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Entrevista: “Bares terão de deixar de depender da oferta de cervejas artesanais”

Em entrevista ao Guia, Lisa Torrano avalia que o setor estaria menos vulnerável se fosse mais unido

O CASP – Cerveja Artesanal São Paulo não carrega apenas a qualificação do setor em seu nome. Referência no segmento antes mesmo de ter o seu espaço físico, ele foi importante em diferentes fases do setor. Mas, provavelmente, na mais crítica delas, encerrou as atividades, ao menos do seu bar. E é sobre essa trajetória e a atuação em momentos fundamentais do setor que Lisa Torrano, sua fundadora, fala nesta entrevista ao Guia.

Em tom retrospectivo, Lisa Torrano relembra como o CASP participou da consolidação da cultura das cervejas artesanais, especialmente em São Paulo, não resumindo o público-alvo aos beer geeks. E ajudou a consolidar e a emplacar algumas tendências que se tornaram características do segmento, como o lançamento de rótulos sazonais.

Muito mais do que pelo bar, isso também se deu pela realização do Encontro Cerveja Artesanal Brasil, um evento organizado por Lisa Torrano e que abriu o caminho para a diversidade da cena paulistana do segmento, além de ter funcionado como uma oportunidade para o público conhecer a variedade de rótulos e cervejarias existentes, mas que eram de difícil acesso quando da realização do primeiro evento, em 2013.

Foi com o bar e o encontro que Lisa Torrano se tornou referência e figura respeitada entre os profissionais das cervejas artesanais. E é com essa experiência que ela também faz importantes reflexões na entrevista ao Guia, incluindo críticas ao setor, que não tem atuado coletivamente como ela gostaria. Embora pondere que houve evolução na qualidade das cervejas produzidas nos últimos anos, a fundadora do CASP avalia que “por não ter união, o mercado está mais vulnerável do que nunca”, por comportamentos que contrariariam a lógica de um segmento artesanal.

Além disso, ela prevê que o segmento estará bem diferente ao fim da pandemia do coronavírus. Na opinião de Lisa Torrano, a conexão direta entre cervejarias e consumidores será fundamental para quem quiser seguir operando no segmento.

Com a experiência de ser a chef vencedora do talent show BBQ Brasil: Churrasco na Brasa de 2018, Lisa Torrano também aponta que os bares não poderão ser mais dependentes da oferta de cervejas artesanais, tendo de apostar na gastronomia e, principalmente, possuindo a sua identidade. “Começou com cervejas artesanais e hoje se transforma em alimentos para a alma”, afirma a empresária.

Lisa Torrano também destaca que o CASP deixa de existir como bar, mas o evento voltará a ser organizado assim que for possível. E aponta os seus próximos passos na profissão, que já possuía sucesso e ações envolvendo a gastronomia artesanal, na entrevista abaixo ao Guia.

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Confira:

O CASP, inicialmente como evento, surgiu em um momento em que a cena da cerveja artesanal ainda era quase incipiente. Para você, o quão importante foi o CASP para a consolidação do setor?
Primeiro, é importante destacar aqui que o CASP já existia antes mesmo da nossa sede “física” (o bar). O Cerveja Artesanal São Paulo, como grupo de apaixonados por cervejas artesanais e eventos, existe desde 2013. E, com o fechamento da sede física, ele não deixa de existir, afinal o bar foi apenas um dos desenvolvimentos do projeto que infelizmente tomou o golpe mais duro nesta crise. Mas, falando lá do começo, em 2013, nossos eventos serviram principalmente para ajudar a espalhar a cultura cervejeira artesanal, melhorar o acesso dos produtos e a descobrirmos a “cara” do consumidor de cervejas artesanais no Brasil (uma vez que nosso público vinha de todos os estados). Antes não tínhamos certeza quem era o consumidor, pois tudo ficava entre nichos consumidores, mas aos poucos a experiência dos eventos mais acessíveis desenhou para “quem” estávamos vendendo as cervejas artesanais por aqui e não era somente para beer geeks…

A “segunda etapa” do CASP foi o bar, agora fechado após seis anos. Como avalia a atuação do estabelecimento para a cena das cervejas artesanais?
Em 2015, chegou o bar do CASP, que foi pensado justamente para manter este trabalho de acessibilidade às cervejas e assim fomos palco do nascimento e também da consolidação de diversas marcas de cervejas artesanais que estão firmes e fortes no mercado, assim como também ajudamos a espalhar conceitos como o consumo em growlers, consumo de cervejas sazonais, consumo de cervejas artesanais “baratas”, etc. Lembrando que o CASP também encabeçou a luta por lançamentos de cervejas em diversos locais ao mesmo tempo (o que não acontecia), e isso agilizou o acesso a novidades e, sem sombra de dúvidas, acelerou imensamente o fortalecimento de pequenos bares em suas próprias vizinhanças, uma vez que você poderia consumir os lançamentos no seu bar verdadeiramente “local”. Encaramos a luta pelo mercado não somente sob o aspecto comercial, mas também político, uma vez que ser artesanal em um mercado que privilegia os “grandes”, por si só, é um ato de desobediência ao sistema.

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Ao mesmo tempo em que ajudou como personagem do crescimento do setor, você também vivenciou a evolução do segmento. Como compara o setor de artesanais dos primeiros anos da década passada com o cenário atual?
Com certeza vemos uma clara evolução, principalmente relacionada a acesso a insumos, tecnologia, distribuição e produção. Estamos hoje há anos luz do começo da década passada, quando tínhamos no máximo 30 cervejarias artesanais. Porém, ainda não verificamos no mercado uma evolução natural que seria a união das forças dos artesanais, para assim bater de frente com o monopólio das grandes. Isso acontece em outros mercados, como os Estados Unidos e a Europa. Porém, aqui no Brasil, sempre existe uma relutância em nos organizarmos em proteção aos artesanais independentes. Não sei se isso se dá pois as pessoas sempre estão pensando na possibilidade de serem contratadas pelas grandes cervejarias ou mesmo em vender suas marcas (o que acontece bastante), mas no fundo eu creio que isso nos rouba a identidade artesanal e tira força do movimento. Consequentemente isso também causa muito atrito entre as marcas e as parcerias são sempre superficiais. Resumindo: o mercado das artesanais hoje em dia produz mais, produz melhor, vende mais, mas, por não ter união, também está mais vulnerável do que nunca.

Imagino que a crise provocada pela pandemia e a incerteza sobre o futuro tenham causado o fechamento do CASP. Foi isso mesmo? E como foram esses meses de dificuldade?
Como a maioria dos negócios no ramo de bares e restaurantes, sempre estávamos na corda bamba, porém, no meio de 2019, estávamos finalmente atingindo o equilíbrio. Acrescentamos um bom cardápio gastronômico comigo encabeçando a cozinha (tinha acabado de vencer o BBQ Brasil do SBT), focamos nosso cardápio em novidades constantes e cervejas primorosas. Tudo estava lindo.

Mas chegou a Covid-19 e, assim, tudo o que construímos foi desmoronando aos poucos. Custos fixos muito altos com aluguel, funcionários, conta de energia, etc. Cheguei a vender meu apartamento para segurar as contas, pois realmente acreditei que em janeiro de 2021 estaríamos 100% de volta. Assim foi esta triste história. Tentamos nos “reinventar”, mas dentro da equação do CASP, com cervejas artesanais, eventos e gastronomia focada em carnes frescas e ingredientes de preparo mais refinado, acabamos no meio de uma luta injusta. Pegamos o que sobrou do dinheiro, pagamos a rescisão dos funcionários, acertamos o aluguel até maio (sim, mais uma vez apostamos que estaríamos de volta), e cá estamos, em abril de 2021 de portas fechadas, sem nenhum apoio do governo e sem perspectivas de volta do mercado de bares e restaurantes.

O CASP como bar não prosseguirá, mas o evento continuará sendo realizado? Quais são os planos?
Sim, o CASP original vai continuar com os eventos, porém, para planejar qualquer coisa, preferimos esperar para entender como o setor de eventos vai reabrir. Precisamos saber se terão restrições e quais serão elas, como estará o momento para as cervejarias e para os consumidores. No momento, estamos apenas aguardando para entender como as mudanças que estão acontecendo no mundo podem influenciar quem nós devemos nos tornar no futuro como evento.

Como empresária, sommelière e chef, como você enxerga o momento para o setor de cervejas artesanais? Como imagina que ele estará ao fim da crise?
É um momento de transformação. As cervejarias que melhor se adaptarem à distribuição direta ao consumidor e ao mercado online são as que sobreviverão. É muito, muito cruel constatar isso, mas os bares, em uma situação desta, pouco podem ajudar nas vendas, uma vez que quem compra do bar quer a experiência de estar no bar. Se eu tivesse uma cervejaria, com certeza estaria correndo com minhas estratégias de delivery e loja online. No fim da crise, creio que teremos cervejarias muito mais conectadas diretamente com seus consumidores, sem precisar necessariamente ter uma sede física (que era o que estava acontecendo durante o boom de brewpubs). Os bares, por sua vez, terão de encontrar suas identidades e deixar de depender exclusivamente da oferta de cervejas artesanais, vai ser um “ok, cervejas artesanais e mais o quê?”

O CASP é “apenas” um dos seus braços de atuação. Quais são os próximos passos e planos da Lisa?
Falando especificamente do meu trabalho, estou sobrevivendo e mantendo a sanidade neste período com muito estudo e transformação. O lançamento da minha loja online, Fogo Ancestral, é a primeira das ações. Seguindo-se a isto, logo que pudermos, voltarei a fazer eventos, não somente os eventos grandes como o CASP, o Medieval São Paulo, etc, mas também eventos menores e focados na gastronomia ancestral, que é minha especialidade, vivências gastronômicas no meio da floresta, resgate de uma cultura gastronômica indígena, cabocla. Enfim, toda a cultura gastronômica ancestral do nosso e de outros povos. Comecei também a fazer campanhas publicitárias ligadas à gastronomia, coisa que antes eu não enxergava como possibilidade, mas o mundo dá voltas, né? O meu momento agora é de luta, de experimentação, de superação e de força. Não é o momento mais agradável da minha vida, mas pelo menos hoje em dia sei quem eu sou, tenho consciência de todo o valor que já entreguei aos mercados que trabalhei e que, acima de tudo, sempre sei que dá para evoluir, dá para melhorar, dá para superar.

Acima de tudo, eu sou uma sonhadora. E, em segundo lugar, sou uma construtora. Por agora, estou apenas trabalhando no que consigo, sonhando e observando, mas vai chegar novamente meu momento de construir. E, quando chegar esse momento, vou levar comigo todas essas experiências que estamos adquirindo durante a crise, todas as pessoas que estão nos apoiando e toda a evolução de um pensamento que começou com “cervejas artesanais” e hoje se transforma em “alimentos para a alma”.

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