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Balcão da Nadhine: Crise, criatividade e diversidade

Sou analista de sistemas de formação e sempre que vejo palestras e as tão populares lives cervejeiras sobre como se reinventar na crise da Covid-19, ideias de novos serviços ou produtos, novas formas de chegar ao seu cliente e projeções de um novo mercado, me vem à cabeça a pergunta: como deve estar o planejamento estratégico das empreas hoje? Será que todas estão correndo com a corda no pescoço, apenas tentando sobreviver? Ou alguém aí está fazendo análise de mercado, projeções e testando protótipos das ideias, pensando na diversidade?

Para quem não conhece o termo que vou usar aqui, o design thinking é uma abordagem que reúne métodos de pesquisa e análise. Hoje é visto como um conjunto de práticas e processos que propõe uma nova abordagem para a solução de problemas. Isso mesmo, problemas!

Então, vamos pensar um pouco sobre os problemas do mercado cervejeiro hoje. Vou dividir essa coluna em etapas, inspiradas nas quatro do design thinking: imersão, ideação, prototipagem e desenvolvimento.

Imersão
É a fase de entendimento, onde estudamos as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças do setor. A cerveja é tida com uma bebida super democrática em todo o mundo. Mas será que a artesanal é?

A empresa Clube do Malte divulgou uma pesquisa, feita em 2017 e 2018, sobre hábitos de consumo no Brasil. Com 2.876 participantes, ela apontou para uma maioria de consumidores do sexo masculino, com idade entre 31 e 40 anos, casados, com nível superior completo ou pós-graduação. Além disso, mais de 50% são da região Sudeste.

Poderíamos então apenas incentivar o aumento do consumo desse público já pagante e com educação cervejeira formada? A resposta, se você quer que seus consumidores continuem saudáveis para consumo, é não.

Outra pesquisa, do Ministério da Saúde, aponta que 17,9% da população adulta no Brasil faz uso abusivo de bebida alcoólica. O porcentual é de 14,7% a mais do que o registrado no país em 2006 (15,6%). Mesmo com o porcentual menor, as mulheres (11%) apresentaram maior crescimento em relação aos homens (26%), no período de 2006 a 2018. Em 2006, o porcentual entre as mulheres era de 7,7% e entre os homens, 24,8%. Os dados são de 2018.

Ideação
É a fase onde o problema começa a ter uma solução. O desafio de todas as cervejarias que ouvi até hoje, antes e depois da crise, é vendas. Como vender para todos? Como aumentar as vendas sem aumento do consumo individual?

É preciso diversificar o público, atingir mais consumidores de bebidas que não são apenas o perfil “homem branco paulista de classe média”. E para entender e se aproximar de um outro público mais diverso, é necessário trazê-lo para dentro do mercado.

Quer entrar no mercado de cervejas artesanais no Nordeste? Quantos nordestinos estão empregados na sua empresa? Quer entender o consumo de cervejas artesanais pelas mulheres? Quantas mulheres estão empregadas na sua empresa? Qual é a participação dessas pessoas na tomada de decisão?

Prototipagem
É a fase de criação do produto/serviço que irá ampliar esse mercado. Nada do mesmo serve aqui, é preciso um novo olhar, uma nova abordagem. Estamos falando de mudanças. Mudança é inovação. Ideias novas não vão surgir com uma simples lâmpada acendendo na sua cabeça.

A Harvard Business Review afirma: empresas com funcionários diversos têm 45% mais chances de apresentar um crescimento sobre o ano anterior. E a probabilidade é 70% maior de ter ganho de mercado.

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Assim, pesquisas mostram que cada vez mais a diversidade e a inclusão (ou D&I) podem ajudar a aumentar os resultados financeiros de uma empresa, impulsionar a inovação, atrair mais talentos, clientes e criar mais oportunidades de crescimento.

Teste
É o momento de colocar o seu produto/serviço para o jogo. No Brasil, essa discussão ainda está começando, mas nos Estados Unidos a Brewers Association (BA), principal associação das cervejarias independentes do país, preocupada com a representatividade do mercado, criou um comitê de diversidade em 2017, que tem como objetivos:

  • Estabelecer uma estrutura organizacional dentro da Brewers Association comprometida com a diversidade, equidade, igualdade e inclusão.
  • Coletar, analisar e divulgar dados para promover diversidade, equidade, igualdade e inclusão em todos os aspectos da comunidade cervejeira artesanal pequena e independente.
  • Apoiar e promover a diversidade na comunidade de cervejarias artesanais pequenas e independentes, incluindo cervejarias, atacadistas, fornecedores de matérias-primas e varejistas.
  • Atrair e manter ativamente uma comunidade diversificada de bebedores de cerveja artesanal pequena e independente.
  • Promover diversidade, equidade, igualdade e inclusão em todas as propriedades públicas da BA, incluindo eventos, publicações e sites da associação.

A BA tem hoje um programa de subsídios para eventos, apoiando iniciativas locais e regionais que intencionalmente promovam uma comunidade de cerveja artesanal mais diversificada e inclusiva.

Essas estratégias não são assistencialismo. São estratégias de crescimento de mercado das artesanais que, no caso dos Estados Unidos, somaram uma fatia de 25% das vendas de cervejas em 2019, segundo a BA.

Onde estamos?
No Brasil, estima-se que a cerveja artesanal independente tenha 2% de participação no mercado, aproximadamente. Além disso, havia 1.209 cervejarias com planta em 2019. A Abracerva apresentou um estudo onde afirmou a dominância masculina no setor, com 89% dos cervejeiros sendo homens, contra 11% de mulheres. A idade média dos profissionais é de 39 anos (52%), com alto grau de escolaridade, repetindo o perfil encontrado entre os clientes.

A representatividade pode ser a chave para podermos alcançar a parcela dos 50% da população que se considera negra e parda, os mais de 50% dos brasileiros que se declaram do sexo feminino e os mais de 10% que declaram fazer parte da comunidade LGBTQI+, segundo dados de 2016 do IBGE.

Além da ampliação do mercado, ações como essa promovem um crescimento saudável de uma comunidade com mais respeito, empatia, bom senso, humildade e paciência, valores humanos básicos trazidos como reflexão por Cilene Saorin em palestra sobre Cerveja e Equidade no Brasil.

Essa mudança não acontece de um dia para o outro. Disso tiramos outro aprendizado do design thinking, que não é linear, mas cíclico. Toda vez que você testa um protótipo idealizado por uma equipe, que necessariamente é multidisciplinar e voltada para experiência do usuário (UX), ela avalia os resultados para já produzir um novo protótipo, evoluindo sempre.

Cada uma das etapas da metodologia tem como base toda a discussão proposta aqui nesse texto. O design thinking e o UX aplicado ao mercado cervejeiro serão conversas para os próximos encontros. Até lá!


Nadhine França é sommelière, membro da Confraria Maria Bonita e coordenadora do Instituto da Cerveja no PE

1 Comment

  • Luiz Guerreiro Reply

    18 de maio de 2020 at 13:50

    Ótimo artigo. Excelentes informações e rompe com a retórica repetitiva vista na maioria das lives. Creio que esse material deva ser leitura obrigatória para todos os envolvidos com a produção de cerveja artesanal.

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