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Balcão Xirê Cervejeiro: Apresentações

Olá, seguidores/as e leitores/as do Guia da Cerveja,

Decidi começar nosso primeiro papo de bar, no Balcão Xirê Cervejeiro, assim, bem informal, olho no olho, de forma bem sincera, como costumo ser na vida.

É com muita alegria que comunico a vocês que estarei por aqui por um tempo. Não sei até quando, mas virei conversar sobre cervejas, harmonização, livros e, sobretudo, falar como tudo isso se entrecruza, sobre encruzilhadas.

É de um valor imenso pisar nesse território logo após março, mês marcado pela luta das mulheres. E é neste lugar que irei derramar minha escrevivência no meio cervejeiro.

Primeiramente, é preciso demarcar ser graças às mulheres que podemos tomar nosso sagrado copinho de cerveja. Afinal, foram elas que começaram esse processo (falarei sobre isso em breve).

Outro ponto que quero destacar aqui, não para criar polêmica, mas para trazer fatos históricos: uma das sociedades a difundir a cerveja foram os Keméticos, os quais conhecemos na atualidade como egípcios, nome dado após a colonização de Kemet, que se localiza no norte do continente africano (também, falarei mais em outro momento).

Dito isso, deixa eu me apresentar, seguindo a Orí-entação da minha grande Orí-presença Lélia Gonzalez, que diz às pessoas pretas: “é preciso dizer nosso nome e sobrenome, do contrário, nos dão o nome que querem”. Então, vamos lá.

Como surgi no meio cervejeiro:

Meu nome é Sara de Jesus Araújo, sou graduada em ciências jurídicas/direito, acadêmica de ciências sociais, colarei grau em julho de 2022, me especializando em história da África e da Diáspora Atlântica. Me formei como sommelière de cervejas em 2018. Desde minha formação, dei cursos e consultorias. Trabalho sobretudo com conexões e educação cervejeira, no campo das relações étnico-raciais e da diversidade. Sou uma militante dos direitos humanos.

Escolhi fazer esse curso técnico por não ver pessoas negras no espaço da cerveja em posições que não fossem em cargos de subalternização.

Em que pese a sommelieria ser a arte de servir, ou seja, está diretamente ligada ao serviço, observei que a alocação dos corpos pretos no espaço da cerveja estava diretamente ligada aos serviços domésticos, “herança maldita” da escravização de corpos negros, que colocou no corpo preto o ofício da mão de obra sub-remunerada e mal valorizada. Observe quem faz o seu pedido no bar, no restaurante em que você consome, quem vem com paninho na mão para limpar a sujeira, quem faz a limpeza do lugar e recebe olhares de desprezo, quem são os/as donos/as, os/as gerentes, o/a sommelier/sommelière…

Nenhum demérito em quem faz o serviço da limpeza, mas porque corpos pretes estão alocados em maioria nessas condições de trabalho?

Em contrapartida, glamuralizou-se o serviço ligado à alta gastronomia. A partir disso, corpos lidos racialmente como brancos ingressaram nesse espaço sem peso de serem ligados às pessoas pretas, por isso, observamos poucos corpos negros no espaço do serviço da gastronomia quando o assunto é sommelieria.

É comum vermos profissionais do serviço partindo para trabalhar servindo em bares e restaurantes no continente europeu ou na América do Norte, pois se recusam a trabalhar nessa área aqui no Brasil. Dizem: aqui pagam mal. Mas se o problema fosse a baixa remuneração, o correto não seria lutar pela valorização da categoria?

Outro fato que fez me tornar sommelière foi um episódio racista velado que sofri em março de 2018, me motivando ainda mais a romper com essa narrativa de exclusão e a incentivar mais pessoas, sobretudo mulheres negras, a estarem nesse espaço.

Por isso, ergui a minha voz e abri caminho, falei em espaço brancocêntrico quando ninguém ousou falar, fui silenciada e ainda houve a tentativa de tokenismo.

Fui preterida por não me calar. Se isso me abala? Não, como já repeti várias vezes. Não, pelo contrário. Embora seja doloroso, uso como combustível para continuar.

Visibilizar histórias pretas, de homens negros e mulheres negras, autores e autoras que foram “esquecidas” pois o esquecimento é intencional, é meu lema. E, sobretudo, apresentar a cerveja às pessoas de uma forma afetiva e amorosa.

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Trago para a discussão Lélia Gonzalez, que me ensinou que o lixo vai falar, e numa boa, Beatriz Nascimento, Milton Santos, Abdias Nascimento, Carolina Maria de Jesus, Lima Barreto, Conceição Evaristo e tantos e tantas que vocês já puderam acompanhar no meu trabalho, no @negracervejassommelier, já tendo mostras disso. Sim, é preciso disputar narrativas para combater o epistemicídio, como diz Conceição Evaristo, visibilizar as vozes para combater a política de apagamento.

Há quem se submeta à estrutura de cooptação por minutos de fama, mas, esse nunca foi o meu lugar no mundo e, penso que foi em razão disso, por criticar esses espaços racistas, que sofri um ataque explícito em agosto de 2020.

Podem tentar me calar, mas seguirei aqui, de forma orgânica, dialogando com quem deseja dialogar e propor mecanismo de mudanças a partir do discurso alinhado. É por isso que aproveito esse espaço para apresentar a vocês, uma futura profissional do ecossistema cervejeiro. A conheci no dia 8 de março de 2022, o “Dia Internacional da Mulher”, em um evento na Ambev no qual dei uma palestra. Bem, como citei Lélia, deixo que a futura gestora de pessoas se apresente.

“O poder transformador da mulher na cerveja”

“Jhenifer Conceição, 31 anos, mulher, preta, gorda, periférica e mãe solo

Todos os adjetivos citados tentaram me parar. E sabe que quase conseguiram? Dores, solidão e batalhas internas. Quer saber onde a cerveja entra? Vou te contar.

Junho de 2018, Rio de Janeiro, CIT (Centro de Inovação e Tecnologia) da Ambev, a maior cervejaria do mundo. E quem eu era? “Jheni”, a manicure que só tinha a 8ª série e um montão de sonhos escondidos. Sonhos estes prometidos e garantidos pela espiritualidade. Um dia, “uma mulher” muito importante perguntou: qual é o seu sonho? E eu agarrei essa pergunta com todas as minhas forças e a transformei em realidade.

Voltei a estudar na escola do Sesi RJ, terminei o 2° grau. E, sem perder tempo, ingressei no curso de Administração de Empresas, sendo, assim, a primeira mulher formada da minha família. Pensando bem, também não temos homens formados, mas por ser uma família majoritariamente feminina, é impossível não usá-las como referência.

Me dividia entre diarista, manicure, mãe solo, ativista racial e social, representante de inclusão e diversidade e recém-descoberta como palestrante. Respirava fundo, acordava e avançava mostrando para todos a importância de resistir ao sistema, do qual o corpo diariamente é alvo. E que a elite feminista insiste em romantizar as minhas dores e as dores das minhas. Ufa!

Venci os desafios do período pandêmico, os desafios de continuar sendo a provedora da minha casa e de chegar ao 7° período de Administração. Concluo que de todas as serendipidades apresentadas a mim, de todos os caminhos que mulheres na cerveja me proporcionaram, um dos mais lindos foi passar no processo seletivo da maior cervejaria do mundo.

Sendo assim, me tornei estagiária de Gente e Gestão na cervejaria da Ambev em Cachoeiras de Macacu (RJ). Por meio disso, recebi o convite para estar na roda de mulheres transformadoras do mundo cervejeiro.

A minha luta não para. A nossa luta não para. E usaremos a cerveja, o mercado cervejeiro e todas as ferramentas possíveis e impossíveis para ser uma agente de transformação. Por mim. Pelas minhas. E pelos meus. 

Jhenifer Conceição.”

Em tempo, agradeço à Laura Aguiar, a qual me fez o convite para estar no evento, palestrar e, sobretudo poder fazer essa conexão com a Jhenifer.

Sou uma sommelière de cervejas apaixonada pela harmonização, e sobretudo, por contar histórias das pessoas através das cervejas, pois penso que a cerveja é mais do que um líquido, é conexão, é história.

Até o nosso próximo encontro, beba com moderação e leia sem moderação.


Sara Araujo é graduada em Ciências Jurídicas, pela Instituição Toledo de Ensino (Bauru-SP), atuando na área de execução penal. É graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (PR), pós-graduanda em História da África e da Diáspora Atlântica pelo Instituto Pretos Novos do Rio de Janeiro, sommelière de Cervejas pela ESCM/Doemens Akademie e criadora e gestora do @negracervejassommelier.

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