Balcão do Advogado: E o caso Helles, hein?
Já se passou mais de um ano desde o início do afamado “caso Helles”. A indagação do título é uma das frases que mais ouço sempre que o assunto gira em torno de registro de marca, por isso acredito que seja importante voltarmos a falar sobre esse processo judicial, seus desdobramentos e o que mudou um ano depois.
Contextualização
Para quem não acompanhou, eis um breve resumo. A cervejaria Fassbier, de Caxias do Sul (RS), depositou o estilo de cerveja alemão Helles como marca nominativa no INPI, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, em 2004. O registro da marca foi concedido à cervejaria em 2007 e renovado por mais dez anos em 2017.
Em abril de 2019, a Fassbier enviou notificações extrajudiciais a algumas cervejarias do Rio Grande do Sul que produzem o estilo Helles, solicitando que as cervejarias cessassem a utilização da “marca Helles” e indenizassem a cervejaria “proprietária” da marca pelo seu “uso indevido”.
No dia 10 de junho de 2019, a cervejaria de Caxias do Sul ajuizou “ação para proibição de ato ilícito cumulada com reparação de danos” contra a cervejaria Abadessa, na qual postula a proibição da comercialização de seu rótulo com a “marca Helles”, além de pleitear danos materiais e morais.
Ainda no ano passado, em despacho proferido no processo em 27 de junho pela juíza da 4ª Vara Cível de Caxias do Sul, o pedido liminar da Fassbier foi acolhido, determinando que a Abadessa se abstenha de comercializar cervejas com a “marca Helles”, sob pena de multa diária por descumprimento.
A Abadessa cumpriu a decisão judicial até ter o seu recurso de agravo de instrumento acolhido pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em dezembro de 2019, quando lhe foi permitido continuar fabricando e comercializando a cerveja estilo Helles.
O que mudou?
Desde o último texto sobre o caso, a grande mudança ocorreu com o referido provimento do recurso da Cervejaria Abadessa, que possibilitou a venda da sua cerveja Helles novamente. A Fassbier ainda recorre dessa decisão, tendo em vista que houve divergência entre os desembargadores que julgaram o agravo de instrumento.
Será necessário aguardar o trânsito em julgado do agravo de instrumento da Abadessa para que seja proferida sentença no processo originário, promovido pela Fassbier.
No âmbito do INPI, a cervejaria de Caxias do Sul pediu a nulidade das marcas Raimundos Helles, da cervejaria Bamberg, que haviam sido concedidas pelo instituto. Os pedidos de nulidade da Fassbier foram indeferidos no dia 7 de julho de 2020, o que sela um precedente importantíssimo para o mercado, já que, através dessa decisão, o INPI deixa claro que o entendimento do órgão é de que cervejarias não podem se apropriar de estilos de cerveja através do registro de marca.
Esse precedente também pode ser importante para o deslinde do processo judicial referido acima, porquanto essa demanda ainda está pendente de julgamento, e o precedente do INPI pode auxiliar na fundamentação da improcedência do pleito da Fassbier.
Novos casos
Uma pergunta latente no meio cervejeiro é se novos casos semelhantes a esse (concessão de registro de marca de estilo de cerveja pelo INPI) ocorreriam nos dias de hoje. O pedido de registro do estilo Baltic Porter ajuda a responder esse questionamento.
Nesse processo de registro, depositado no final de 2018, o INPI indeferiu o pedido de registro em julho de 2019, argumentando que a marca é constituída por “Baltic Porter” sem suficiente forma distintiva, irregistrável de acordo com o inciso VI do Art 124 da LPI.
Art. 124 – Não são registráveis como marca:
VI – sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;
Conclusões
A constante busca pela profissionalização do mercado cervejeiro, aliada ao maior interesse e reconhecimento da importância do registro de marcas, tende a inibir novos depósitos de estilos de cerveja como marcas próprias no INPI. Além disso, ao que parece, o instituto está mais atento aos pedidos de registro que designam cerveja na classe 32.
Bem assim, o precedente gerado pela decisão que indeferiu os pedidos de nulidade da Fassbier é de extrema importância para o mercado, uma vez que começa a derrubar a dúvida instaurada anteriormente pelo próprio órgão sobre o registro de estilos de cerveja, deixando claro que a mera titularidade do registro de um estilo não confere ao proprietário da marca o direito de impedir que outros utilizem o nome do estilo no rótulo e/ou comercializem esse estilo da bebida.
Cabe às cervejarias também o papel de fiscalizar novos registros nocivos ao mercado, haja vista que não podemos cobrar que os analistas do INPI, que avaliam pedidos de registro de todos os tipos de produtos e de serviços, sejam “mestres em estilos de cerveja”.
Contudo, seria interessante algum tipo de integração ou troca de informações entre as associações de cerveja, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o INPI, a fim de evitar novos casos como o do estilo Helles.
André Lopes, sócio do escritório Lopes, Verdi & Távora Advogados, é criador do site Advogado Cervejeiro
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