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Balcão do Profano Graal: A história das Christmas Ales

Salve nobres,

Finalmente, estamos nos aproximando das festas de fim de ano. Desse ano que muitos com certeza preferem esquecer, mas que vai entrar para a história, ainda que de uma forma negativa. Mas, talvez, as festas de fim de ano sejam uma forma de “exorcizar” tudo de ruim que aconteceu nesse ano e renovar as esperanças para um ano melhor em 2021. Tradicionalmente, esse ritual (seja de “exorcismo”, seja de “celebração”) é feito com vinhos e espumantes. Mas, principalmente nos países de tradição cervejeira do Norte da Europa, também vai muito bem com uma cerveja. As cervejas de Natal ou Cervejas Sazonais de Inverno, como são classificadas no Guia BJCP (Beer Judge Certification Program), vêm sendo redescobertas pelas cervejarias há apenas uns 40 anos. Mas a sua história é bem mais antiga.

Remete aos hábitos de antigas populações pré-cristãs (celtas) do Norte da Europa, chegando aos povos nórdicos germânicos medievais. Há milênios, os celtas guiados pelos seus druidas festejavam o Yule, o solstício de inverno, o “dia mais curto do ano”. Dia em que o sol parecia estar imóvel no céu (solstitium, em latim, significa “sol parado”). O Yule acontece exatamente no período durante o qual hoje se celebra o Natal (nesse ano caiu no dia 21 de dezembro). Aliás, os druidas com seus rituais mágicos influenciaram muito nossos costumes de Natal. O visco (planta da vida), combinado com o carvalho (símbolo da eternidade), sob o qual é propiciatório beijar. A árvore solsticial decorada em homenagem ao Deus da luz. As guirlandas de azevinho que com suas bagas vermelhas representam o círculo da vida. Ou o toco de Yule, usado ano após ano para iluminar o próximo e deixado para queimar como um símbolo de renascimento. Por esses mestres celtas, desde o primeiro século DC. Os soldados romanos aprenderam muito, tanto que assimilaram os rituais para trazê-los até os dias atuais. Naquelas ocasiões, que marcavam também o fim da estação da colheita e o início dos meses frios, não faltava a cerveja de Yule.

Já entre os povos nórdicos, também conhecidos como vikings (séculos V a XII), fazer sua própria cerveja de fim de ano era uma tradição tão forte que se tornou mesmo uma obrigação imposta por lei pelo Gulating, uma das mais antigas e maiores assembleias parlamentares da Noruega, que ocorreu anualmente entre 900 e 1300 d.C. E que determinava que os proprietários de terra noruegueses deveriam festejar o Jul (palavra do nórdico antigo para Yule) com os seus trabalhadores fornecendo a juleØl, ou seja, a “cerveja de Jul”.  Se você quiser saber mais sobre o papel da cerveja na cultura nórdica, temos um vídeo sobre o tema no perfil do Profano Graal no Instagram.

Tradição tão forte, essa da cerveja de inverno, que nem a sobreposição da ritualística cristã sobre as religiões pagãs conseguiu erradicar. Tanto que os mosteiros europeus costumavam celebrar o nascimento de Cristo com a “Prima Melior”, o melhor do melhor da sua produção cervejeira. 

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Apesar de ser um costume tão antigo, apenas no século XVII a cerveja natalina ganhou fama no mercado mundial. Foram os suecos, entre os primeiros imigrantes europeus a introduzir naquele século essas cervejas tradicionalmente natalinas na América do Norte. E, incrivelmente, apenas no século XIX os escandinavos voltaram a possuir essa tradição, mesmo que de forma mais comercial. Com a sua popularização começaram a ter suas versões em diversas escolas cervejeiras como na Belga, Alemã e Inglesa. Usualmente as cervejas natalinas eram versões mais alcoólicas e condimentadas de alguma cerveja já tradicional e bem aceita, relançadas no fim de ano em edição especial.

Hoje o BJCP estabelece as linhas-guias para a sua produção. Apesar de conhecidas como Christmas Ales, elas podem Ales ou Lagers, devem ter uma coloração de âmbar médio a castanho escuro, apresentar um aroma que remeta aos biscoitos de Natal, bolos, pinheiro, frutas secas, podem ser aromatizadas com especiarias, ter um sabor rico em base de malte ou maltados doces, podendo incluir caramelo, tosta, nozes e sabores de chocolate, corpo médio a alto e um teor alcóolico acima de 6% para esquentar nos dias frios. O que revela as suas origens do Norte da Europa e pode não ser o mais adequado para o Natal nos Trópicos, com a temperatura batendo os 40 graus celsius.

Mas, ainda assim, as cervejas de Natal costumam ser bebidas menos “quentes” do que os tradicionais vinhos. Além de serem mais versáteis na harmonização com os pratos natalinos. Nessas festas, façam essa experiência em família. E, se alguém reclamar da falta do vinho, conte para ele essa história. A história, como sempre, faz toda a diferença.

Aproveito para desejar Boas Festas a todos os leitores do Guia da Cerveja e nos vemos nesse mesmo balcão em janeiro.

Fontes
Niccolò Marranci – Abrir e presentear uma cerveja de Natal: a tradição das Christmas Beers! – Giornale della Birra – 22/12/2019 (https://www.giornaledellabirra.it/birre/stappare-e-regalare-una-birra-di-natale-la-tradizione-delle-christmas-beers/)

Andrea Cerreti – A cerveja de Natal não existe – Giornale della Birra – 22/12/2020 (https://www.giornaledellabirra.it/birre/la-birra-di-natale-non-esiste)

Luquita da Cerveja – Natal, época de tradição… cervejeira! – Beercast Brasil (http://beercast.com.br/leia-o-rotulo/natal-epoca-de-tradicao-cervejeira/)

Gulating – Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Gulating)

Yule – Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Yule)

Guia de Estilos de cervejas Beer Judge Certification Program (BJCP) 2015 – Tradução livre Mauro Manzali Bonaccorsi – Abril de 2016


Sérgio Barra é carioca, historiador, sommelier e administra o perfil Profano Graal no Instagram e no Facebook, onde debate a cerveja e a História

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