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Balcão da Fabiana: Cerveja artesanal – O sonho acabou?

Em 2022 completam-se 15 anos desde que entrei para o segmento cervejeiro. Foi em 2007, quando passei a fazer parte da Confece – Confraria Feminina da Cerveja – em sua primeira formação, que a cerveja passou a fazer parte da minha vida. Primeiro como hobby, depois como objeto de estudo, a seguir como tema de trabalho e por fim, como profissão mesmo.

Quando comecei a me inteirar deste mundo, havia um inimigo claro a ser combatido: a grande indústria personificada pela Ambev. Curiosamente, as outras grandes cervejarias não pareciam ameaçar as pequenas. Diziam que a Heineken era amiga das artesanais… Não sei de onde tiraram tal conceito, mas, vá lá, o aceitávamos, inclusive, propagando a holandesa como nossa cerveja de batalha.

Naquela época, o Brasil não contava nem com 100 cervejarias artesanais abertas. E o romantismo de ser dono de sua própria cervejaria povoava os sonhos dos homebrewers por aqui. Muitos deles conseguiram tornar real esse sonho e estamos aí, atualmente, segundo os números oficiais do MAPA, com mais de 1.300 cervejarias em funcionamento no País.

Mesmo com um crescimento notável como esse, quando me perguntam hoje como enxergo o mercado cervejeiro, confesso que não tenho prognósticos tão otimistas como muitos adoram propagar por aí. Aliás, não sei nem delimitar em que pé está o nosso segmento diante das novas tendências registradas na área de bebidas – alcoólicas e não-alcoólicas, diga-se de passagem.

Vivemos uma situação um tanto quanto paradoxal hoje: por um lado, os destilados, com teores alcoólicos altíssimos, invadem os espaços sociais, eventos e preferência do público. Do outro lado, há uma demanda cada dia maior por bebidas sem álcool, ou com baixo teor alcoólico.

E a cerveja artesanal, onde fica em tudo isso?

A impressão que tenho é que a cerveja caiu em uma espécie de limbo, no qual sobrevive a duras penas, sem o “ glamour” da qual esteve cercada poucos anos atrás. Cerveja não é mais moda. O boom da bebida passou. E hoje nossos principais inimigos são as bebidas de outras categorias e, pasmem, as cervejarias vizinhas!

Nunca antes vi tanta cervejaria pequena tentando passar a perna na outra. As mesmas práticas que tanto condenavam nas grandes, de fechar pontos de venda, de exigir exclusividade em troca de mesas e cadeiras, de colocar seus preços lá embaixo inviabilizando uma concorrência minimamente possível, estão sendo praticadas por pequenas cervejarias. Estaríamos dormindo com o inimigo?

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Eu confesso que tenho me sentido bastante incomodada em ver o mercado, de certa forma, prostituído. Não existe mais sonho, nem romantismo e muito menos respeito por quem, na teoria, está na mesma trincheira.

Não bastasse ter de lutar contra as altas cargas tributárias, contra o domínio de mercado pelas grandes (que recebem incentivos fiscais de todo tipo para se instalarem em cidades brasileiras), contra as exigências leoninas dos grupos de varejo para abrir espaço em suas gôndolas para as pequenas, agora estamos guerreando umas contra as outras?

Que mercado é este que pretendemos construir? Se alimentamos ovos de serpente dentro do segmento, como queremos alcançar um crescimento sustentável?

Que diferença pretendemos fazer se as pequenas agora se voltam a produzir cervejas ordinárias, até mesmo com uso de adjuntos, para competir com as grandes marcas? Como se fosse possível apresentar um produto melhor e mais barato do que elas, que têm décadas à frente na expertise de produzir esse tipo de cerveja.

Para piorar a situação, voltou ao mercado uma cervejaria cujos produtos mataram e contaminaram dezenas de consumidores. Mudaram de nome, mas mantiveram as velhas práticas de comprar PDVs em detrimento das outras cervejarias de seu nicho. Isso sem indenizar nenhuma vítima, sem pagar os ex-funcionários que lutam na Justiça para receber o que lhes é devido.

É isso. Posso parecer amarga em minha análise, mas não vejo muito futuro para o mercado se continuarmos nessa toada. Talvez seja a hora de recuar e retomar a trilha aberta lá na década de 1990 por alguns cervejeiros visionários. Talvez seja o momento de repensarmos o que queremos para esse mercado e levantar iniciativas construtivas, em vez de nos voltarmos contra nossos pares.

Grandes impérios caíram assim: de dentro para fora. É esse o fim que almejamos para nossos sonhos?


Fabiana Arreguy é jornalista e beer sommelière formada em 2010, pela primeira turma Doemens no Brasil, através do Senac SP. Produz e apresenta, desde 2009, a coluna de rádio Pão e Cerveja, sendo editora de site com o mesmo nome e autora de livros. É curadora de conteúdo, consultora de cervejas especiais, proprietária da loja De Birra Armazém Cervejeiro, além de professora do Science of Beer Institute e do Senac MG, assim como juíza dos principais concursos cervejeiros brasileiros e internacionais.

4 Comentários

  • Adalberto Monteiro Reply

    28 de junho de 2022 at 12:10

    Cara Fabiana, concordo com boa parte do seu texto, contudo, o mercado ja esta em movimento e sendo repensado, vejo o evento organizado pela Abracerva sobre cerveja e gastronomia neste dia 30/06 em SP, entre outros movimentos pelo Brasil. O nosso mercado esta em amadurecimento, sim ha grandes erros nesse caminho, a profissionalização do mercado assim como o fomento da educação dos consumidores é que vai ditar o nosso futuro! Praticas comercias predatoria e desesperados feitas por algumas cervejarias sem duvida são reflexos ainda da pandemia..

  • Estevão Fernandes Reply

    28 de junho de 2022 at 15:58

    Me lembro que fiz um passeio para conhecer a produção de café da cidade de São Lourenço (MG), fiquei triste em saber que todos os nossos melhores grão vão para fora do país por conta da nossa falta de conhecimento sobre o que é um café bom ou um café ruim. O pessoal de minas, em especial a UNIC café, está fazendo um trabalho de divulgação do conhecimento sobre o café e estão tendo resultados, mesmo sabendo que esse é um trabalho de formiguinha.
    Assim funciona o Brasil(meu ponto de vista) você tem que primeiro educar a população sobre o que é algo bom ou o que é algo ruim. Vejo que o universo cervejeiro está tentando escolher produtos de melhor qualidade, estão abrindo a mente para fora do mundo das brahmas, antarticas, com isso as cervejarias artesanais estão sim ganhando espaço, porém, infelizmente nós temos os problemas com os preços dos insumos, que sem dúvidas afasta muita gente do universo cervejeiro.

  • Geraldo César Reply

    29 de junho de 2022 at 14:19

    Cara Fabiana, boa tarde. Como é o comportamento das micro fora do país, como EUA e Austrália? Forte abrço.

  • Alison Scapini Reply

    3 de julho de 2022 at 10:05

    Concordo e digo mais. Um fator que tem prejudicado muito o negócio é a qualidade das cervejas. Muita cervejaria abriu visando a alta margem de lucro no chope. Sem um bom cervejeiro e sem conhecimento do mercado. Isso foi péssimo para as boas cervejarias. O consumidor está com medo de escolher uma artesanal, devido a muitas experiências ruins. Com isso as grandes recuperaram mercado e cos erguem vender o chope a preços melhores.

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