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Balcão Xirê Cervejeiro: O que significa o “Criado Por Elas – Liderado Por Elas”

Olá, seguidores(as) e leitores(as) do Balcão Xirê Cervejeiro do Guia da Cerveja,

Chegamos em março, mês que marca, sobretudo, a luta das mulheres por direitos. E é nessa direção que a nossa coluna se desloca.

Desde que comecei a atuar ativamente no mercado cervejeiro há quase sete anos, venho tensionando o mercado sobre a ausência de mulheres racializadas como donas de seus próprios negócios ou em posição de destaque no mercado cervejeiro.

Muitas estiveram à frente de empreendimentos, que, mesmo sendo de sucesso, não prosperaram. Se é difícil para as mulheres não racializadas, imagine para mulheres racializadas ou trans.

O mercado nem toca nesta questão. É uma ausência total. Elas praticamente não estão inseridas no mercado como donas de seus negócios, e ainda são apenas mão de obra para o mercado. Esse cenário precisa mudar.

Sabemos que é muito mais difícil para corpos racializados conseguirem empréstimos, alugarem espaços para seus empreendimentos, pois, na cultura do mercado, esses corpos não são confiáveis. Para além disso, são corpos que não vêm de uma “cultura de herança”, não são herdeiros ou amigos do “rei”, o que torna tudo mais complexo.

Existem muitas mulheres negras cervejeiras atuando no mercado, mas é comum este mercado nunca encontrá-las (curioso). Quando são “encontradas”, são sempre os mesmos rostos e aqueles mais próximos à brancura, para não destoar do cenário branco normalizado que temos por aí.

Há muitas mulheres negras desejosas por fazer cervejas e eventos vocalizados na cultura cervejeira, mas o que falta é apoio, espaço e convite para que estejam em projetos.

Recentemente, tomei contato com o projeto “Criado Por Elas – Liderado por Elas” e tive uma conversa franca com três mulheres que fazem parte dele. De um universo de 30 participantes, temos apenas duas mulheres negras. É um começo, mas é preciso ampliar. O projeto é interessante e tem possibilidade de amplificar.

Deixo aqui, na íntegra, o relato de 3 das 30 sobre o que é o projeto e o que ele significa para as mulheres do mercado cervejeiro:

Danielle Lira (sócia e fundadora do Torneira Bar)
Como sommelier de cervejas, sempre fui uma grande apreciadora do trabalho da Cervejaria Dádiva.

Em meu papel como empreendedora à frente do Torneira Bar, sempre priorizei a presença de cervejarias produzidas por mulheres, pessoas negras e pessoas LGBT+ em minha lousa de chopes, e a Cervejaria Dádiva nunca ficou de fora da minha seleção. Sou uma entusiasta do trabalho deles, especialmente dos projetos liderados por Luiza (Lugli Tolosa, CEO da Dádiva).

Ao longo do tempo, naturalmente, desenvolvemos uma aproximação e um desejo compartilhado de realizar projetos em parceria entre a Dádiva e o Torneira Bar. No entanto, devido à agitação do empreendedorismo, nem sempre conseguíamos alinhar agendas para uma conversa mais específica.

Este ano, aguardava ansiosamente para descobrir qual projeto seria conduzido para o mês da mulher, algo já tradicional para a Cervejaria Dádiva.

Ao tomar conhecimento do projeto “Criado Por Elas – Liderado Por Elas”, inicialmente, não havia viabilidade para minha participação, uma vez que, até o momento, o Torneira Bar não dispõe de fábrica/cervejaria. Contudo, em um papo informal com a Luiza, surgiu a ideia e o convite para uma colaboração, junto com minha amiga Cinara (Gomes), sócia da cervejaria Serafina, que já esteve presente nas taps do Torneira Bar e é minha parceira em outro projeto do cenário cervejeiro.

Assim nasce, por meio das conversas, a cerveja Aliadas, com o intuito de ir além da celebração do 8 de março. O propósito é fomentar uma reflexão profunda e inclusiva sobre as diversas expressões do feminino na sociedade, especialmente aquelas que têm pouco destaque, são pouco ouvidas e pouco reconhecidas no mercado cervejeiro.

Como mulher negra e proprietária de um bar que valoriza a diversidade e inclusão, principalmente de gênero, refletir sobre todas as feminilidades, especialmente de mulheres trans e travestis dentro da sociedade, e considerar a participação delas no mercado cervejeiro é mais do que um propósito para mim. No Torneira Bar, buscamos fomentar um ecossistema diverso, oferecendo, por meio de projetos e, sobretudo, oportunidades de trabalho e conhecimento cervejeiro a tantas mulheres trans e travestis que trabalham e trabalharam conosco. Nosso objetivo é que esse conhecimento possa abrir portas para atuações significativas no setor.

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Acredito, acima de tudo, na construção de mais alianças para intensificar a luta pela diversidade e inclusão no cenário cervejeiro. Em sintonia com o projeto “Criado Por Elas – Liderado Por Elas”, a Aliadas foi pensada, produzida e celebrada para somar e contribuir com as transformações e desconstruções de paradigmas em torno do universo feminino.

Luiza Tolosa (CEO da Dádiva)
A iniciativa “Criado Por Elas – Liderado Por Elas”, está sendo lançada agora, e faremos o primeiro evento em 9/3. O objetivo é incentivar o empreendedorismo feminino e promover as cervejarias criadas e lideradas por mulheres. 

A iniciativa é o começo de uma ideia que eu espero que se propague, que ande sozinha, organicamente, e independentemente da Dádiva. Os rótulos das cervejas terão um selo Eu Apoio Negócios Criados e Liderados por Mulheres, e eu desejo muito que este selo se expanda e atinja muitos outros produtos e setores.

O evento do dia 9/3 é a primeira concretização desta iniciativa, a primeira ação prática dele. Por ser a primeira ação, ele é importante, claro, mas é só a primeira ação dentre muitas que irão acontecer. 

Para isso, buscamos construir o projeto de uma maneira colaborativa, contando com a ajuda de diversas pessoas do mercado (tanto quanto foi possível devido à rapidez que a organização do projeto nos exigiu).

Acredito que temos muito mais para conquistar e muito mais gente para incluir, e a nossa trajetória até aqui e o contato com pessoas incríveis que tivemos nos mostrou isso. Sabemos do potencial de crescimento que o projeto ainda tem e trabalharemos cada vez mais para conseguirmos atingir patamares maiores. No convite que enviamos para as cervejarias, tinha uma mensagem pedindo que o material fosse enviado para outras produtoras e muita gente nos ajudou com essa parte, mas sabemos que ainda temos muito trabalho pela frente para que o projeto chegue a mais pessoas. E que bom que ainda podemos crescer e nos unir cada vez mais.

Cinara Gomes (sócia da Cervejaria Sarafina)
Na minha perspectiva de mulher preta cervejeira, participar do projeto “Criado Por Elas – Liderado Por Elas“, reunindo cervejarias lideradas por mulheres de vários cantos do Brasil, me coloca em reflexão em torno das diversas formas de expressão do feminino e como essas formas se inserem no mercado cervejeiro em suas localidades

Somos extremamente diversas e ocupamos posições sociais muito diferentes em nossa sociedade. Algumas com bastante passibilidades e privilégios e outras, não.

Tomo como exemplo as minhas próprias dificuldades de participação nesse evento por ser uma cervejeira cigana e não poder fazer um rótulo exclusivo sozinha por questões de dificuldade de manter uma empresa pequena com entraves para manter um financeiro saudável, com venda a um preço que viabilize a longevidade do negócio, logística de distribuição e desenvolvimento de novos rótulos. Assim, sabemos que as realidades das cervejarias e cervejeiras do Brasil são muito diferentes.

Ao me convidar para compor um rótulo colaborativo e observar a realidade do meu negócio em BH, a Luiza, da Dádiva, e a Dani Lira, do Torneira, me instigaram a estar junta ao projeto, mesmo com minhas dificuldades, mas enxergando minhas potências.

O rótulo que construímos juntas, intitulado “Aliadas”, é a evidência é a confirmação de que alianças que juntam forças, minimizam distâncias sociais e fortalecem negócios de forma colaborativa são possíveis de verdade!

O dia 08/03, para mim e para a Cervejaria Serafina, ganha um sentido maior porque construímos juntas uma forma mais inclusiva de contemplar nosso feminino. Sabemos que, originalmente, a data não contempla todas as mulheres. Esta ação é fundamental porque devemos estar sempre alerta, pois somos ainda, em pleno 2024, atacadas por abuso de poder, agressões de diversas formas, menos valia, diferenças salariais e preconceitos.


Como vimos pelos depoimentos dados, há mulheres no mercado cervejeiro, é preciso celebrar suas existências e é necessário prospectar a ampliação e presença de mais corpos dissidentes dentro desse cenário.


Sara Araujo é formada em Direito, licenciada em Ciências Sociais, sommelière de cerveja e consultora, além de criadora e gestora do @negracervejassommelier


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