fbpx

Balcão do Advogado: A cerveja sem álcool e suas especificidades

Ainda que consideradas sem graça e desnecessárias por muitos apreciadores de bebidas, as cervejas sem álcool têm ganhado cada vez mais espaço nas prateleiras. Em 2017, o mercado global de cerveja e vinho sem álcool ultrapassou US$ 16 bilhões e as vendas de ambos seguem em alta.[1]

Leia também – 7 dicas jurídicas para sua cervejaria começar bem 2020

A mudança de hábitos de parte da população, que tenta adotar um estilo de vida mais saudável, e a necessidade de novidades no portfólio de produtos são alguns dos fatores que contribuíram para que as cervejarias começassem a olhar com mais carinho para as não-alcoólicas ou reduzidas em álcool.

Com um novo mercado a ser explorado, grandes e pequenas cervejarias têm resolvido se aventurar nesse nicho, que não é novo, mas que tem ganhado cada vez mais relevância e volume nas vendas.

Classificação
Pela legislação brasileira, são consideradas bebidas não alcoólicas:

Art. 12.  As bebidas serão classificadas em:

I – bebida não-alcoólica: é a bebida com graduação alcoólica até meio por cento em volume, a vinte graus Celsius, de álcool etílico potável, a saber:

a) bebida não fermentada não-alcoólica; ou

b) bebida fermentada não-alcoólica;

Segundo o Decreto nº 6.871/2009, que regulamenta a Lei nº 8.918/94, no Brasil as cervejas não-alcoólicas – ou NAB, No-Alcohol Beer – devem ter até 0,5% de teor alcoólico. Com o advento do novo PIQ (Padrão de Identidade e Qualidade) da cerveja (Instrução Normativa do Mapa nº 65/2019), que entrou em vigor em 11 de dezembro de 2019, foi criada a definição legal para cervejas de baixo teor alcoólico, também conhecidas como LAB (Low-Alcohol Beer), que devem possuir teor alcoólico entre 0,5% e 2%.

Rotulagem
A mesma lei dispõe que as cervejas (e outras bebidas) não-alcoólicas não precisam fazer constar no rótulo o teor alcoólico caso ela esteja enquadrada na descrição de bebida não-alcoólica, ou seja, com graduação alcoólica de até 0,5%:

Art. 11.  O rótulo da bebida deverá conter, em cada unidade, sem prejuízo de outras disposições de lei, em caracteres visíveis e legíveis, os seguintes dizeres:

(…)

IX – graduação alcoólica, expressa em porcentagem de volume alcoólico, quando bebida alcoólica;

O mesmo artigo ainda dispõe:

Parágrafo único. O rótulo da bebida não deverá conter informação que suscite dúvida ou que seja falsa, incorreta, insuficiente ou que venha a induzir a equívoco, erro, confusão ou engano, em relação à identidade, composição, classificação, padronização, natureza, origem, tipo, qualidade, rendimento ou forma de consumo da bebida, nem lhe atribuir qualidade terapêutica ou medicamentosa.

Assim, pelo parágrafo único, inscrições como “cerveja sem álcool” no rótulo, caso a cerveja efetivamente não possua 0% de teor alcoólico, estariam em desacordo com a legislação, devendo ser evitadas.

Ademais, atestar que o produto não possui álcool caso ele tenha entre 0,1% e 0,5% fere o direito à informação, direito básico preconizado no art. 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.

A nova instrução normativa do Mapa deixou essa questão mais clara, obrigando as cervejarias a disponibilizarem nos rótulos o teor alcoólico mesmo nas cervejas “sem álcool”, como é possível verificar nos artigos 29 e 30 do referido ato:

Art. 29. É obrigatória a declaração da graduação alcoólica, com exceção da malta, expressa em porcentagem em volume (% v/v), com tolerância de mais ou menos 0,5% v/v.

Art. 30. O painel principal do rótulo da cerveja sem álcool cujo teor alcoólico residual seja superior a 0,05% v/v deve informar sobre a presença de álcool das seguintes formas:

I – pela utilização da frase de advertência “Contém álcool em até 0,5% v/v”; ou

II – pela declaração do seu teor alcoólico residual máximo em porcentagem de volume, com tolerância de mais ou menos 0,1% v/v, em complementação à expressão “Teor alcoólico: (seguido do valor indicado pelo fabricante)”.

Ainda no que tange à rotulagem, as cervejarias devem ter muito cuidado e especial atenção, haja vista que as informações contidas no rótulo da cerveja podem implicar na responsabilização da cervejaria por danos causados ao consumidor.

Quando se trata de produtos não alcoólicos, o público tende a interpretá-lo como produto sem álcool, ou seja, com 0% de teor alcoólico. A ingestão desavisada de um produto que contenha entre 0,1% e 0,5% pode gerar uma série de implicações ao consumidor, pois há pessoas com restrição médica ao consumo de álcool e outras abstêmias por convicção religiosa ou moral, sem falar no consumo por motoristas prestes a dirigir.

Caso Kronenbier
Em 2014, a Ambev foi condenada pela 5ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina a pagar multa de R$ 1 milhão por informar no rótulo e em propagandas que a cerveja Kronenbier não continha álcool.

Constatou-se que a marca de cerveja tinha graduação alcoólica de 0,3%. O entendimento do juízo foi de que o Decreto nº 6.871/2009 não se sobrepõe ao Código de Defesa do Consumidor.

O valor da multa, arbitrado em ação movida pela Associação Brasileira de Defesa da Saúde do Consumidor, foi revertido em favor do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados.

Kaiser sem álcool
Em outra ação movida pela Associação Brasileira de Defesa da Saúde do Consumidor, desta vez contra a Kaiser, a cervejaria foi proibida de comercializar as cervejas da marca Bavária com a expressão “sem álcool”.

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou indevido o uso da expressão “sem álcool” adotada nos rótulos de cervejas com teor alcoólico inferior a 0,5%, já que prejudica os consumidores e viola o Código de Defesa do Consumidor, que proíbe a oferta de produtos com informação inverídica. 

Por esses motivos e pelos casos elencados acima, faz-se necessário resguardar-se o máximo possível para evitar eventuais responsabilizações, que poderiam acarretar em grandes perdas à cervejaria.

Dessa forma, tanto na produção da cerveja não-alcoólica, quanto na confecção do seu rótulo, é preciso cercar-se dos cuidados indispensáveis para evitar riscos.


André Lopes, sócio do escritório Lopes, Verdi & Távora Advogados, é criador do site Advogado Cervejeiro

0 Comentário

    Deixe um comentário

    Login

    Welcome! Login in to your account

    Remember me Lost your password?

    Lost Password