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Rodrigo Sena Beersenses

Balcão Beersenses: A triste sina da cerveja nas guerras

Esse é um artigo que escrevo com tristeza. Cerveja é antônimo de violência. Cerveja significa confraternização, alimento, felicidade, paz e amor. Nada a ver com guerra e mortes. Mas, infelizmente, ao longo da história, a cerveja esteve presente em momentos tristes, de guerras, ódio e violência. Um dos motivos é que o grande continente cervejeiro do mundo, a Europa, sempre viveu conflitos por poder e dinheiro. E sempre que tem uma guerra em algum canto da Europa, tem cerveja ali.

Conta a história que, no início do século XVII, a região central da Europa era uma bagunça, para variar. Diversos reinos e ducados separados brigavam entre si com interesses diferentes, o que fez eclodir um conflito que ficou conhecido como a Guerra dos Trinta Anos, onde diversas nações lutaram por três motivos básicos: religião, território e comércio.

Uma das regiões que estava metida nessa briga era o Ducado da Baviera, que em 1632 estava praticamente dominado pela Suécia quando Munique foi invadida. Desnecessário falar sobre a importância da cerveja para a Baviera, né? Exatamente por essa importância toda, os moradores de Munique conseguiram um acordo com os invasores suecos: trocaram mil baldes de cerveja Hofbräu – que era a cerveja oficial do ducado – pela garantia de que a cidade não seria destruída. A cerveja salvou Munique da destruição. Dois anos depois, a Suécia fez um acordo e desocupou a Baviera. Nesta intersecção entre cerveja e guerra na Baviera, o final foi feliz.

As duas grandes guerras do início do século XX também produziram histórias envolvendo cerveja. Algumas ficaram muito famosas, como a história de criatividade dos ingleses que enchiam tanques de cerveja e penduravam no lugar de bombas nos aviões Spitfire para levar a bebida até as tropas na França.

Outra história ficou famosa e transformou seu protagonista em lenda. Teria acontecido em 1944, bem perto do final da Segunda Guerra Mundial, durante uma luta sangrenta que ficou conhecida como a Batalha do Bulge na cidade de Bastogne, na Bélgica.

Durante a batalha, um jovem paraquedista do exército norte-americano, chamado Vincent Speranza, encontrou um barril de cerveja intacto nas ruínas de um pub e encheu seu capacete da bebida para levar a soldados feridos que estavam em um posto médico improvisado em uma igreja ao lado do pub.

Recentemente, fiquei extremamente chocado quando vi notícias de que uma cervejaria na Ucrânia havia abandonado a fabricação de cervejas para produzir coquetéis molotov. Na minha ignorância, confesso que achava que não iríamos mais viver uma guerra dessas na Europa, que mexe com o mundo todo. Eu era daqueles que acreditava mesmo que a humanidade havia evoluído e que a briga por poder e dinheiro tinha atingido outros patamares, usando outras armas, como ataques cibernéticos, por exemplo. Mas eu estava errado.

O fato de uma cervejaria produzir bombas me abalou tanto que fui pesquisar mais informações e descobri que se tratava da cervejaria Pravda, que fica em Lviv, cidade no oeste da Ucrânia, distante cerca de 80 quilômetros da fronteira com a Polônia.

Descobri ainda que a Pravda havia lançado em 2017 uma cerveja chamada “Putin Huilo” – nome que significa um xingamento bem feio contra o líder russo e é melhor não traduzir do ucraniano. A cerveja ficou famosa, pois além do escancarado xingamento a Putin, era uma Strong Golden Ale muito bem feita e que, inclusive, ganhou medalhas em concursos internacionais.

Claro, após encontrar todas essas informações via Google, entrei no Instagram para achar a cervejaria. E, bingo: eles possuíam dois perfis. Um deles tem mais assuntos relacionados à produção das cervejas. E o outro é o perfil principal, o que divulga as cervejas e a marca em si.

A minha comoção com o assunto foi tanta que fiz um post no meu perfil do Instagram, usando um vídeo da Agência Reuters, e marquei a cervejaria. Qual não foi minha surpresa quando vi que o pessoal da Pravda curtiu minha publicação e ainda trocou uma ideia comigo via direct message, que foi o suficiente para perceber o forte sentimento de resistência deles contra a invasão russa. E serviu também para que eu mandasse diretamente uma mensagem de apoio e solidariedade a eles.

No dia seguinte, fui surpreendido com mais uma notícia da guerra envolvendo uma cervejaria. Dessa vez, uma nota muito triste noticiando a morte de uma pessoa causada pelo bombardeio da cervejaria Lisichansk, na cidade de Luhansk.

Triste em ver acontecer essas histórias de novo, em perceber que nunca iremos evoluir como seres humanos. Essas grandes guerras um dia serão nosso fim. E nem mesmo a cerveja irá nos salvar.


Rodrigo Sena é jornalista, sommelier certificado em tecnologia cervejeira com especialização em harmonizações e responsável pelo canal Beersenses.

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