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Balcão do Jayro: Quando falamos de queijo, “vinho é só um caldo. Cerveja é comida, bebida e cobertor”

Título da coluna polêmico! Achei essa expressão no livro do Charles Bamforth, Vinhos vs. Cervejas, que ganhei de presente de um grande amigo que a cerveja me trouxe. Clickbait? Talvez pesquemos alguns incautos que não conhecem as potências da combinação de cervejas e queijos. Vejamos.

Quando pensamos em uma tábua de queijos posta a mesa logo em seguida vem a imagem de uma bela garrafa de vinho tinto (!) para acompanhar. Quem nunca deixou de jantar para curtir um filme a dois, queijos e vinhos, quem sabe algo mais depois…se não dormir, é claro, vinho dá um sono…

Bamforth em seu livro traz alguns estudos interessantes, que transcrevo abaixo:

“Marjorie King e Margaret Cliff examinaram combinações de nove queijos canadenses e dezoito vinhos, para constatar que os brancos combinavam com uma gama mais ampla de queijos e que, quanto mais forte o sabor do queijo, mais difícil era encontrar um vinho para combinar com ele”

“Uma colega e amiga minha Hildegarde Heymann, valeu-se de um grupo de degustadores profissionais para avaliar o sabor de oito vinhos antes e depois de provarem vários queijos. Ela constatou que atributos como adstringência e notas e carvalho diminuíram substancialmente após a ingestão de queijo…”

Como eu não poderia deixar de citar também o magistral Garrett Oliver, que em “A mesa do mestre cervejeiro” nos traz:

“O segredinho “safado” do mundo do vinho é a maioria deles, especialmente os tintos, não combinam bem com queijo[…] O renomado Brian St. Pierre, autor de livros sobre vinho diz em The Perfect Match: fui forçado a concluir que, na maioria das vezes, a ideia de harmonizar vinhos tintos e queijos não funciona bem”

“ Joanna Simon, outra autora especializada em vinhos, na seção sobre queijos de seu Wine and Food, logo de início lamenta que ‘A combinação de queijo e vinho é dominada por confrontos […] A ideia de que vinho e queijo são parceiros perfeitos é, sinto muito, um dos grandes mitos’”.

E por aí vai. Percorrendo minha bibliografia cervejeira poderia trazer inúmeras constatações similares. Mas por quê? São vários os fatores. Vamos a eles?

Em primeiro lugar, queijo nada mais é do que:

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  • Um leite concentrado, basicamente: gordura, gordura, gordura!
  • Apodrecido mais ou menos de forma controlada: pungência, pungência, pungência!
  • Altamente salgado (meio de controle preferencial de fermentação e também de conservação)

Claro, o resultado dessa concentração e fermentação gera algo esplendoroso. Untuoso, pungente, salgado e umami. Já abordei em coluna anterior (clique aqui) que a cerveja apresenta mais elementos que o vinho para o equilíbrio de gorduras: acidez, amargor, carbonatação e álcool. Pungência e funky são velhos conhecidos da cerveja, a depender do estilo. Amargor de tosta para contraste de umami? Temos de sobra. Alimentos salgados disparam nosso controle no hipotálamo das quantidades de sódio e potássio nos fluidos corporais. O poder de hidratação da cerveja geralmente é maior que o do vinho. Não é uma luta justa.

Faço coro novamente ao Garrett: “Queijos e cervejas são ambos produtos tradicionais de fazenda, muitas vezes produzidos pela mesma pessoa. Você já viu alguma vaca no vinhedo? Nem eu.”

Já tive experiências muitos felizes com queijos e cervejas – Porter e parmesão, Crie e Brie, Chancliche e Saison. Mas a que mais me marcou – e faz pouquíssimo tempo que tive a oportunidade de provar – foi Barley Wine & Stilton (Sim, Garrett também fala muito bem dessa dupla e eu assino embaixo).

Stilton é simplesmente impossível de encontrar no Brasil, eu trouxe uma peça embalada a vácuo de uma viagem em 2022. Guardei refrigerado carinhosamente até que a oportunidade perfeita aparecesse e, graças a Cilene Saorin pudemos degustar esse queijo com uma Thomas Hardy´s Ale safra 2007. A cerveja envelheceu estupidamente bem, com notas de Jerez, toffee, caramelo, frutas passas e álcool que abraçaram o mofo azul e a pungência como velhos conhecidos. Harmonização perfeita não existe? Já tenho minhas dúvidas!

Saúde!


Jayro Neto é sommelier de cervejas e Mestre em Estilos, tendo sido campeão do Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cervejas de 2019. É organizador de concursos da Acerva Paulista e juiz certificado pelo BJCP (Beer Judge Certification Program) com experiência nacional e internacional em concursos de cerveja. Também atua como conselheiro fiscal da Abracerva.

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