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Balcão da Nadhine: Cerveja e liberdade

Entramos no fim do mês de junho, que começou com a série de protestos antirracismo nos Estados Unidos, com momentos de revolta e dor que tomaram conta das ruas e das redes sociais. As mortes de George Floyd e, mais recentemente, a de Raychard Brooks deram oxigênio ao grito de “Chega!” que ecoa há mais de 500 anos, desde quando os negros eram levados à força de sua terra, separados da família, e tinham subtraídos sua origem, sua identidade e sua liberdade.

No Brasil, não é diferente. As mortes de Pedro Vitor, João Pedro, Ághata, Marielle, dentre tantos outros, escancaram a seletividade da polícia, que tanto tem em comum com a norte-americana – inclusive sua origem, que data de uma época de escravidão e tinha como função trabalhar para elite, capturando e torturando negros escravos fugitivos. Essa prática era institucionalizada pelo Estado. Até 1888, a tortura foi legal no Brasil, mas apenas em negros, afirmou em entrevista à BBC o historiador Luiz Felipe de Alencastro, um dos maiores pesquisadores da escravidão no Brasil.

Se compararmos a história com a realidade atual, olhando para o Atlas da Violência de 2019, vemos que 75,5% das vítimas de assassinato são indivíduos negros (dados de 2017). Assim, dá para traçar um claro paralelo. 

Este é mês também do Orgulho LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersex). E a história dessa data, oficialmente 28 de junho, vem de um episódio ocorrido em Nova York, em 1969. Neste dia, as pessoas que frequentavam o bar Stonewall Inn (até hoje um local de forte presença de gays, lésbicas e trans) reagiram a uma série de batidas policiais que eram realizadas ali com frequência. Pois é, outra reação de revolta e dor que deu origem a um ato político que acontece todos os anos em vários países, de luta por liberdade corporal e comportamental: a Parada do Orgulho. E o Brasil é o país que mais mata trans no mundo, segundo a ONG Transgender Europe (TGEu). 

O grito social e econômico das minorias pelos direitos individuais à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade, instituídos para todos pela Constituição brasileira, pode parecer besteira para alguns que dizem “todas as vidas importam”. Mas o fato é que esses direitos pétreos garantidos, na verdade, só são assegurados para uma parcela da população. E o respeito, reconhecimento e proteção são negados a uma outra parte, por causa de sua cor, identidade de gênero, orientação sexual, lugar de origem ou deficiência.

As minorias de direito são definidas como grupos marginalizados dentro de uma sociedade devido aos aspectos econômicos, sociais, culturais, físicos ou religiosos sem, necessariamente, se referir à quantidade numérica, mas sim ao controle de um grupo sobre os demais.

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A população brasileira tem mais mulheres (50,4%) e pessoas não brancas (54,9%) como maioria, mas são grupos que possuem seus direitos cerceados, assim como as demais minorias. Cada uma delas tem recortes transversais, que podem colocar a pessoa individualmente em um grupo de maior risco ou de direito limitado, como um homem negro gay portador de deficiência, por exemplo, ou uma mulher transgênera, lésbica e periférica.

Dentro desses grupos, existe um estado de vigia intenso aos direitos adquiridos até hoje. Racismo é crime. Homofobia é crime. O casamento entre pessoas do mesmo sexo é possível por lei. Existe cota racial e de renda para concursos, além de vagas especificamente destinadas a pessoas com deficiência. Mas ainda existe muita impunidade, muito preconceito e desigualdade.

E o que a cerveja tem com isso?
A Brewers Association, entidade que representa as cervejarias independentes dos Estados Unidos, tem um programa de apoio financeiro para eventos locais e regionais que possuam o propósito de fomentar uma comunidade de cerveja artesanal mais diversificada e inclusiva. A prioridade dos financiamentos é para eventos que aumentem o acesso e a conscientização acerca da cerveja artesanal a diversos grupos demográficos, enquanto cultivam um ambiente inclusivo.

Vimos, em junho, surgir o projeto “Black is Beautiful”, da cervejaria Weathered Soul, uma artesanal independente no Texas. A iniciativa é um esforço colaborativo para que a comunidade cervejeira e consumidores se conscientizem das injustiças que muitas pessoas de cor enfrentam diariamente. A árdua missão é preencher aos poucos a lacuna que existe há séculos e fornecer uma plataforma para mostrar que a comunidade cervejeira é um espaço inclusivo para todos, de qualquer cor.

E no Brasil?
A Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva) criou, neste mês, o Núcleo de Diversidade, visando estabelecer uma estrutura organizacional comprometida com a diversidade, equidade e inclusão na entidade.

É preciso um comprometimento real da sociedade para mudar essa realidade. E é nosso dever escutar o que cada uma dessas comunidades tem a nos dizer, dar voz às suas palavras e agir para fortalecê-las. Por isso, o núcleo fará lives para dar voz a representantes dessa diversidade, às quartas-feiras, às 20 horas, no YouTube da Abracerva.

Todos nós temos muito o que fazer daqui para frente, para conscientizar e erradicar os preconceitos sistêmicos de nossa sociedade. Esse é um pequeno passo para uma comunidade com liberdade e melhor.


Nadhine França é sommelière, membro da Confraria Maria Bonita, coordenadora do Instituto da Cerveja no PE e do Núcleo de Diversidade da Abracerva

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