vez mais relevantes no conteúdo que trazem. Uma pandemia como essa mostra que tem muita coisa que não tem muito valor. Para ser crível e relevante para o público tem de fazer coisas que de fato conversem com ele.

Também estamos atentos aos espaços diferentes. Usávamos muito os espaços físicos de experiência de marca, que não estão disponíveis. É claro que eles voltarão no futuro, mas vimos que há outras formas de atuar. Esse contexto híbrido de presença de marca vai despontar naturalmente. Além disso, a pandemia escancarou a questão da reputação. Vimos muitas marcas sofrendo por terem tido posicionamentos precipitados, por falas de seus executivos, e vimos como isso é impactante. A reputação ganha uma importância ainda maior para as marcas.

O que muda na atitude do consumidor em relação às marcas após a pandemia? Ele fica mais crítico, mais rigoroso?
O consumidor valoriza muito quando a marca faz uma ação em prol da sociedade, mas também critica muito quando a marca deixa de se manifestar sobre uma causa relevante, ou se manifesta de maneira incômoda para os grupos que atuam em determinada causa. Isso tem tomado maior dimensão mundo afora, as pessoas estão mais sensíveis.

No Brasil, essa tendência vem de algum tempo, no contexto político e social, e tem aterrissado no contexto das marcas. O consumidor vai cobrar quando achar que está errado ou quando está faltando algum posicionamento. Isso também vai mudar o nível de investimento das marcas em comunicação em determinadas ações: pode ser melhor investir mais em ação de fato do que em comunicação.

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