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Rodrigo Sena Beersenses

Balcão Beersenses: Sobre vinhos, flores e fatos

O tempo ocioso em casa aumentou, então eu viajo pelos feeds da vida, vendo os posts dos meus amigos virtuais. Comecei a perceber, nas últimas semanas, que aumentou a quantidade de pessoas postando taças de vinhos.

Claro, como eu sigo muitos colegas cervejeiros, vejo muita cerveja. Mas os posts de cervejas são basicamente restritos aos cervejeiros em si. Difícil ver uma pessoa que não entende nadinha de cerveja, que não é bebedora de cerveja artesanal, postando um copo lindo de uma boa cerveja artesanal. Mas ver pessoas que não entendem nada de vinho postando vinho é muito comum.

E sabe o que eu não ando vendo também nas redes sociais? Flores, não estão postando fotos de flores.

Esse meu devaneio, sem base científica nenhuma, me fez viajar buscando os motivos de tudo isso. Conclui que era preciso buscar fatos e achei alguns que reforçam meu devaneio.

Primeiro fato: o consumo de vinho cresceu durante a pandemia. Mesmo com bares, hotéis e restaurantes fechados, houve aumento de 11% no consumo de vinhos este ano no Brasil, em comparação com 2019, segundo pesquisa da Ideal Consulting. Isso significa que as pessoas estão comprando vinhos em supermercados e e-commerce.

Falando em internet, uma pesquisa divulgada pelo Banco BTG Pactual mostrou que houve 15% de aumento de visitas aos sites de venda de vinhos nos últimos dois meses. A Forbes divulgou que um dos principais portais, o Evino, registrou aumento de 19% na quantidade de garrafas vendidas na comparação com o ano passado.

Outro fato: a maioria das pessoas associa o vinho a uma experiência gourmet, mesmo que não entendam nada de vinho. A galera gosta de postar um prato de comida ao lado de uma bela taça de vinho. Muitos nem mostram qual é o vinho, pois nem é tão importante. O que vale é sentir que foi criada uma experiência gourmet dentro de casa e, nesse aspecto, o vinho é imbatível no Brasil.

Nossa cultura sempre colocou a cerveja como bebida ligada apenas a churrasco, futebol e praia. Aqui não vemos a cerveja como um ingrediente gastronômico, não há essa associação da cerveja com a experiência gourmet.

Mais um fato: o vinho possui muito menos dependência dos pontos de venda do que a cerveja artesanal. Apenas 10% da venda de vinhos no Brasil derivava de bares e restaurantes. Logo, quando estes estabelecimentos fecharam, o impacto não foi tão assustador para o vinho como vem sendo para a cerveja artesanal.

E tem mais um fato ainda: a indústria nacional de vinhos se fortaleceu na pandemia. A alta do dólar elevou os preços dos vinhos importados e foi nessa hora que os vinhos nacionais entraram em cena mais fortes do que antes. A Miolo, por exemplo, registrou aumento de 60% nas vendas em abril de 2020 em relação ao mesmo mês do ano passado.

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Encontrei outro fato triste: desde o início da pandemia no Brasil, mais de 40 milhões de flores viraram adubo ou foram para o lixo. O prejuízo ultrapassa R$ 300 milhões na cadeia produtiva de flores. A grande perda se deve basicamente ao cancelamento de festas e eventos que são o grande canal de vendas das flores. E, pelos números que vimos, as pessoas estão preferindo comprar vinhos ao invés de flores.

E a cerveja? Não estou falando das cervejas mainstream pois essas sempre venderam grandes volumes, mas sim da cerveja artesanal brasileira. Todas as pesquisas feitas sobre o segmento (inclusive uma pesquisa extraordinária aqui do Guia) mostram que os produtores nacionais de cerveja artesanal registraram queda nas vendas que vai desde 20%, nos melhores casos, chegando a 80% nos casos mais difíceis.

A cerveja artesanal, assim como as flores, sempre foi muito dependente de eventos e dos bares. E quando tudo isso parou, o mercado precisou correr para estruturar processos de delivery às pressas.

É fato que as cervejarias, de modo geral, sempre focaram muito no público já cervejeiro, colocando nomes difíceis nos rótulos, destacando lúpulos, em uma comunicação que só beer geek entende. A grande maioria se esqueceu, esse tempo todo, do público potencial que não entende nada de cervejas. Boa parte desse público hoje está consumindo vinhos, mas poderia estar bebendo cerveja artesanal.

Minha opinião pessoal é que haverá uma redução no número de cervejarias no Brasil e o mercado ainda perderá muito. Mas, por outro lado, a boa notícia é que há um grande aprendizado em curso.

Lições importantes sobre comunicação, posicionamento e canais de venda estão sendo assimiladas. Não há demérito nenhum em olhar o que vem sendo feito pela indústria do vinho e copiar algumas estratégias de sucesso. E também sempre se lembrar do exemplo das flores para balancear os canais de venda.

A cerveja artesanal brasileira é uma das melhores do mundo e irá superar esse momento difícil e sair mais forte depois disso, tenho certeza.

Agora, me dá licença, pois vou ali postar minha foto de cerveja artesanal com uma flor do lado.


Rodrigo Sena é jornalista, sommelier certificado em tecnologia cervejeira com especialização em harmonizações e responsável pelo canal Beersenses

1 Comment

  • André de Polverel Reply

    19 de junho de 2020 at 17:04

    Contribuindo para o debate:
    Segundo reportagem da Revista Época (25/04/2020) “vendas on-line de bebidas alcoólicas cresceram até 800% durante na quarentena”

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