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Balcão do Jayro: Ninguém se importa com sua avaliação sensorial sobre cerveja

“Ninguém se importa com sua avaliação sensorial sobre cerveja”, disse certa vez, em um podcast, Garrett Oliver, mestre cervejeiro da Brooklyn Brewery e autor do, na minha opinião, livro que todo sommelier deveria ter na cabeceira, “A mesa do Mestre-Cervejeiro: Descobrindo os prazeres das cervejas e das comidas verdadeiras”. Neste mesmo podcast, Garrett enfatiza que as pessoas estão muito mais interessadas em saber como você se sentiu ao degustar uma cerveja ou gastronomia. Ou seja, a experiência é muito mais relevante do que corpo médio baixo e notas moderadas de malte que remetem a pão e cereais. E é nessa toada que o seu livro descreve com primor a interação entre o trinômio cerveja, gastronomia e suas experiências, o que torna a obra atemporal e apaixonante.

O propósito desta coluna não é uma ode a Garrett Oliver (por mais que ele mereça), mas, sim, sobre a essência posta anteriormente: falar do universo zito gastronômico de uma forma quase romântica e lúdica; explorar contexto cultural, histórico e político sobre cerveja, gastronomia e suas interações. Técnica eventualmente irá aparecer aqui ou ali – equilíbrio de forças, semelhanças, contrastes e complementações. Sobre técnica, trago o seguinte excerto do livro “O Gosto da Experiência – ensaio sobre a filosofia e estética do alimento” de Nicola Perullo para refletirmos: 

Imaginem uma situação muito frequente. Você combina com alguns amigos de irem comer em algum lugar, mas a escolha do local se dá por outros motivos, não pela qualidade intrínseca dos alimentos servidos, como, por exemplo: uma localização belíssima; os frequentadores, a simpatia dos proprietários; a ótima música ao vivo; a comodidade logística, pois, após a refeição, pretendem ir ao cinema. Num destes ou outros casos possíveis, por conta de uma deliberada e negociada intenção, decide-se pôr “entre parênteses” ou subordinar o prazer gustativo, ou a específica experiência gastronômica, a algum outro prazer e à outra experiência considerada prioritária – e dentro da qual permitimos que as considerações gustativas fluam e sejam reconsideradas. Mais uma vez, emerge a complexidade e a variabilidade da relação com o alimento. Pôr no gosto do alimento todo o peso do prazer circunstante ao alimento é, de fato, uma atitude no mínimo ingênua, e no mais das vezes, muito restritiva, que põe em risco inclusive a compreensão global da experiência vivida

“O Gosto da Experiência – ensaio sobre a filosofia e estética do alimento”, página 159

O que eu gostaria de explicar a respeito desse excerto é que, antes de tudo, a experiência humana sobrepõe a experiência estritamente sensorial no binômio cerveja/comida. O que eu quero dizer com isso? Que uma harmonização tecnicamente perfeita não garante absolutamente nada!

Se você está reunido com as pessoas que ama, em um lugar legal, celebrando algo, muito possivelmente a experiência será positiva e duradoura.

Agora, no oposto:

Se você não está confortável, sejam por fatores externos ou internos à experiência em si;

Se o anfitrião é desatento;

Se as companhias não lhe agradam;

Se o conforto ambiental não lhe agrada;

Muito provavelmente, uma harmonização tecnicamente perfeita não vai lhe agradar!

Ou seja, as condições ambientais e psicofísicas do público que participa são tão ou mais importantes que regras e diretrizes de harmonização.

A harmonização é parte importante de todo esse contexto, uma ferramenta poderosa para a criação de memórias involuntárias e afetivas – todos devem conhecer as famosas “madeleines de Proust”, que em seu livro “Em busca do Tempo Perdido” descreve a experiência afetiva de recordar o passado ao molhar uma madeleine em uma xícara de chá.

Madeleines são deliciosos biscoitinhos assados, feitos de manteiga, ovos, farinha de trigo, mel, limão siciliano (às vezes) e baunilha (sempre!). Fáceis de fazer, basta ter a forma, que é bem específica. Recomendo a receita do livro da Ladurée – Doces – pág. 256. Publicado na versão brasileira pela editora Senac. Harmonize com uma Berliner Weisse com Café da Cervejaria Cruls e Proust ficará com uma inveja mortal!

Saúde!


Jayro Neto é sommelier de cervejas e Mestre em Estilos, tendo sido campeão do Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cervejas de 2019. É organizador de concursos da Acerva Paulista e juiz certificado pelo BJCP (Beer Judge Certification Program) com experiência nacional e internacional em concursos de cerveja. Também atua como conselheiro fiscal e tesoureiro da Abracerva.

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