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Dossiê Cade: entenda acusação sobre exclusividade que opõe Ambev e Heineken

Caso envolve acusação de falta de concorrência em parcela relevante de bares premium de cidades brasileiras

Uma investigação sobre acordos de exclusividade em pontos de venda tem movimentado o setor cervejeiro brasileiro. O processo foi iniciado em março, quando o Grupo Heineken apresentou acusação contra a Ambev junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e prossegue, com a autarquia tendo solicitado posicionamentos das duas empresas, assim como dos concorrentes Grupo Petrópolis e Estrella Galicia, sobre as suas estratégias no mercado.

O inquérito administrativo em que o Grupo Heineken acusa a Ambev de concorrência desleal pelo modo como consegue contar com pontos de venda premium exclusivos teve, até agora, o seu principal desdobramento no fim de julho.

Naquele momento, a Superintendência Geral do Cade negou pedido de medida preventiva solicitado pela multinacional de origem holandesa para impedir a Ambev de firmar novos contratos de exclusividade com estabelecimentos comerciais classificados como premium por meio de acordos que considera serem lesivos à concorrência.

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Ainda assim, o Cade acolheu o posterior pedido do Grupo Heineken para dar sequência à investigação do caso, solicitando novos posicionamentos para a multinacional de origem holandesa, assim como para a Ambev. Além disso, pediu que o Grupo Petrópolis e a Estrella Galicia apresentassem suas visões sobre políticas de exclusividade em pontos de venda.

A existência de contratos de exclusividade é conhecida na relação entre a indústria de bebidas e os bares. Eles costumam envolver o pagamento de luvas, a oferta de descontos de acordo com os produtos adquiridos, além da cessão de mesas, cadeiras e geladeiras. Mas há questionamentos sobre sua validade, pois a exclusividade reduz as opções de compras do consumidor, algo mais difícil de acontecer no varejo, diminuindo drasticamente a concorrência.

Diante da importância do caso, que pode até mesmo provocar mudanças nas políticas de acordos de exclusividade de grandes cervejarias com estabelecimentos comerciais, o Guia preparou um material especial sobre o inquérito administrativo.

A denúncia da Heineken e a decisão inicial do Cade
Em março, o Grupo Heineken protocolou ação no Cade alegando que a Ambev fechou uma parte do mercado às concorrentes através de contratos de exclusividade. Para comprovar a acusação, a empresa apresentou estudo indicando que parcela relevante de bares premium de bairros importantes de 11 grandes cidades brasileiras só vendiam rótulos da concorrente.

A multinacional apresentou um mapeamento em que 90% dos estabelecimentos comerciais procurados “afirmaram (à empresa) ter contratos de exclusividade, escritos ou não, com a Ambev”.

“Mediante o oferecimento de pagamentos de luvas, concessão de descontos não lineares, oferta de materiais e outras bonificações, a Ambev exige exclusividade de venda dos produtos Ambev, fechando o acesso de seus concorrentes a inúmeros PDVs Premium. Como resultado, há uma limitação substantiva do processo competitivo e da liberdade de escolha dos consumidores”, afirma o Grupo Heineken.

A argumentação, porém, não foi aceita pelo Cade para a aplicação de uma decisão liminar, como solicitado pela empresa. Para isso, a autarquia alegou não ser possível comprovar o ilícito concorrencial, apontando a necessidade de aprofundamento da investigação.

Um dos argumentos apresentados pelo Cade foi, inclusive, a força exibida pelo Grupo Heineken no segmento premium brasileiro. “Cabe considerar que a Heineken possui participação de mercado superior a 20% no mercado nacional de PDVs premium e tem registrado crescimento de sua participação nos últimos anos”, diz, em um trecho da decisão.

Além disso, o Cade destaca que a própria multinacional holandesa possui seus acordos de exclusividade. “A atuação da empresa é mais forte justamente no segmento high-end, formado por marcas de preço mais elevado e maior percepção de qualidade, o que é mais um indicativo de que a Representante possui forte penetração nos PDVs alvos da prática denunciada, lembrando que ela também celebra acordos de exclusividade de vendas”, afirma.

E ao menos em sua manifestação inicial, o Cade argumentava sobre riscos envolvidos em determinar o fim dos acordos de exclusividade com bares ou restaurantes, seja para as cervejarias, os próprios estabelecimentos ou mesmo os consumidores.

A cessação dos acordos de exclusividade de venda vigentes ou mesmo a proibição de celebração de novos acordos poderia criar dificuldades financeiras significativas para bares, restaurantes e casas noturnas, que possuem um modelo de negócio baseado em altos investimentos em publicidade, na ambientação do lugar e no compartilhamento dos gastos com fornecedores. Como visto, a prática de exclusividade de vendas gera eficiências para ambas as partes contratantes e também para o consumidor final. No caso, o consumidor final poderia ser prejudicado pela diminuição de seu bem-estar, na forma de uma redução na oferta de estabelecimentos comerciais diferenciados

Cade

Cervejarias se manifestam novamente
Diante da decisão do Cade de indeferir a concessão de medida preventiva solicitada, o Grupo Heineken apresentou novo recurso. A empresa alegou, mais uma vez, que a Ambev detém posição dominante no mercado, destacando que os PDVs premium são chave para a competição. Além disso, defendeu que há evidências suficientes de que a exclusividade praticada pela concorrente fecha parcela substantiva dos PDVs premium, em conduta que gera efeitos anticompetitivos importantes.

O Grupo Heineken ainda apontou que a demora do Cade para uma decisão pode levar a Ambev a ampliar as suas estratégias de exclusividade, assim como provocar o “arrefecimento da capacidade dos concorrentes da Representada em acompanhar ou ter capacidade de competir contra o abuso de posição dominante e poder econômico na concessão de vantagens financeiras ao setor de bares e restaurantes”.

E ao aceitar o recurso do Grupo Heineken para continuar avaliando a denúncia, o Cade fez cinco pedidos às cervejarias envolvidas, indicando interesse em aprofundar o seu entendimento sobre os impactos dos contratos de exclusividade. Foram eles:

  • Indicar quais programas de exclusividade possui em andamento, notadamente em relação aos Bares e PDVs do segmento Premium, de acordo com o padrão de classificação da Nielsen, podendo, se for esse caso, prestar seus esclarecimentos e considerações quanto à delimitação do referido mercado;
  • Apresentar o detalhamento dos referidos programas e os dados e estudos econômicos que justifiquem a eficiência econômica destes programas, se houver;
  • Esclarecer quanto à sua política de preços e descontos, indicando se concede descontos não lineares, descontos por lump sum ou se efetua o pagamento de bonificações de exclusividade;
  • Explicar se faz vendas de seus em pacote (bundling), em pacotes de venda casada ou se condiciona a compra de refrigerantes ou de determinadas marcas de cerveja à compra de outros produtos ou serviços de seu portfólio; e
  • Esclarecer no que os programas e políticas de preço ora em vigor se diferenciam dos programas objeto de TCC anteriormente firmado com este Conselho, se houver alguma diferença significativa.

Nas contrarrazões ao recurso, entre outros argumentos, a Ambev questiona a metodologia da pesquisa realizada e incluída pelo Grupo Heineken na ação apresentada ao Cade.  A empresa alegou a “existência de viés de seleção no mapeamento realizado, já que foi feito exclusivamente com PDVs (pontos de vendas) que não pertencem à base de clientes da representante”.

Além disso, a Ambev apontou já existir forte concorrência no mercado premium, negando o seu domínio, citado pelo Grupo Heineken. “Ambev e HNK são dominantes no mercado de cerveja, sendo que a HNK lidera o mercado em relação a produtos high-end, indicando a inexistência de barreiras artificiais à distribuição”, diz.

A companhia, inclusive, tem, em seu documento, como uma espécie de epígrafe, uma declaração do CEO do Grupo Heineken no Brasil, Maurício Giamellaro, à Isto É Dinheiro. “Hoje a gente está feliz com nossa estratégia, que tem sido liderar o premium, e a gente tem mais do que o dobro do segundo colocado, acabamos de assumir no mercado craft e já temos a liderança do economy e do mainstream puro malte”.

E o documento ainda faz um pedido para que o Cade investigue os acordos de exclusividade do Grupo Heineken. “Em caráter subsidiário, requer-se que se digne V.S.ª a determinar a instauração de inquérito administrativo com a finalidade de investigar as práticas de exclusividade adotadas pela HNK, líder no segmento high-end, que indicou em sua própria Representação praticar contratos de exclusividade de forma bastante abrangente e sem vislumbrar benefícios aos PDVs”.

Guia ouve as indústrias
Em meio ao processo, o Guia entrou em contato com as quatro empresas cervejeiras em busca de posicionamentos sobre o caso. À reportagem, o Grupo Heineken avaliou como positiva a decisão do Cade de solicitar o posicionamento das principais indústrias cervejeiras que atuam no mercado brasileiro. E diz que seria favorável a uma decisão da autarquia que, a partir de agora, vetasse a assinatura de acordos de exclusividade com bares pela indústria de bebidas.  

“Está em linha com a nossa demanda: queremos, justamente, avaliar o que é mais benéfico para o ambiente de negócios como um todo”, destaca o Grupo Heineken, em nota oficial.

Seguimos colaborando com o Cade e confiantes de que, ao final do processo, o órgão tomará a melhor decisão para o mercado e para os consumidores. Nesse cenário, como já manifestamos ao Cade, estamos dispostos a deixar de celebrar acordos de exclusividade de vendas de produto no canal frio, caso a autoridade decida nesse sentido em relação à nossa maior concorrente e líder de mercado

Grupo Heineken

A empresa também diz que “iniciou o processo junto ao Cade por acreditar em uma prática concorrencial justa e na liberdade de escolha do consumidor”. “Acordos de exclusividade no setor de bebidas são estratégias de negócio juridicamente aceitas, mas que vêm sendo adotadas de forma abusiva pela líder do mercado de cerveja, principalmente entre estabelecimentos considerados premium – frustrando o ambiente concorrencial, reprimindo o crescimento de novas marcas e limitando a oferta de produtos ao consumidor”.

Já a Ambev nega a prática de qualquer conduta irregular em suas estratégias comerciais dentro do país, garantindo respeitar a legislação concorrencial brasileira. E cita, inclusive, um termo de ajuste de conduta firmado com o Cade em 2015, no qual se comprometia a não ultrapassar em 8% a parcela dos pontos de venda com contrato de exclusividade.

Em 2020, o Cade atestou que o termo de ajuste de conduta acordado em 2015 estava integralmente cumprido. Mesmo sem ter a obrigação, continuamos monitorando os mesmos indicadores em todas as regiões do país e eles seguem dentro do acordado anteriormente. Na Ambev seguimos com nosso compromisso de manter um ambiente concorrencial justo e para isso contamos, há mais de uma década, com um comitê formado por membros externos que acompanham nosso programa de compliance concorrencial

Ambev

Em posicionamento enviado à reportagem do Guia, o Grupo Petrópolis se disse prejudicado pelas estratégias da líder do mercado brasileiro de cervejas para obter exclusividade em pontos de venda. A cervejaria alega que “vem sendo vítima do comportamento praticado pela Ambev, que abusa do seu poder econômico e fere a livre concorrência do mercado de cervejas”.

O Grupo Petrópolis, inclusive, relembrou um caso de condenação da Ambev pelo Cade, com a empresa tendo de pagar multa de R$ 229,1 milhões, em punição determinada em 2015. Neste processo, encerrado há sete anos, a companhia fechou acordo judicial com o pagamento deste valor depois de, em agosto de 2009, ter sido inicialmente multada em quase R$ 353 milhões pela autarquia.  Na época, por causa de uma prática por meio do programa de fidelidade “Tô Contigo”, a companhia foi sentenciada pelo órgão por exigir exclusividade ou redução na comercialização de produtos concorrentes

 “Não é a primeira vez que a Ambev é processada pelo abuso de seu poder econômico. Em 2015, o Cade já condenou a cervejaria pela prática de infrações contra a livre concorrência”, recorda o Grupo Petrópolis.

Também procurada pelo Guia, a Estrella Galícia se limitou a dizer que atendeu à solicitação do Cade de explicar suas estratégias de exclusividade em pontos de vendas, preferindo se manifestar somente perante as autoridades.

Em breve comunicado, a empresa informa que “respondeu ao inquérito administrativo em andamento no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), onde entende ser um fórum adequado para discussão sobre questões concorrenciais e de defesa da ordem econômica”.

Especialista vê chance de caso ir aos tribunais
Tramitando na alçada administrativa, o caso envolvendo a acusação de concorrência desleal pode mudar de esfera, ocorrendo uma judicialização da matéria se o veredicto, a ser dado pelo Cade, não for satisfatório para alguma cervejaria. Essa foi a opinião apresentada à reportagem pelo advogado Fernando Capano, doutor em Direito pela USP.  

“Embora não seja praxe, as empresas competidoras que estão a considerar prejuízo competitivo, se insatisfeitas com a solução de âmbito administrativo que o Cade irá oferecer, ainda poderão, por exemplo, judicializar a matéria”, analisa.

Já a respeito da decisão a ser tomada pelo Cade, Capano pondera que acordos de exclusividade não são ilegais. Mas destaca que a decisão da autarquia certamente precisará levar em consideração se esse tipo de contrato lesa ou não o consumidor.

“O direito concorrencial geralmente irá considerar, mesmo a partir da existência de acordos de exclusividade, o que gerará melhor resultado do ponto de vista do consumidor. Esta é a razão pela qual, no crivo da lei, tais acordos não são necessariamente ilegais ou prejudiciais ao mercado competitivo”, conclui.

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