fbpx

Balcão da Chiara: Nem tudo que reluz é ouro

O brilho da cerveja encanta, contudo será que há sempre necessidade de produzir uma cerveja sem turbidez? A resposta é: depende! Depende do estilo e depende de como a cervejaria se comunica com seu consumidor. O consumidor padrão de cerveja, que está fora da bolha artesanal, aprecia as características da cerveja que consumiu a vida toda. Na sua leitura, por muitas vezes, a turbidez é um indicador de que há algo “errado” com o produto.

Com a crescente produção de cervejas mais leves e de baixa fermentação, existe também uma busca por aperfeiçoamento nas técnicas e controles de produção pelas cervejarias independentes.

A filtração é um tema complexo porque a filtração não é uma etapa para resolver problemas. Você pode amenizar, driblar, mas se há um processo fora de controle desde o recebimento da matéria-prima, vai ser bem mais difícil e custoso “acertar” tudo na filtração. São pré-capas derrubadas, cerveja refiltrada, energia elétrica, água, CO2, terra infusória, tempo, cerveja, tudo jogado fora.

A turbidez pode ser causada de diversas formas, como: por levedura em suspensão, outros microrganismos contaminantes, pelo lúpulo, pelo amido não convertido, por polifenóis, oxalato, beta-glucanos e proteínas, sendo estas a principal causa da turbidez coloidal.

O complexo proteína-polifenol pode tornar-se visível. Esta ligação é formada em baixas temperaturas, em torno de 0ºC de maneira mais intensa. Como é uma ligação fraca, o aumento da temperatura faz com que essa ligação rompa. É o que chamamos de turbidez a frio, temporária (chill haze). Diversos fatores podem influenciar a estabilidade coloidal da cerveja como temperatura, agitação, luz, oxigênio e presença de íons metálicos. Pode ocorrer a oxidação de polifenóis, polimerização de polifenóis gerando outros tipos de ligações, agora ligações que não se desfazem mais com a temperatura. É o que chamamos de turbidez permanente (permanent haze/ warm haze).

É aí que temos o grande desafio dentro e fora das fábricas. Seja na condução do processo ou mesmo na logística de distribuição e armazenamento do produto. O liga e desliga de freezer em bares, as estradas ruins, longos percursos, armazenamento inadequado.

E o que você pode fazer dentro da fábrica?

Os cuidados devem partir desde: evitar exposição excessiva do malte moído, água com alcalinidade elevada, pH da mostura elevado, pH e temperatura da água de lavagem elevados, exposição do bagaço na filtração do mosto, turbidez do mosto elevada, descontroles na fervura causando baixa coagulação proteica, arraste de trub, falta da retirada do trub frio, falta de purgas na maturação, oxidação da cerveja ao longo do processo, trasfegas e durante o envase, tempo e temperatura de maturação insuficientes, falhas na técnica de dry hopping, filtração acima de 0ºC, pré-camadas com dosagem inadequada e mal formadas, receita e dosagem de terra inadequada, desconhecimento dos controles durante um processo de filtração.

Controles de processo não faltam para ajudar na produção de uma cerveja “limpa” e com brilho, inclusive com a estratégia de utilizar adjuntos com baixa quantidade ou sem proteína e polifenol. Além disso, existem alguns coadjuvantes de processo que podem auxiliar o seu trabalho, como a utilização do ácido tânico, sílica, PVPP, carragena, finings, enzima específica para prolina. Alguns destes coadjuvantes além de auxiliar na redução da turbidez, podem reduzir tempo de processo e consequentemente redução de consumo energético. Como são inativados ou retirados do processo, não precisam ser declarados no rótulo da cerveja.  

É muito comum encontrarmos cervejas “limpas”, mas sem brilho. Filtração é técnica. Grande parte das pessoas que operam filtros (de terra) não conhece a capacidade do equipamento, a carga de terra possível para as pré-capas e dosagens. Dois pontos importantes na filtração: o seu equipamento e a cerveja!

A capacidade de filtração, área filtrante, carga máxima de terra, diferencial de pressão, porosidade do leito são fatores fundamentais. Por outro lado, não existe milagre! As características da cerveja têm total impacto como a viscosidade, as características e quantidade das substâncias causadoras de turvação, temperatura. E é neste ponto que voltamos ao básico: controles de processo, padronização e treinamento.

Definir os parâmetros de controle e padronizar os processos da fábrica fazem parte da gestão da qualidade. Não abra mão dessas etapas. O retorno é garantido! Treine sua equipe e acompanhe os resultados. Nem tudo que reluz é ouro, mas pode ser cerveja!    


Chiara Barros é proprietária do Instituto Ceres de Educação e Consultoria Cervejeira. Engenheira Química, especialista em Biotecnologia e Bioprocessos, em Gestão da Qualidade e Produtividade e em Segurança de Alimentos, além de cervejeira e sommelière de cervejas.

1 Comment

  • jean vieira Reply

    12 de março de 2024 at 15:44

    Professora Chiara sempre dando um show de sabedoria.

Deixe um comentário

Login

Welcome! Login in to your account

Remember me Lost your password?

Lost Password