Backer deve sofrer rejeição no mercado em volta vista como legítima pelo setor

Autorizada pela Justiça a voltar a produzir bebidas em sua fábrica em Belo Horizonte, pouco mais de dois anos após a eclosão dos casos de contaminação que provocaram dez mortes em Minas Gerais, a Cervejaria Três Lobos, responsável pela marca Backer, continua sendo vista com desconfiança, o que faz a viabilidade do seu retorno ao mercado ser considerada incerta.
Anteriormente, a empresa mineira foi proibida de produzir, depois de lotes das cervejas da Backer serem contaminados por dietilenoglicol, o que provocou consequências trágicas a partir do começo de 2020. Na ocasião, após as ocorrências, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento determinou o recolhimento dos produtos da cervejaria. E análises posteriores detectaram a presença da substância tóxica nas bebidas.
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A Três Lobos, porém, conseguiu neste mês o aval para produzir e comercializar cerveja da sua fábrica. Mas ainda terá de reconquistar a credibilidade, como destacam especialistas ouvidos pelo Guia. Assim, embora reconheçam que o retorno à atividade produtiva é legítimo, há previsões de rejeição por parte dos consumidores, pois a Backer ficou marcada pelas mortes provocadas pelas contaminações.
À frente da Federação Brasileira de Cervejas Artesanais (Febracerva) e da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Cerveja, Marco Antonio Falcone destaca a legalidade da liberação das operações da Backer, embora relate pressões sobre as entidades que preside para buscar saídas jurídicas que impediriam esse retorno.
“O órgão que regulamenta, que permite e que proíbe (o funcionamento da cervejaria), é o Ministério da Agricultura. Uma vez que a Backer regularizou todas as suas pendências e a fiscalização do Ministério da Agricultura verificou que existe segurança alimentar ali, realmente o setor não tem o que fazer. Eles (a Cervejaria Três Lobos) têm toda a liberdade de produzir e comercializar, desta vez com responsabilidade”, afirma Falcone.
Gilberto Tarantino, presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), aponta a necessidade da aplicação de punições justas aos envolvidos nos casos de contaminação. Porém, ele qualifica como necessário o retorno das atividades produtivas da Backer em Minas Gerais, especialmente para custear as indenizações.
“A Abracerva lamenta profundamente as vidas perdidas e impactadas neste caso e entende que os responsáveis devem ser penalizados conforme decisão da Justiça. Entendemos também que a retomada da produção, atendendo a todas as normas e exigências de órgãos municipais, estaduais e federais, irá permitir que a empresa cumpra seus compromissos com a Justiça e continue gerando empregos e renda”, analisa.
André Lopes, criador do Advogado Cervejeiro e colunista do Guia, também destaca que a retomada das atividades da cervejaria é importante para que a empresa tenha condições financeiras de indenizar as famílias das pessoas que morreram ou tiveram danos sérios à saúde devido à bebida contaminada.
“Vejo como um mal necessário. Para que as indenizações e auxílios sejam pagos às vítimas e a suas famílias, é necessário que a empresa retome as atividades e a produção de cerveja. Só espero que o judiciário seja o mais célere possível e que o pagamento das indenizações ocorra o quanto antes e em patamar elevado, já que o dano causado jamais será reparado”, afirma.
Por sua vez, Sady Homrich, engenheiro químico, cervejeiro e baterista do Nenhum de Nós, qualifica como precoce a autorização concedida à marca mineira para retomar as atividades em sua fábrica em Belo Horizonte, apontando que isso só deveria ocorrer após o julgamento do caso, previsto para começar no fim de maio.
“Me parece precoce essa retomada, já que o julgamento dos acusados do caso Backer ocorrerá em 25 e 26 de maio. Acredito que os cinco responsáveis técnicos que foram indiciados por homicídio culposo, lesão corporal culposa e por agirem com culpa na contaminação, o funcionário investigado por falso testemunho e o chefe da manutenção, indiciado por omissão, não estarão nesse retorno à operação. Mas, a meu ver, os três gestores indiciados por atos na pós-produção teriam de aguardar o julgamento para reencontrar o mercado, dependendo do resultado”, analisa Sady.
Rejeição do mercado e das cervejarias
Desde o ano passado, quando voltou a produzir cervejas, ainda que de modo cigano, a Cervejaria Três Lobos não tem utilizado – ao menos não de modo prioritário – o nome anterior, recorrendo a Capitão Senra, que era um dos mais conhecidos rótulos da Backer, embora não o seu principal. Porém, mesmo repaginada, a cervejaria vem enfrentando rejeição, especialmente após a liberação das atividades em sua fábrica.
“As reações negativas do mercado já começaram a aparecer. A loja Mamãe Bebidas (em Belo Horizonte), que vende quase todos os rótulos produzidos no Brasil, anunciou a retirada das cervejas Capitão Senra de suas prateleiras, respeitando o protesto de seus consumidores. Grande parte dos consumidores comenta publicamente que não tomará da ‘cerveja que mata’”, diz a jornalista e sommelière Fabiana Arreguy.
Para Falcone, a postura da Backer desde a eclosão do caso deve contribuir para a rejeição aos seus produtos nesse retorno. “Eu acredito que o público vai rejeitar. Não vejo muita possibilidade, falando na visão de comércio ou de consumidor, de um sucesso nessa nova empreitada deles, porque realmente ‘queimaram o filme’. Essa é a minha opinião pessoal”, ressalta.
Também proprietário da Falke Bier, Falcone destaca que também há forte rejeição à marca entre as demais cervejarias. Afinal, o episódio trágico teve reflexos negativos para as artesanais como um todo. Assim, embora aceite a retomada das atividades da Backer, pela questão legal, aponta que esse retorno não é moralmente correto.
Tecnicamente, nós não temos como agir porque estão em conformidade com a legislação, que não prevê nenhuma punição, como uma suspensão para quem errou. Então, nós temos de aceitar passivamente isso. Mas cabe uma colocação: se as cervejarias que tanto se esforçam, que fizeram crescer o mercado, foram tão afetadas por um erro isolado, seria justo a Backer voltar a comercializar cervejas?
Marco Antonio Falcone, presidente da Febracerva e da Câmara Setorial da Cerveja
Esse inconformismo é compartilhado por Fabiana Arreguy, que revela sua rejeição à Backer, inclusive como consumidora, pela conduta da empresa com as outras cervejarias e as vítimas da contaminação e seus familiares.
“Minha dúvida era se eles teriam coragem de voltar para o mercado, principalmente depois de se indispor com todo o segmento ao afirmar que todas as cervejarias usavam o dietilenoglicol em suas fábricas. Também duvidava que eles passariam por cima da opinião pública em relação à forma como eles trataram as vítimas e suas famílias. Eu não duvido da qualidade das cervejas produzidas pela Backer. Mas, como consumidora, não comprarei, não beberei, por questões éticas”, enfatiza.
Desculpas, transparência e início ‘do zero’
André Lopes enfatiza que, para a empresa recuperar a credibilidade, não basta mudar de nome em seus rótulos e tentar desvincular a imagem do passado trágico. Para ele, a cervejaria responsável pela marca deveria se retratar, admitir os erros e pagar indenizações às famílias das vítimas sem esconder essas pendências do público enquanto luta para voltar a ter a confiança dele, assim como dos demais atores do segmento.
“Está clara a tentativa da cervejaria de se dissociar da marca Backer, ativando outras marcas do portfólio, inclusive mudando o domínio do site e apagando menções às cervejas que levavam o nome Backer. Em relação à receptividade por parte das demais microcervejarias, creio que houve uma ruptura quase que total a partir de declarações da empresa no início das investigações, fato que tornou a Backer persona non grata no meio cervejeiro. Entendo que uma mudança nesse panorama só ocorreria a partir de uma retratação completa em relação a essas declarações equivocadas e com uma prestação de contas clara e transparente no tocante ao pagamento dos auxílios e indenizações às vítimas”, sugere.
Fabiana Arreguy defende que a Backer deveria promover um recomeço de sua história como cervejaria em todos os aspectos.
Para que voltassem ao mercado sem gerar desconfiança e revolta, só se mudassem a razão social da empresa, o nome fantasia, as instalações da fábrica. Ou seja, se fosse uma nova empresa, começando do zero e se dissociando de qualquer referência à Backer
Fabiana Arreguy, jornalista e sommelière
A especialista recorda episódio envolvendo uma famosa empresa multinacional italiana, ocorrido em 2014, para fazer uma comparação que respalda a sua opinião. “Esse caso me lembra muito o que aconteceu com a Parmalat, envolvida em um escândalo de adulteração do leite com acréscimo de substâncias nocivas à saúde humana. Nunca mais a empresa conseguiu se reerguer, até ser vendida para a Itambé, que descontinuou a marca”, conclui.
3 Comentários
Juliano Zaban
29 de abril de 2022 at 08:46De todas as opiniões acima, a que mais me identifico é a da Fabiana. A postura da Três Lobos/Backer em relação ao acidente foi lamentável. Além da desassistência às famílias atingidas, tentou arrastar todo o ramo cervejeiro para o buraco que ela mesmo cavou. Estou certo de que a “nova Backer” virá com a qualidade que sempre teve antes do ocorrido, mas por questões éticas não consumirei mais essa marca ou nenhuma outra que esteja associada a eles.
Gauss Oliveira
15 de maio de 2022 at 07:32Também gostei muito da colocação da advogada Arreguy.
Pessoalmente, creio que o mais importante de todo esse complexo acontecimento seria a certificação de que a Backer realmente aprendeu a lição. Creio que todos merecem um segunda chance, “desde que” tudo seja esclarecido, indenizações sej vagas de forma justa mas não abusivas, e se principal , que a Backer comprove de forma clara a todo mercado e consumidores que “aprendeu” com o erro e jamais poria em risco a saúde dos consumidores e a confiança desse tão qualificado mercado de cervejas. Um exemplo que poderíamos citar é tbm em MG, Vale. Depois da tragédia, não se escondeu , mostrou a cara , se desculpou, indenizou, etc. Já pensaram o que seria de MG, sem a Vale “operando”???
Amanda
11 de maio de 2023 at 21:34Acabei de consumir a Amber Largar da Capitão Senra, hoje 11/05/2023, tive receio, mas sempre amei está cerveja e decidi dar um voto de confiança, estava até boa, mas a receita não é igual a de antes, algo está diferente no sabor, infelizmente caiu a qualidade depois desse lastimável incidente. Sempre gostei muito das cervejas dessa fábrica, mas acredito que não terão o mesmo prestígio de antes tão cedo, ainda mais se produzirem receitas inferiores, sempre amei a Amber Capitão Senra, mas não é mais a mesma de antes.