Cerveja com ciência: Revolução do sabor – Preferências do consumidor de cervejas artesanais
Agradeço pelos comentários e engajamento dos leitores sobre as pesquisas que envolvem as cervejarias artesanais, no que diz respeito aos aspectos locais e importância para o desenvolvimento regional. Como toda boa conversa sobre cerveja, essa interação despertou o interesse em me aprofundar sobre segmentação e preferências dos consumidores de cervejas artesanais versus as tradicionais.
Por definição, as cervejas artesanais “são aquelas produzidas por qualquer cervejaria pequena e independente que adere às práticas e ingredientes tradicionais de fabricação1”. Assim, inclui duas características importantes: a) natureza tradicional dos métodos de produção e b) tamanho pequeno das instalações em que a cerveja é produzida. Algo que os entusiastas cervejeiros apontariam como uma cerveja “cuidadosamente produzida”, “produzida por um processo mais complicado”, “produzida em pequena escala” ou “produção limitada”2.
Quando essas características são combinadas, as cervejas artesanais criam um contraste marcante com as cervejas tradicionais produzidas por grandes cervejarias multinacionais. Como sabemos, as cervejas tradicionais são feitas em grandes lotes, com ingredientes padrão, que passam por rigorosos procedimentos de controle de qualidade, filtragem, processamento e, muitas vezes, contêm aditivos.
Estudo realizado com consumidores italianos listou outras características associadas às cervejas artesanais, como “produzidas com ingredientes não convencionais de alta qualidade e locais”, “não pausterizada”, “não filtrada”, “livre de aditivos”, “espontaneamente ou naturalmente fermentada”, “vendida com exclusividade em locais específicos”, “preço mais alto e baixa disponibilidade”, ou “para segmentos de mercado muito específicos (nichos)3”.
Pesquisa realizada no Reino Unido4 relata que 32% dos consumidores entrevistados afirmaram que a cerveja artesanal tem um sabor melhor do que a cerveja tradicional. Os consumidores de cerveja artesanal são geralmente diferenciados dos consumidores de cerveja tradicionais em termos de sua preferência por sabores inovadores, com maior complexidade e maior envolvimento com produtos focados em comportamentos e atividades. No entanto, 31% concordaram que o termo cerveja artesanal havia se tornado excessivamente utilizado4. Outros 21% confirmaram que a seleção de cervejas artesanais poderia ser cansativa, possivelmente pela quantidade de rótulos e variedade disponíveis4.
Aspectos demográficos indicam que os consumidores de cerveja artesanal são predominantemente do sexo masculino, mais jovens, com alto nível de escolaridade e têm níveis de renda mais elevados do que os consumidores de cerveja tradicionais5.
Do ponto de vista psicológico, preferem cervejas de sabor mais forte e são mais propensos a representar mentalmente as cervejas em termos de processos cognitivos, como pensar e memorizar, embora atributos sensoriais como aroma, carbonatação e espuma também sejam considerados importantes6.
Em relação aos aspectos sensoriais, consumidores de cerveja artesanal são movidos pela autenticidade e alta qualidade2. Regularmente, desenvolvem conhecimento sobre sua cerveja favorita em brewpubs7, exploram novos sabores e fazem compras em lojas especializadas. Aqueles com maior poder aquisitivo, ou em momentos de turismo, fazem questão de incluir visitas às cervejarias locais, participam de degustações e eventos, além de trocas de informações nas redes sociais8. O envolvimento com a cerveja é semelhante ao dos bebedores de vinho.
Ainda, os consumidores de cerveja artesanal desejam distinção e produtos exclusivos2, muitas vezes influenciados pela pressão de amigos9. Evitam assim, consumir o que é comum, outro ponto que pode ser adicionado aos fatores psicológicos ligados aos “jovens” consumidores (millenials, e indivíduos nas faixas de 30 e 40 anos)9.
Outros fatores incluem o gosto maior por cerveja, isto é, bebendo-a com mais frequência em relação a outras bebidas, com preferência por chope ou latas em vez de cerveja engarrafada. Em estudo realizado na Austrália em 2019, sobre a preferência dos consumidores de cerveja artesanal por latas ou garrafas, 38% dos entrevistados disseram preferir latas10. Em 2022, também na Austrália, outro levantamento sobre as atitudes em relação à cerveja artesanal, 91% dos entrevistados disseram acreditar que a qualidade da cerveja artesanal havia melhorado11. Além disso, 89% dos entrevistados relataram que estão sempre em busca de novas cervejas para experimentar11. Desta forma, pode se dizer que os consumidores costumam experimentar emoções mais positivas e as consideram mais apropriadas para diversas situações de consumo.
Considerando todos esses fatores influenciadores, é possível identificar diferentes subsegmentos (nichos) dentro do segmento geral de cerveja artesanal. Alguns exibem tanto suas preferências ligadas às características de cerveja artesanal (i.e., sabor, complexidade etc.), quanto comportamentos de estilo de vida, enquanto outros são atraídos principalmente pelos elementos cognitivos associados a “ser” um consumidor de cerveja artesanal e seus comportamentos de “estilo de vida”. Dentro destes subsegmentos, pode haver quem ainda prefira cervejas de sabor mais leve, adocicadas e menos complexas.
Toda essa popularidade tem potencializado o crescimento do mercado e aumento da atratividade das cervejas artesanais. Sem dúvida, é uma categoria de produtos que continua a se expandir em diversas localidades e regiões mundo afora, enquanto as cervejas tradicionais buscam competir para manter o seu mercado e atuação global.
Na Itália, as cervejas artesanais começaram a crescer mais rapidamente, com um aumento de 100% no número de cervejarias entre 2012 e 201712. Na Europa de forma geral, a indústria de cervejas artesanais se desenvolveu em ritmo mais lento. Outros continentes tiveram expansão semelhante.
Na América Latina, o México apresentou crescimento de 30% entre 2011 e 201613. Em 2018, o mercado de cerveja artesanal nos Estados Unidos contava com mais de 4.500 cervejarias, apesar de uma modesta expansão inicial14. Uma curiosidade, de acordo com alguns especialistas, a origem das cervejas artesanais ocorreu nos Estados Unidos, quando Fritz Maytag comprou a Anchor Steam Beer Company na década de 196015. Junto com a introdução de estilos de cerveja não tradicionais, como Porters, cervejas de trigo e cervejas natalinas com especiarias, esta pequena cervejaria foi responsável pela primeira American India Pale Ale (IPA)15.
Na Oceania, estudo revela que 25% do mercado optou por cervejas artesanais na Nova Zelândia em 201816. Na Ásia, semelhantemente, o crescimento foi de 50% no volume produzido entre 2014 e 2015, particularmente na China17.
O número global de cervejarias artesanais, a produção de pequenos lotes e o desejo dos cervejeiros artesanais de fornecer produtos inovadores resultam em uma grande variedade de produtos artesanais disponíveis. Sob as perspectivas de produto e sensorial, essas cervejas incluem diversos estilos, sabores, intensidades e teor alcoólico, o que as torna altamente diferenciadas.
Esta expansão, consolidada pela preferência dos apaixonados por cervejas artesanais, gerou uma “revolução do sabor18” na indústria, já que este é o diferencial apontado como um elemento-chave para 40% dos participantes de um estudo realizado em 20173. Esta mudança nas preferências dos consumidores, com foco no sabor, e os números apresentados acima fortalecem o cenário da produção de cervejas artesanais, o que se reconhece agora como o segmento de maior crescimento desta indústria13.
Caso tenha interesse em saber sobre como está o mercado nacional em relação às cervejarias artesanais, convidamos para ler a pesquisa publicada pelo Guia da Cerveja, por meio do link. E se você é curioso como eu, e gostaria de saber como o consumidor brasileiro decide ao comprar sua cerveja artesanal, nos acompanhe no Guia e aguarde nossas próximas publicações. Um forte abraço e saúde!
Referências:
1 Acitelli, T., & Magee, T. (2017). The audacity of hops: The history of America’s craft beer revolution. Chicago Review Press.
2 Gómez-Corona, C., Escalona-Buendía, H. B., García, M., Chollet, S., & Valentin, D. (2016). Craft vs. industrial: Habits, attitudes and motivations towards beer consumption in Mexico. Appetite, 96, 358-367.
3 Donadini, G., & Porretta, S. (2017). Uncovering patterns of consumers’ interest for beer: A case study with craft beers. Food research international, 91, 183-198.
4 The Grocer. World beers, food pairing and the new threat to craft brews. https://www.thegrocer.co.uk/download?ac=163747
5 Malone, T., & Lusk, J. L. (2018). If you brew it, who will come? Market segments in the US beer market. Agribusiness, 34(2), 204-221.
6 Aquilani, B., Laureti, T., Poponi, S., & Secondi, L. (2015). Beer choice and consumption determinants when craft beers are tasted: An exploratory study of consumer preferences. Food quality and preference, 41, 214-224.
7 Thurnell-Read, T. (2016). ‘Real ale’enthusiasts, serious leisure and the costs of getting ‘too serious’ about beer. Leisure Sciences, 38(1), 68-84.
8 Murray, D. W., & O’Neill, M. A. (2012). Craft beer: Penetrating a niche market. British Food Journal, 114(7), 899-909.
9 Spadoni, R., Rivaroli, S., & Hingley, M. K. (2018). The motivation behind drinking craft beer in Italian brew pubs: a case study. The motivation behind drinking craft beer in Italian brew pubs: a case study, 425-443.
21 Kelsey, R. (2019, October 17). 2019 Australian Craft Beer Survey Results. Beer Cartel. https://www.beercartel.com.au/blog/2019-australian-craft-beer-survey-results/
22 Beer Cartel. (2023, March 2). https://www.beercartel.com.au/blog/2022-australian-craft-beer-survey-results/
8 Monica. (2019, January 23). Italy beer Report 2017-2018: Italian beer market, craft beer and breweries in numbers. https://theitaliancraftbeer.wordpress.com/2019/01/23/italy-beer-report-2018-italian-beer-market-craft-beer-and-breweries-in-numbers/
9 Euromonitor International. (2016). Beer in Mexico. Retrieved from Euromonitor Passport database Euromonitor International, London, U.K.
10 Brewers Association. (2019). National Beer Sales & Production Data. https://www.brewersassociation.org/statistics-and-data/national-beer-stats/
11 Elzinga, K. G., Tremblay, C. H., & Tremblay, V. J. (2015). Craft beer in the United States: History, numbers, and geography. Journal of Wine Economics, 10(3), 242-274.
10 Neilsen Scantrack. (2018). Reported in G. Smith, The drink of a generation: craft beer on the rise. Retrieved from https://www.nielsen.com/au/en/insights/article/2018/the-drink-of-a-generation-craft-beer-on-the-rise/
11 Statista. (2019). Consumer Goods & FMCG. Alcoholic Beverages. Craft beer output in China 2012–2020. Retrieved from https://www.statista.com/statistics/980445/china-craft-beer-poduction-volume/
12 Gómez-Corona, C., Escalona-Buendía, H. B., Chollet, S., & Valentin, D. (2017). The building blocks of drinking experience across men and women: A case study with craft and industrial beers. Appetite, 116, 345-356.
13 Howard, P. H. (2014). Too big to ale? Globalization and consolidation in the beer industry. In The geography of beer: Regions, environment, and societies (pp. 155-165). Dordrecht: Springer Netherlands.
14 Jaeger, S. R., Worch, T., Phelps, T., Jin, D., & Cardello, A. V. (2020). Preference segments among declared craft beer drinkers: Perceptual, attitudinal and behavioral responses underlying craft-style vs. Traditional-style flavor preferences. Food Quality and Preference, 82, 103884.
16 Santisi, G., Morando, M., & Sciacca, A. (2018). Craft beer and intensity of purchase: a psychological analysis of consumer intentions. Quality-Access to Success, 19.
17 Medoro, C., Cianciabella, M., Camilli, F., Magli, M., Gatti, E., & Predieri, S. (2016). Sensory profile of Italian craft beers, beer taster expert versus sensory methods: A comparative study. Food and Nutrition Sciences, 7(06), 454.
Marcelo Sá é professor de gestão em operações, pesquisador na área de riscos e resiliência em cadeias de alimentos e bebidas, esposo e pai apaixonado por sua família. Em sua folga, pode ser facilmente encontrado com uma IPA ao seu lado.
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