Artigo: Começamos a reforma tributária, e agora?
*Por Marcos Moraes
O intuito deste texto é apresentar uma visão um pouco mais pragmática e direta sobre os prováveis impactos da reforma tributária na vida dos brasileiros, especialmente dos empresários, com o intuito de auxiliá-los na visão estratégica para seus negócios.
A Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019 (PEC 45/19), que foi aprovada em 7 de julho na Câmara dos Deputados, trata-se, entendo, de um tema que dispensa comentários no tocante a sua importância e relevância para todos nós brasileiros, com destaque ao propósito de reduzir a burocracia, simplificar as obrigações acessórias para o recolhimento dos tributos e ainda a possibilidade (mesmo que remota) de reduzir a carga tributária.
Isso porque uma das maiores alterações que está se propondo (ao menos em tese até o momento) é a redução da carga tributária incidente nos produtos, e em contrapartida fala-se em uma reforma para a cobrança de tributos sobre a renda e sobre o patrimônio, que em tese reequilibrará a balança da justiça social e tributária.
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Ocorre que, fala-se “em tese”, pois até o presente momento a aprovação se deu apenas na Câmara dos Deputados da reforma sobre produto, ao qual a mudança estrutural está redefinindo alguns pilares e implantando novos sustentáculos do ordenamento jurídico tributários brasileiro, restando ainda a discussão e possíveis aperfeiçoamentos no Senado para posterior sanção presidencial para ter sua eficácia e exigibilidade, pré-datada para 2026.
Em relação aos pilares ou princípios norteadores da reforma tributária aprovada, destaca-se:
- A não cumulatividade plena (débito e crédito irrestrito), muito diferente do sistema atual;
- Ampla base de incidência tributária para incluir a maior quantidade de contribuintes possíveis e a implementação do “cashback” de impostos para a população de baixa renda;
- Cálculo por fora, para não pagarmos mais tributos sobre o próprio tributo;
- Recolhimento do tributo para o estado/município onde o bem ou serviço será “consumido”;
- Menor quantidade de tributos e alíquotas, simplificando a burocracia e o custo Brasil;
- Fim dos incentivos fiscais, exceto para a Zona Franca de Manaus;
- Criação do Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre os bens ou serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (novidade que discorreremos mais abaixo);
A maioria desses pilares propostos na PEC 45/19 são frutos das judicializações e discussões sobre a inconstitucionalidade das leis que os instituíram, conhecido como custo Brasil pela maioria dos empresários.
Vale destacar, ainda, quatro alterações contidas na PEC 45/19 aprovada na Câmara dos Deputados e que poderão, de alguma forma, ser de interesse do setor cervejeiro:
1º) Alíquota zero do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para produtos da cesta básica e para as pessoas físicas que desempenhem atividades agropecuárias, pesqueiras, florestais e extrativistas vegetais in natura.
Neste item 1, vislumbramos a hipótese de malte, lúpulo e demais insumos agrícolas, provavelmente, alcançarem alguma redução de custo devido à alíquota zero proposta.
2º) Redução em 60% das alíquotas do IBS e da CBS para os seguintes setores: transporte coletivo, dispositivos médicos e para pessoas com deficiência, medicamentos, serviços de saúde e educação, insumos e produtos agropecuários, atividades artísticas, jornalísticas e desportivas e bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional e ainda alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal. Essa redução será regulamentada por lei complementar, prevendo quais produtos ou serviços terão esse benefício.
Aqui vislumbramos a hipótese de enquadramento da cerveja sem álcool como passível dessa redução, caso o governo venha a considerá-la como um alimento para consumo humano (semelhante a alguns tipos de sucos), lembrando ainda que, se não tem álcool, não deverá ter a incidência do Imposto Seletivo (IS), que pontuaremos a seguir.
3º) O Imposto Seletivo (IS) incidentes sobre os bens ou serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente também será regulamentado por lei complementar, após discussões no Congresso Nacional sobre quais produtos deverão ser por ele tributados.
Neste quesito, ainda muito especulativo, fala-se que deverão ser tributados pelo IS: cigarros, bebidas alcoólicas, alimentos e bebidas ricas em açúcar, agrotóxicos, defensivos agrícolas, jogos de azar e outros produtos que possam ter alguma externalidade negativa tanto para a saúde quanto para o meio ambiente.
Neste item 3, entendo necessário a união do setor cervejeiro em defesa de uma tributação escalonada por graduação alcoólica.
4º) Regimes tributários específicos e diferenciados para os serviços de hotelaria, parques de diversão e temáticos, restaurantes e aviação regional, ou seja, a gastronomia e o turismo deverão ter algum benefício dentro dessa reforma tributária, sendo setores que interagem e estimulam reciprocamente o setor cervejeiro, podendo de alguma forma auxiliar e/ou beneficiar a cerveja.
E para que tudo isso seja colocado em prática, a PEC 45/19 prevê que a CBS e o IBS serão implementados conjuntamente, em uma transição que perdurará de 2026 a 2032, sendo que em 2026 a CBS começará a ser cobrada a uma alíquota de 0,9%, e o IBS a um percentual de 0,1%.
A partir de 2027, a CBS passará a ter alíquota cheia, quando serão extintos o PIS e a Cofins e reduzidas a zero as alíquotas do IPI, exceto para produtos que tenham industrialização na Zona Franca de Manaus.
Em 2028, ICMS, ISS e IBS vão coexistir, sem nenhuma modificação nas alíquotas dos dois tributos antigos. Entre 2029 e 2032, as alíquotas do ICMS e do ISS serão gradualmente reduzidas, à razão de 1/10 por ano, até a extinção desses impostos.
Desta forma, a migração total da tributação acontecerá somente em 2033, encerrando, assim, a tão falada reforma tributária, almejada há mais de 30 anos.
*Marcos Moraes é advogado e contador pós-graduado em Direito Tributário. Possui mais de 20 anos de experiência em consultoria e planejamento tributário em setores altamente tributados e regulamentados, como bebidas alcoólicas e tabaco.
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