Como a política pode tornar o setor mais inclusivo: especialistas debatem
Em menos de dez dias, a população brasileira irá às urnas para eleger representantes em cinco cargos: presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e estaduais. E serão dos escolhidos na disputa política que a população deverá cobrar a implementação de pautas urgentes, como a redução da desigualdade racial, a inclusão dos negros e a igualdade de oportunidades.
Em termos de representatividade, ainda é baixa a participação dos negros na política, palco importante para construção de novos processos, além da criação e implementação de políticas públicas. Pensando nisso e dando sequência à série de reportagens sobre as eleições, o Guia ouviu de especialistas quais são as demandas do movimento negro em busca de uma sociedade e de um setor cervejeiro mais democrático. Além disso, eles apontaram como isso pode se dar e ser implementado.
“Há de se ter muita discussão, pois é na arena pública, no debate e na dialética que ela acontece. A política atua no campo da objetividade, em que pese as particularidades e especificidades de cada comunidade, cidadãs e cidadãos a que se dirige. A política não é somente vertical, não é de cima para baixo, não apenas institucionalizada, mas é horizontal”, afirma a sommelière Sara Araujo.
A população negra, ainda que em proporção bem inferior ao da sua representatividade, sempre foi parte ativa no processo democrático, como por exemplo, com a atuação de Abdias Nascimento, que foi deputado federal e senador, e Carlos Alberto Oliveira, conhecido como Caô, autor do projeto de lei que define os crimes em razão de preconceito e discriminação de raça ou cor, além de outros representantes, como lembra a sommelière.
“Não podemos esquecer de Benedita da Silva, que, junto com Lélia Gonzalez, militou no âmbito institucional pela vida das pessoas negras, Benedita, foi a relatora da PEC das Domésticas, o que culminou na Emenda 72, alterando a Constituição Federal, garantindo piso salarial, férias e 13º salário às trabalhadoras domésticas”, pontua Sara.
Ainda assim, os negros sofrem com a baixa representatividade no sistema político, raramente vendo suas demandas sendo atendidas. Foi o que lembrou, ao Guia, o publicitário, escritor e especialista em criação de conteúdo Eduardo Sena, apontando a falta de políticas voltadas à população negra no Brasil, inclusive nos programas de governo e debates eleitorais.
“O primeiro debate entre presidenciáveis não trouxe diversidade, não tinha jornalistas pretos, nem a pauta foi citada. A mulher foi desrespeitada mais de uma vez sem que outros candidatos se manifestassem. Economia e soluções para tirar o país desse buraco não apareceram. Meio ambiente, então, nem chegou perto da pauta”, afirma.
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Diante desse desafio, o Guia ouviu profissionais do setor cervejeiro em busca das demandas e necessidades do movimento negro. Eles apontam caminhos para a inclusão acontecer. Confira:
1 – É preciso fortalecer o movimento
Para Eduardo Sena, o movimento negro e seus aliados precisam atuar unificados, nas cobranças às marcas e instituições, para que ações inclusivas sejam realizadas, fortalecendo a luta por diversidade. Ele cita, inclusive, o trabalho da Central Única das Favelas (Cufa) como inspiração.
“Sinto que precisamos nos organizar mais, ter mais força política, agir em bloco e com propósito claro, ao invés de só esperar as empresas. A Cufa nasceu dessa forma e hoje impacta a vida de pessoas nas favelas do país todo e também fora dele. Sinto que dessa forma poderemos realmente olhar para as demandas do movimento dentro do nicho, pois elas sempre existiram e são muitas, mas, infelizmente, ainda dependem de pessoas não negras interessadas em mudança para que entrem na pauta”, diz.
2 – Colocar a política na vida das pessoas
Para Eduardo Sena, a política deve ser feita no dia a dia das pessoas, assim como discutida em conversas entre amigos e em publicações nas redes sociais. “Política é uma arte, porque é um reflexo da vida. Nem precisa ir muito longe, um casamento só sobrevive graças à política. Sem ela, duas pessoas de sexo, interesse, origem, raças, religiões, times ou até nacionalidades diferentes não viveriam um projeto de vida juntas. Política é fundamental para que posições antagônicas possam nivelar interesses e chegar a um consenso”.
3 – Fazer política dentro do setor cervejeiro
Se a política deve fazer parte da vida das pessoas, como defende Eduardo Sena, ela deve ser exercida, também, dentro do setor cervejeiro, abrindo espaço para a diversidade.
É preciso que haja mais política genuína entre empresas, instituições, associações e profissionais cervejeiros. O mercado precisa se alinhar entre si, fazer política real, puxar entidades e grupos minorizados para a mesa, mapear as demandas que levarão todos para um futuro melhor e, como um grupo organizado e forte, cobrar governos que virão
Eduardo Sena, publicitário, escritor e especialista em criação de conteúdo
4 – Eleger candidatos que representem os negros e lutem pela representatividade
A população negra sempre esteve na arena política lutando por políticas públicas e direitos de toda ordem, mas o que ocorre no Brasil é que a maioria da população negra não tem representatividade condizente no Legislativo. “Quando não se tem deputados e deputadas, senadores e senadoras comprometidos/as com o social, a população sofre, sobretudo, aqueles minorizados politicamente, que, infelizmente, no Brasil, a maioria tem cor, e a cor dos que mais sofrem pela falta de políticas pública é negra”, diz Sara Araujo.
Por isso, ela destaca a importância de se eleger representantes negros, assim como de outros grupos minorizados, como os indígenas e os LGBTQIA+, para que essas vozes sejam ouvidas na política.
“O espectro da cerveja artesanal não está descolado dessa realidade macro. Um exemplo, a Instrução Normativa (IN) 65, que rege o campo da cerveja, para ser aprovada passou por ‘lobistas’ até conseguir suas mudanças. Por fim, a política institucional é necessária para viabilizar o bem comum, e quanto mais diversidade tiver, mais populações serão contempladas em suas demandas”, diz.
5 – A importância das ações diretas
Para Paulão Silva, criador do Brassaria Brasília e membro do coletivo AfroCerva, ter um setor cervejeiro democrático e mais inclusivo depende muito mais dos atores que compõem esse ecossistema do que das ações de políticos. “De atores que realmente queiram mudar o setor, e não apenas pessoas que usam as pautas inclusivas apenas para benefícios próprios, que podemos chamar de ‘ativismo de conveniência’”, pondera.
6 – Debater e incluir minorizados em eventos e ações
Paulão destaca que o setor precisa de iniciativas que coloquem pessoas pretas e mulheres como protagonistas no setor. E isso pode acontecer nos eventos, com a realização de painéis e debates sobre inclusão, diversidade e equidade fazendo parte da programação principal. Além disso, destaca que grandes marcas já se atentaram para a importância da diversidade, uma pauta que precisa ser seguida pelas artesanais.
“Da mesma forma que algumas cervejarias maisntream têm chamado para a discussão e incluído em seus portfólios de publicidade das marcas players negros, negras e mulheres, o setor de cervejarias artesanais deve se atentar a este movimento ou vai ficar para trás e continuar apenas reclamando das ‘grandes’”, completa Paulão.
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