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Balcão do Profano Graal: História da cerveja no Brasil – A cerveja na Independência

Neste 7 de Setembro, feriado da Independência, o Brasil está completando 200 anos como nação politicamente independente. Para além de todas as discussões que podem ser feitas em torno do processo de independência em relação a Portugal, aquela que nos interessa aqui é: como era o comércio e o consumo de cerveja no Brasil em setembro de 1822?

A esse respeito, o “Grito do Ipiranga” não alterou em muito a situação que já tinha se estabelecido desde 1808, quando D. João VI abriu os portos do Brasil às “nações amigas” de Portugal, que, naquele momento, era só a Inglaterra mesmo.

A Grã-Bretanha era já, desde o século XVII, o principal aliado político e parceiro comercial da monarquia portuguesa. E após a abertura dos portos, o mercado do Rio de Janeiro foi abarrotado de mercadorias inglesas. No início, sem a menor noção das necessidades dos brasileiros, as firmas britânicas remeteram para o Brasil artigos que absolutamente não podiam ser consumidos aqui, e que faziam parte de estoques destinados, originalmente, a outros países, mas que se conservaram invendáveis. São famosas as indicações de artigos como patins para gelo, espartilhos para senhoras e instrumentos de matemática.

Mas os ingleses não esqueceram de trazer também cerveja para abastecer os súditos ingleses que vieram morar aqui, fossem diplomatas ou comerciantes, assim como a nobreza metropolitana e as classes mais abastadas da colônia, que buscavam copiar o estilo de vida europeu, como explica Maria Beatriz Nizza da Silva:

Sua maneira de viver, até seus hábitos alimentares e seus horários para as refeições, seu modo de trajar, seus passeios a cavalo pelos arredores da cidade, seus estabelecimentos comerciais, constituíam novidade para os moradores e despertavam sua curiosidade e interesse, e em muitos casos um desejo de imitação

SILVA, 2016, p. 194

A partir de julho de 1811, a Gazeta do Rio de Janeiro (único jornal da Corte) passou a publicar a seção Notícias Marítimas, com a relação dos navios que entravam e saíam porto do Rio de Janeiro, informando o seu porto de origem (no caso das entradas) ou de destino (no caso das saídas) e, por vezes, a sua carga.

Por essa seção, é possível acompanhar o movimento de entrada no porto de navios trazendo cerveja. Um movimento que durou todo o período de permanência da Família Real Portuguesa no Rio de Janeiro. Dos navios que entraram no porto do Rio de Janeiro até setembro de 1822, em cuja carga declara-se expressamente que traziam cerveja, 92% eram de nacionalidade inglesa. E os três principais portos de origem eram a ilha de Guernsey, localizada no Canal da Mancha próxima à Normandia (38% do total), Londres (24% do total) e Liverpool (16% do total).

Encontrei apenas três exceções: o navio norte-americano Sailorboy, que entrou no porto do Rio de Janeiro em 15 de outubro de 1819 vindo da Filadélfia, trazendo farinha, genebra [sic] e cerveja; o navio sueco Helena, que aportou em 24 de março de 1820, vindo de Helsingor, trazendo madeira, ferro e cerveja; e o navio francês Intrepide, que aportou em 1º de maio de 1821, vindo de Marselha, trazendo vinho, cerveja, sal e fazendas.

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A análise da entrada e saída de navios no porto do Rio de Janeiro a partir do Jornal do Commercio, que começa a circular no final de 1827, nos permite perceber que essa situação quase não se modificou ao longo de toda a primeira década do Brasil como país independente. Porém, ao lado das cervejas inglesas que reinavam absolutas no mercado até 1822, agora aparecem também cargas da bebida vindas da Bélgica, principalmente de Antuérpia.

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor a partir do Jornal do Commercio, 1827-1831

O domínio do mercado brasileiro pela cerveja inglesa se explica não apenas pelo fato de a Grã-Bretanha ser a principal parceira comercial de Portugal naquele período. Mas também porque, como informa Edgar Köb, no começo do século XIX a Inglaterra possuía a indústria de cerveja mais desenvolvida da Europa, com o emprego de maquinário a vapor e outros meios de produção industrial, enquanto em outros lugares ainda predominava o modo artesanal de produção de cerveja.

Esse mesmo autor afirma que as cervejas inglesas dominaram o mercado brasileiro até a década de 1860, primeiro com o estilo Porter, que foi seguido pela Pale Ale da cidade de Burton upon Trent. Assim, é bastante razoável pensar, apesar de ainda não termos nenhuma prova concreta a esse respeito, que as famosas India Pale Ale, destinadas ao mercado colonial indiano desde o século XVIII, também desembarcavam no porto do Rio de Janeiro. Ia demorar muito ainda para que o mercado brasileiro de cervejas desse o seu grito de independência.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARRUDA, José Jobson de Andrade. Uma colônia entre dois impérios: a abertura dos portos brasileiros 1800-1808. Bauru: EDUSC, 2008.

GAZETA DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro: Impressão Régia do Rio de Janeiro, 1808-1822.

JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro: Typoghaphia d’Emile Seignot Plancher, 1827-1831.

KÖB, Edgar. Como a cerveja se tornou bebida brasileira: a história da indústria de cerveja no Brasil desde o início até 1930. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, 161 (409), 2000, p. 29-58.

PANTALEÃO, Olga. A presença inglesa. In: Holanda, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1965. Tomo II, 1º vol.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Uma forma sutil de poder: a cultura inglesa no Rio de Janeiro joanino. Revista do IHGB. Rio de Janeiro, a. 177 (470), jan./mar. 2016, p. 193-210.


Sérgio Barra é carioca, historiador, sommelier e administra o perfil Profano Graal no Instagram e no Facebook, onde debate a cerveja e a História.

2 Comentários

  • carlos alberto Tavares coutinho Reply

    9 de setembro de 2022 at 11:56

    Parabéns pelo texto, meu historiador preferido.

    • Sergio Reply

      18 de setembro de 2022 at 06:04

      Salve meu nobre!
      Muito obrigado pelo elogio e gentileza de sempre!
      Abraços,
      Sergio

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