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Balcão do Jayro: “Lúpulo na pimenta dos outros é refresco”

O amargor proveniente do lúpulo realça o ardor/picância das pimentas. Esse fato é incontroverso, basta testá-lo na prática. Me recordo bem da sensação de sorver desavisadamente a espuma que se derramava pela taça de uma Habanero Sculpin – Para que não conhece, é a receita da famosa IPA da Ballast Point com quantidades generosas de pimenta habanero adicionadas. Meu cérebro reptiliano gravou bem o recado: “não faça mais isso! ”

Até então não havia me questionado qual processo – seja ele físico, químico ou mais complexo. Fui “beber da fonte” e procurei ajuda do professor René Aduan Jr. A resposta – uma verdadeira aula – é sumarizada abaixo:

Temos em nosso corpo diversas membranas nas células que mediam vários compostos bioquímicos. Especificamente para a falsa sensação gélida e falsa sensação de aquecimento, temos um aparato específico – os canais TRPs. São sensações “falsas” pois têm relação com nosso cérebro primitivo – reptiliano – um tipo de memória ancestral primordial para a sobrevivência.

Canais TRP são canais de membrana mediadoras de sensações de calor e frio e nas degustações estão ligadas a falsas sensações térmicas como ardor, picância, gélido, agulhamento. São mediados pelo influxo de cálculo e sua ligação com a Calmodulina (CaM), uma proteína que se liga ao cálcio. Temos um canal específico – V1 – para mediar a capsaicina – o ingrediente ativo das pimentas.

Segundo Harold McGee em “Comida & Cozinha: Ciência e Cultura Culinária” as pimentas do gênero Capsicum são originárias de arbustos naturais da América do Sul.

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Seu ingrediente ativo, a capsaicina – substância extraordinariamente pungente -, protege as sementes desses frutos e parece ter função específica de repelir os mamíferos. […] O sucesso das pimentas do gênero Capsicum é espetacular. A produção e o consumo mundiais são cerca de 20 vezes maiores que as da outra principal especiaria picante, a pimenta-do-reino

Comida & Cozinha: Ciência e Cultura Culinária (p. 464-465)

Por um outro lado, o gosto amargo, do ponto de vista evolucionário, é um gosto muito importante para a sobrevivência de várias espécies, já que ele discrimina muitas substâncias tóxicas e letais. Ele não está associado a esses canais TRPs, mas sim às células nervosas de nossas papilas gustativas da língua. Está associado aos alcalóides, moléculas complexas e longas, percebidas em um segundo momento (após o salgado e ácido) e que permanecem um bom tempo na boca.

Mas, então, qual é a mágica? É mais ou menos como uma volta de montanha-russa. Ao colocarmos nossas células nervosas expostas ao duplo trauma – o sofrimento do amargor e o sofrimento da pungência das capsaicinas – temos, no final, um pote de ouro – a dopamina do sistema recompensa de nosso cérebro mesolímbico – é a medalha de finisher da sua maratona. 

Dói, mas é bom? Depende de cada indivíduo. Como um bom latino, gosto de pimentas, mas, particularmente, me agrada mais a sensação de alívio de cervejas maltadas em encontro às capsaicinas. E uso cervejas lupuladas para realçar condimentos – dentre eles as falsas pimentas.

Saúde!


Jayro Neto é sommelier de cervejas e Mestre em Estilos, tendo sido campeão do Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cervejas de 2019. É organizador de concursos da Acerva Paulista e juiz certificado pelo BJCP (Beer Judge Certification Program) com experiência nacional e internacional em concursos de cerveja. Também atua como conselheiro fiscal da Abracerva.

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