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Balcão do Jayro: “Continuo queimando tudo até (quase) a última ponta”

Em uma das minhas colunas anteriores (clique aqui) comentei que a melhor experiência que tive em termos de harmonização foi com a tríade vinho do Porto, chocolate e charutos. Esse friozinho que vem chegando torna um bom charuto uma excelente companhia.

Sou sommelier de charutos, formado pela ABS na primeira turma deles em São Paulo, mas me considero muito mais um entusiasta do que qualquer coisa quando se fala deste assunto. Sei reconhecer um bom charuto, de bom fluxo, suas notas aromáticas e fortaleza/intensidade. Mas não me pergunte se a capa é Nicarágua, o capote é da Republica Dominicana e o miolo é feito de um blend de folhas de tabaco criollo plantados por eunucos em Vuelta Abajo. Minha obsessão fermentada ainda está inscrita somente à cerveja e, por motivos de paternidade, não vejo no horizonte próximo conseguir dispor de uma a duas horas para degustar um charuto com frequência. Quer aprender mais sobre charutos? Procure o perfil de redes sociais de Mikaela Paim, Bruno Lee, César Adames ou Arthur Avedissian.

Quando se fala de harmonização de bebidas e charutos, os destilados – uísque, Bourbon, conhaques e afins – imperam. Não por menos, charutos, mesmo os mais suaves, têm grande intensidade aromática, tem nicotina e alcatrão que podem até te deixar meio grogue. No entanto, grandes resultados de harmonização com cervejas podem ser obtidos se observados alguns pontos importantes.

A degustação de um charuto pode ser dividida em três terços: pé, corpo e cabeça (onde se faz o corte e se fuma) ou feno, divino e purina. A intensidade e complexidade de aromas e sabores se amplia à medida que a chama se aproxima da boca, a quantidade de nicotina e alcatrão aumentam consideravelmente de concentração, amargor aumenta, sabores torrados e queimados aumentam. Se for harmonizar com cerveja em cada terço, considere a crescente de intensidades e, mesmo no pé do charuto a cerveja não pode ser pouco intensa. No último terço os sabores torrados e de especiarias, em especial pimenta, geralmente dominam o conjunto.

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Os sabores dos charutos são essencialmente opacos – aromas e sabores tostados, torrados, chocolate, café, herbais, feno, vegetal, especiarias, caramelos. O caminho mais óbvio é apostar em semelhanças aromáticas de cervejas que tem o malte como protagonista – Imperial Stouts e Barley Wines estão entre as escolhas mais fáceis. O dulçor dessas cervejas também ajuda a equilibrar eventual amargor presente.

Considere o tempo. Charutos tem um ritual próprio e merecem ser degustados de forma adequada, o qual depende da bitola e tamanho e, portanto, sua cerveja na taça irá esquentar. De preferência para estilos que se beneficiem disso.

Bitolas mais largas contém mais folhas e podem trazer mais complexidade. A cor da capa não é referência de intensidade – alguma semelhança com o mito de “cerveja escura é mais encorpada” não é mera coincidência. Bitolas mais finas concentram o fluxo de fumaça em pontos menores e em geral são charutos mais intensos.

Dica de ouro, que aprendi com o Victor Marinho, da Dádiva: uma cerveja ácida alcoólica no segundo terço ajuda a limpar o palato e também quebra a sequência de dulçor, que pode ser enjoativo depois de algum tempo. Uma boa Oud Bruin é uma escolha interessante, dependendo do charuto.

E por fim, jamais molhe o charuto na bebida, ele não precisa dessa umidade se foi corretamente armazenado. Deixe-o morrer com dignidade, repousando no cinzeiro quando tiver terminado. E, por mais que seja um objeto de apreciação relativamente caro, não precisa queimar tudo até a última ponta, a concentração de alcatrão deixa o final bem amargo.

Saúde!


Jayro Neto é sommelier de cervejas e Mestre em Estilos, tendo sido campeão do Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cervejas de 2019. É organizador de concursos da Acerva Paulista e juiz certificado pelo BJCP (Beer Judge Certification Program) com experiência nacional e internacional em concursos de cerveja. Também atua como conselheiro fiscal da Abracerva.

1 Comment

  • Leandro Siman Reply

    23 de junho de 2023 at 19:37

    Jayrão,
    Recentemente harmonizei a Nova Dádiva Medio Tiempo Charutando com um Cristalves médio acho também, que inclusive já tinha fumado um pouco e havia guardado no tubo de plástico dele… Não é que realmente me deixou grogue, deu até taquicardia, mas no início estava uma Boa experiência. Em relação ao Grande Victor Marinho, além de manjar demais em Breja, entende muito de charuto tbm… É um Grande Mestre e um baita cara legal.

    Abraços!!

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