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Balcão da Nadhine: Por que Polônia?

“Polak, Węgier, dwa bratanki, i do szabli, i do szklanki.”
“Polonês e húngaro, dois bons amigos, para a luta e para o copo.”

Ao visitar a Europa em uma eurotrip em busca das melhores cervejas, talvez você não vá pensar na Polônia como primeira opção. Depois de ler esse artigo, você vai se surpreender, assim como eu fui surpreendida, com o que pode encontrar lá.

A verdade é que fiquei encantada com um mercado muito mais maduro do que eu poderia imaginar, com cervejas de altíssima qualidade e uma cultura de craft beer completamente espalhada pela comunidade.

Em setembro de 2023, visitei o Festival da Cerveja de Varsóvia (WBF), realizado no Estádio Municipal Legia Varsóvia, um estádio de futebol perto do centro da cidade. O evento é realizado duas vezes ao ano no ambiente interno do estádio, em três andares (!). Foi realizado pela primeira vez em 2014, e é o primeiro evento do gênero na Polônia. Uma deliciosa oportunidade de experimentar o melhor da cerveja polaca.

Conversei com o cofundador do festival, Paweł Leszczyński, que é presidente da associação Slow Craft, cervejeiro caseiro e juiz de cerveja certificado, especializado em treinamento sensorial. E também conversei com Marek Kaminski, presidente da Associação Polonesa de Cervejas Artesanais, dono da Browar Kingpin e também juiz de cerveja, para trazer alguns números e uma visão sobre o que está acontecendo na Polônia quando se trata de cerveja artesanal.

Segue abaixo o resultado dessa conversa sobre o mercado de cervejas artesanais polonês:

O mercado passou por duros golpes recentemente: pandemia, guerra, crise energética e inflação. Como se comporta atualmente o mercado de cerveja artesanais na Polônia?
Pawel afirma que a cerveja artesanal na Polônia está sobrevivendo apesar do caos recente. Os fãs de cerveja ainda estão sedentos por cervejas diversas e de alto nível, assim como por alguns estilos tradicionais.
Enquanto as grandes cervejarias estão sofrendo muito, com perdas de 8 a 11% ao ano, as pequenas cervejarias artesanais, apesar das barreiras nos canais de distribuição, fazem o que podem melhor: ajustar-se à nova situação. Elas precisam sair de seu estágio de bebê revolucionário e aprender a fazer negócios rapidamente!
Marek complementa dizendo que a cerveja artesanal, embora fortemente afetada pelo aumento dos custos e dos preços nas prateleiras, tem se mantido mais estável.
A confirmação pode ser vista nos dados no relatório da associação. Mesmo durante os anos de pandemia e crise energética na Europa, houve crescimento no mercado de artesanais, apesar da queda do mercado de cerveja de maneira geral.

Eu li sobre o fechamento de algumas cervejarias na Polônia, isso anda acontecendo em todo mundo. Ao mesmo tempo, novas cervejarias estão abrindo. Quais são os fatores que correspondem ao perfil de cervejarias que se mantêm estáveis nesse momento frágil?
“Para surpresa de muitos (e minha) – e para minha alegria! – não foram muitas as cervejarias que afundaram em seu caminho. O que as mantêm estáveis? Ser consciente e ‘fazer artesanal’: permanecerem criativas e criando laços com a comunidade. Marketing inteligente, cervejas incríveis, boas relações e parcerias os mantêm fortes”, diz Pawel. Marek reforça o que Pawel me falou, dizendo que qualidade superior e distribuição eficiente parecem estar entre os mais importantes fatores.

No país da vodca, o que você associa à cultura cervejeira?
Ambos são categóricos: Não somos o país da vodca! Dados mostram que o estereótipo do polonês bom de copo já não é mais como nos anos 1990. Sim, eles continuam bons bebedores, mas também acompanham a tendência mundial de diminuição do consumo de álcool, e a queda do consumo de destilados mostra isso, como podemos ver aqui:

Para Pawel, a cerveja é, há muitos anos, muito mais popular. Ainda segundo Pawel, “a cultura da bebida que compartilhamos e queremos promover é que você deve se certificar de que você – e todos os outros! – tenham as melhores lembranças possíveis dessa noite. E o álcool pode alterar isso de várias maneiras, portanto, tome cuidado!”

Marek ainda lembra que a Polônia está geograficamente no mesmo “cinturão da cerveja” que a Alemanha e a República Checa – além disso, o país é o terceiro maior produtor de cerveja da Europa e também o terceiro da Europa em termos de consumo de cerveja per capita.

Existe um movimento de resgate às origens, com várias cervejarias produzindo a cerveja histórica Grodziskie1, mas também um forte mercado voltado a produções de estilos modernos. O consumidor de cerveja artesanal polonês é mais beer geek? Ou você acha que eles também se importam com esse sentimento de pertencimento e resgate histórico?
Pawel menciona que consumidores de Grodziskie e os beer geeks são um nicho dentro de um nicho, mas que podem ser suficientes para manter boas cervejas surgindo. “O mercado é pequeno, mas uma cerveja boa e trabalhando o marketing, pode vender muito bem. Os consumidores de cerveja estão ficando cada vez mais curiosos em sua busca pelas melhores cervejas, principalmente uma boa Lager que nos falta no mercado de massa. E o segmento artesanal, como em todos os lugares, entrega cervejas ricamente lupuladas, Pastry Sours, Fruit Beer e Imperiais que fazem bastante sucesso! Quanto mais fácil de beber e cheias de sabor, melhor!”
Apesar de ter um público pequeno, cervejas como a Grodziskie na Polônia, assim como as cervejas baseadas nas bebidas históricas Caium (com base de mandioca) e Chicha (com base de milho) no Brasil, são importantes para criar uma identidade de cerveja vinculada com a cultura e não apenas seguindo tendências do mercado norte-americano.

Falando em beer geek, na mesa redonda no palco principal do festival, foi discutido o uso intenso pelos poloneses do aplicativo Untappd, e uma cultura de avaliar de forma mais dura as pratas da casa. Você acha que esse é um comportamento cultural? Ou nichado? Como o projeto da cerveja em conjunto com Untappd e Funky Fluid2 pode ajudar a entender isso?
Pawel explica que os poloneses são, cada dia mais, usuários sérios do Untappd. Eles levam cada vez mais em consideração que a vida é muito curta para beber cerveja de baixa qualidade, e o Untappd pode ajudá-los a escolher as mais interessantes. Não é por “badges”. Segundo Pawel, os consumidores também valorizam a experiência pura de beber uma boa cerveja com os amigos. “É uma mistura de cultura e abordagem nerd da cerveja. Só queremos dizer às pessoas que quanto mais check-ins elas fizerem, mais preciso será o resultado. O Untappd e a Funky Fluid nos ajudam a decodificar o que os bebedores adoram. Ainda estamos aguardando a análise completa, mas o projeto das cervejas colaborativas já foi um grande sucesso – esgotou-se rapidamente e as cervejas eram incríveis!”

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Os dados da última pesquisa da Associação de Cerveja Artesanal Polonesa, de 2022, mostram a importância dos festivais para o mercado polonês de cerveja artesanal. Visitei o WBF e vi uma grande diversidade de pessoas e uma cultura de cerveja que não é de nicho. Como a Polônia conseguiu construir isso em tão poucos anos?
Para Marek, a Polônia é um país cervejeiro e os poloneses adoram cerveja (basta ver as estatísticas acima). Além disso, os poloneses são muito abertos a coisas novas e adoram explorar novos sabores, tanto em alimentos quanto em bebidas. Isso ajudou muito a cerveja artesanal. Muitas pessoas se lembram de que, antes da revolução da cerveja artesanal, só havia Lager industrial sem graça, por isso apoiam a cerveja artesanal para que não percamos essa cultura de cerveja colorida e versátil novamente.

O  Warszawski Festiwal Piwa (Warsaw Beer Festival)  é enorme e acontece duas vezes por ano. Além de surpresa, fiquei muito feliz em ver um festival com esse alcance, por ser um espaço onde todas as tribos podem se sentir confortáveis e bem-vindas. Às vezes, quando organizadores de eventos de cerveja craft focam demais no público de roqueiros, fazem com que outros públicos que poderiam ter interesse na cerveja, se sintam distantes do público-alvo. Eu vi adoráveis cachorrinhos, pessoas com seus bebês, todos os tons de pele e cabelos de toda sorte. Mesmo sendo estrangeira, me senti em casa. O atendimento era amistoso e caloroso. Ao que se deve esse clima durante o festival?

“A atmosfera acolhedora e inclusiva que se destaca no Warsaw Beer Festival é uma prova da diversidade. Nós gostamos disso na cerveja, na comida e – o mais importante! – nas pessoas! Fazemos tudo o que podemos para criar um bom ambiente para todos, independentemente de suas aparências e crenças. Mas temos uma coisa em comum: amamos a vida e apreciamos as cervejas craft e sua vibe única”, fala Pawel. com orgulho.
Além disso, ele acrescenta: “O festival é o paraíso da cerveja, acolhendo todos os tipos de gostos. Mas como muitos dos nossos bons amigos, por várias razões, bebem pouco ou nenhum álcool, não gostaríamos de os privar de uma boa ocasião para festejar juntos, por isso entendemos que não pode ser mais sobre cerveja, mas sim a comunidade que a rodeia. Como numa boa festa, tudo tem de estar perfeito: a cerveja, a comida, as pessoas, os sucos… Ainda não chegamos lá, mas sabemos o nosso caminho.”

Você pode compartilhar alguns números sobre o alcance da última edição do festival?
Pawel – Tivemos um pouco mais de 17.000 visitantes que tiveram a chance de experimentar mais de 1.300 cervejas, hidromel e sidras diferentes. Mais de 300 eram novidades, mas o mais importante é que foi muito difícil experimentar as conhecidas. Acho que o mesmo aconteceu com a comida. Mas os números de um evento desse porte são apenas estatísticas.  Para sentir, você precisa estar lá.

No WFP, experimentei uma Catharina Sour com maracujá no estande da cervejaria Pinta, vi cafés brasileiros sendo utilizados, e fui palestrante falando sobre frutas e madeiras brasileiras utilizadas na cerveja. Como você enxerga a conexão Brasil-Polônia?

Pawel brinca que o Brasil e a Polônia compartilhando segredos da cerveja é um bom plano para a dominação do mundo. E continuou: “Ouvi muitas coisas boas sobre sua arte de fazer cerveja, e sei que já começaram a fabricar a Grodziskie no Brasil! Mal posso esperar para ver isso pessoalmente!” Para mim, foi uma experiência incrível compartilhar as cervejas de altíssima qualidade da Zalaz e da Dádiva, além de algumas cachaças, com tão animados bebedores, ávidos por novidades.

A próxima edição do festival será de 21 a 23 de março. O que podemos esperar?
Pawel avisa que podemos esperar muita cerveja, diversão e uma multidão diversificada comemorando cervejas antigas e novas. Animado, ainda adiciona: “Seja esperto e você terá que se divertir muito. Pisque duas vezes se o que estou dizendo não for verdade! Vejo vocês na primavera, você sabe que vamos surpreendê-los! Saúde!”

Eu comecei este artigo com um pedaço de um poema que se tornou um ditado popular em ambos os países, Hungria e Polônia. Representa muito bem o clima de irmandade entre esses países, que traçam paralelos em toda sua história. Hoje em dia, a Polônia, país que foi um dos mais destruídos na Segunda Guerra Mundial, emana esperança. E apesar das dificuldades, tem uma economia crescente e melhores expectativas políticas.
Um festival de cerveja em um estádio de futebol lotado, com pessoas de toda corte, reflete a recepção calorosa dos poloneses. Como boa brasileira que ama o futebol e ama cerveja, fiquei encantada com essa sinergia, e as semelhanças com a cultura brasileira em terras tão distantes. O estádio tinha uma energia de que ia ao mesmo tempo de diversidade à confluência. Era como se todos os amantes de cerveja ali formassem uma multidão que não se encaixa em nenhum rótulo, mas que bebe e ama todos os rótulos.


1 Grodziskie ou Grodzisz é um estilo histórico de cerveja criado na Polônia que recentemente voltou a ser produzido, por meio de esforços da comunidade de cervejeiros caseiros. É feita com trigo defumado, extremamente carbonatada, baixo teor alcoólico, refrescante e ao mesmo tempo rica em sabor.

2 O festival se uniu com a cervejaria Funky Fluid e o aplicativo Untappd para entender melhor sobre comportamento do consumidor, diferenças culturais, para isso criaram uma cerveja especialmente para coletar dados que teve lançamento simultâneo em vários lugares para que a avaliação não ficasse tendenciosa pelos usuários que avaliaram anteriormente.


Nadhine França foi a primeira mulher a ocupar a presidência executiva da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), também sendo responsável pela criação e coordenação do Núcleo de Diversidade. É analista de sistemas, cervejeira, beer sommelière, Cicerone Certified Beer Server, juíza internacional de cerveja, organizadora de eventos, concursos e congressos cervejeiros. Hoje mora em Budapeste.

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